31 julho 2007

AINDA O BALANÇO QUE BALANÇA…

PELA PERTINÊNCIA DESTA REFLEXÃO, NÃO POSSO DEIXAR DE CONTRIBUIR PARA A SUA DIVULGAÇÃO.
Devidamente autorizado pelo seu autor, a quem desde já agradeço.


O Politécnico português face à Universidade e a Bolonha

João Maria Mendes*


Sem entrarmos no detalhe das legislações que criaram e foram modelando o ensino superior politécnico em Portugal, é preciso recordar, para entendermos os traços que definem a sua identidade de subsistema, que ele é, ao seu nível, o herdeiro das diversas formas de organização que o ensino “profissionalizante” e “técnico-profissional” assumiu ao longo do último meio século.
A tradição que começou por gerar a distinção entre o antigo “liceu” e as antigas escolas “industrial” e “comercial”, e que mais tarde se metamorfoseou em distinção entre “liceu” e “escola técnica”, prenunciava a distinção que veio a projectar-se, criados os “politécnicos”, no ensino superior.
A orientação igualitária das reformas do ensino secundário, a seguir ao 25 de Abril de 1974, produziu, ao apagar formalmente das escolas o “estigma classista”, uma descaracterização incompleta desta separação tradicional.
Cedo, porém, a sociedade portuguesa começou a sentir, de novo, a falta de um ensino marcadamente técnico-profissional, mais praticamente articulado com a empregabilidade.
A percepção dessa “falta” terá atingido hoje um “pico de consciência”: é muito generalizada a percepção de que Portugal não está a formar, sobretudo na esfera das competências profissionais intermédias e especializadas, a mão-de-obra qualificada de que necessita.
É preciso entender globalmente o que se passou: as sucessivas reformas do ensino secundário, posteriores ao 25 de Abril, foram-se sempre referindo, em diversos tons e com diversos vocabulários, à perda da formação técnico-profissional, mas sem conseguirem suprir a sua falta. Uma expressão recente, entre numerosas outras, da consciência aguda desta lacuna, é a tentativa de lançamento, pelo actual governo português, de novo programa nacional de qualificação através da formação (Setembro de 2005).
O que foi tornado formalmente indistinto no secundário voltou a separar-se no superior: em seu tempo, a criação do Ensino Superior Politécnico materializou o desejo de oferecer formação superior na forma de bacharelatos, correspondentes a “ensinos superiores curtos”, em áreas técnico-profissionais tradicionalmente excluídas, em Portugal, do ensino universitário. Mas a sua instituição marcou-o desde o início com o estigma da menorização: “Superior” sim, mas...
Menorização
De facto, o que separa geneticamente o “Politécnico” do Ensino Superior Universitário é a secundarização e supletivização do primeiro em relação ao segundo: até há pouco tempo, o “Politécnico” só estava autorizado a oferecer diplomas de bacharel, e ainda hoje os docentes deste subsistema auferem, como vencimentos, e seja qual for o grau académico de que são titulares, 25 por cento menos do que os seus colegas das universidades.
Por outro lado, a admissão à docência nos “politécnicos” nasceu tolerante em matéria de graus académicos exigidos: a experiência profissional substituía facilmente o grau mínimo de licenciado, por exemplo. Esse facto, por si só, alimentou duradouramente a subqualificação docente num subsistema do ensino superior português. Com o tempo, essa subqualificação não podia senão virar-se contra quem tentou eternizá-la – como já começou a suceder.
Também a perpetuação de um corpo de “equiparados” a assistentes, a professores adjuntos e a coordenadores, mantidos fora dos quadros docentes e contratados por convite e não por concurso público, contribuiu (por melhor que o Estado viva com o problema) para acentuar o carácter negativamente “especial” do subsistema.
Mas entretanto, a “separação genética” entre politécnico e universitário foi sofrendo uma erosão, resultante da mudança social e das “lutas pelo reconhecimento” que a acompanham:
Por um lado, o politécnico acabou por conquistar a capacidade para formar licenciados (embora em licenciaturas bietápicas: ao grau de bacharel, obtido em três anos, veio acrescentar-se o grau de licenciado, mediante um ano suplementar de estudos). Mais recentemente, e já no âmbito do processo de Bolonha, está a habilitar-se a oferecer igualmente mestrados. Todo este processo não se viveu nem se vive sem a resistência do subsistema “rival”.
Parte do aparelho universitário não viu com bons olhos o nascimento de licenciaturas no politécnico, nem, por maioria de razões, a emergência, na mesma sede, de mestrados.
Por outro lado, e sobretudo nas áreas das “humanidades” e das “ciências sociais” (para usar uma distinção sobretudo anglo-saxónica), o ensino universitário passou a enfrentar a mutação crescente do mercado do trabalho, ou, como passou a dizer-se, a crise de empregabilidade dos seus licenciados.
Este factor obrigou as universidades, globalmente consideradas, a redesenhar planos de estudos e estruturas curriculares aparentemente mais preocupadas com formações técnico-profissionais.
Paradoxo
O resultado deste duplo movimento, lento mas hoje sedimentado, é paradoxal: as universidades sentiram-se constrangidas, pela pressão do mercado de trabalho, a ocupar áreas de formação típicas do subsistema politécnico.
E o subsistema politécnico, oferecendo os graus de licenciado e de mestre, tornou-se e torna-se cada vez mais parecido com as universidades (pelo menos em Lisboa e no Porto). Assim, ambos os subsistemas vão-se repensando a si próprios em clima de concorrência hostil.
A esta luz, e de novo no âmbito do processo de Bolonha, a política de “pés à parede” de parte da instituição universitária, que obteve a garantia de que o politécnico não será autorizado a promover doutoramentos, apenas exprime um novo episódio de uma resistência corporativa – é a defesa da “última trincheira”, a mesma que antes se traduziu na oposição às “licenciaturas bietápicas” e aos mestrados no politécnico.
Mas o problema tradicional e de fundo volta a colocar-se: num terreno em que dois subsistemas originalmente distintos tendem cada vez mais a sobrepor-se e a desempenhar as mesmas funções, como se define, hoje, a identidade de cada um deles? Quais as vantagens, para o país, de manter os dois subsistemas? Continuar a pensar que o ensino universitário é “ensino superior de primeira” e o politécnico “ensino superior de segunda” parece hoje um preconceito anacrónico, desajustado dos problemas de formação e qualificação que a sociedade portuguesa enfrenta.
Compreende-se, assim, que o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos tenha aprovado por unanimidade, em 17 de Março de 2005, um documento orientador em que «reafirma o conteúdo dos Princípios de Orientação Estratégica para o Ensino Superior, de 5 de Janeiro de 2005, nomeadamente quanto à defesa das mesmas condições de autonomia para as universidades e institutos politécnicos; à possibilidade de concessão dos mesmos graus académicos, quer nas universidades, quer nos institutos politécnicos, mediante o cumprimento de requisitos comuns para os dois subsistemas; à defesa de um estatuto único de carreira docente do ensino superior, ainda que consagre perfis diversificados, com maior ou menor articulação com actividades profissionais fora do ensino; e à eventual adopção, pelos Institutos Politécnicos, da designação de Universidade, como forma de afastar a desvalorização social associada, por razões culturais, à designação do subsistema politécnico».
Metamorfose
Quer dizer, está proposta a metamorfose dos institutos politécnicos em universidades, ou em “universidades politécnicas” em tudo idênticas às outras, designação que não perturbaria um francês, um italiano ou um alemão, mas que provocaria novo sobressalto identitário nas instituições universitárias portuguesas globalmente consideradas... ou no próprio Estado.
O exemplo do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), a maior escola do Instituto Politécnico de Lisboa, que em 2004-2005 aprovou por unanimidade a sua “migração” para a Universidade Clássica de Lisboa, e viu o seu desejo aprovado, também por unanimidade, pelo Senado desta última, é elucidativo: até hoje não obteve da tutela autorização para materializar essa “mudança de casa”.
O “três mais dois”
Dir-se-á, e com razão, que os anos de 2004 e 2005 foram em Portugal, no que toca ao processo de Bolonha, os anos em que as instituições de ensino superior discutiram a organização, por ciclos, das suas estruturas curriculares: três anos de licenciatura mais dois de mestrado? Quatro anos de licenciatura mais um de mestrado? Um híbrido entre ambas, o “três mais um mais um”, correspondendo, por exemplo, à distinção entre dois níveis da licenciatura, o “major” (três anos) e o “minor” (mais um ano), dando este passagem ao mestrado (outro ano)? O eventual regresso, às universidades, do grau de bacharel (como no politécnico), correspondendo ao primeiro ciclo de formação?
Partindo do princípio de que esta discussão está substancialmente concluída nas instituições envolvidas (o que é impreciso, porque o processo não é síncrono nem satisfaz um calendário rígido), dir-se-á que o ano de 2006 é o dos “créditos ECTS”.
Em Dezembro de 2004, a então ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior, Maria da Graça Carvalho, tornava público um documento orientador que estipulava o seguinte: «O Quadro Geral de formações prevê um primeiro ciclo de 6 semestres (180 créditos ECTS), e um segundo ciclo de 4 semestres (120 créditos ECTS). As excepções (...) correspondem a casos devidamente justificados. São áreas abrangidas por directivas comunitárias que exigem outra estruturação da formação, e ainda áreas em que a prática europeia aponta para solução distinta da preconizada no quadro geral».
Na prática, o ministério da tutela propunha a generalização do modelo “3+2”, salvaguardando casos como os de Medicina, Arquitectura, Direito... Essa orientação não voltou a ser ministerialmente confirmada nem desmentida.
Ora, se há, em Portugal, instituições do ensino superior para quem a adaptação ao “3+2” seria estruturalmente fácil, são precisamente as do politécnico, vindas da sua experiência de licenciatura bietápica: o bacharelato em três anos passaria a ser designado como licenciatura, e o ano suplementar transformar-se-ia em dois conducentes a mestrado. Ainda do ponto de vista estrutural, este modelo poderia, em alternativa, converter-se facilmente no “híbrido” acima descrito: três anos de licenciatura “major”, um ano de licenciatura “minor” conducente a mestrado em mais um ano (3+1+1).
Essa “facilidade estrutural de adaptação” ver-se-ia ainda ampliada se as universidades optassem pelo regresso ao grau de bacharel: nesse caso, a experiência do politécnico tornar-se-ia em experiência piloto – a que teria aberto tal caminho.
Acreditações
Não é, portanto, na adequabilidade aos “critérios de Bolonha” em matéria de organização estrutural dos currículos que o politécnico (sobretudo em Lisboa e Porto) enfrenta problemas. Tal adaptação encontra bem maiores resistências no aparelho universitário, onde muitas faculdades e departamentos tentaram e tentam não ver as suas licenciaturas reduzidas a três anos lectivos. E tanto mais, quanto a ameaça de não financiamento, pelo Estado, do segundo (e terceiro) ciclo(s) de formação superior tem inquinado, em Portugal, a discussão, pelo ensino superior público, das opções disponíveis.
Os problemas do politécnico no seio do “processo de Bolonha” são os que dizem respeito à sua comparabilidade com o subsistema universitário (agravados pela histórica discriminação face ao seu “rival”), e os que se prendem com a acreditação nacional e internacional – efectiva, e não meramente nominal – dos diplomas que ministram.
Nos últimos anos discutiu-se a existência de uma “hidden agenda” de Bolonha, uma “agenda invisível” que exprime, entre outras, a preocupação das universidades dominantes nos “rankings” internacionais e nacionais de não se verem diminuídas por nova vaga de fundo igualitária. É uma questão que ainda está longe de ter exprimido todos os seus conteúdos.
Apenas política
Para o politécnico não ser a primeira vítima dessa “hidden agenda” de Bolonha, precisa de ver a sua identidade equiparada à das universidades nacionais – processo que depende exclusivamente da vontade política do ministério de tutela, quer dizer, do governo. E para poder alcançar esse objectivo, tem de percorrer um caminho que inclui a requalificação académica dos seus corpos docentes, a acreditação – efectiva – nacional e internacional dos seus currículos e diplomas, e a participação generalizada no regime de mobilidade discente e docente que é, também, um dos traços identitários de Bolonha.
Isto significa que o politécnico está a viver simultaneamente duas agendas políticas distintas, cada uma das quais depende da outra: por um lado, precisa de ver redefinida a sua posição no âmbito do ensino superior português globalmente considerado; por outro, precisa de se repensar a si próprio, actualizando-se – exactamente como as universidades – à luz das orientações internacionais mais “pesadas” do processo de Bolonha.
Informação Complementar
"BENCHMARKING"
Umas das palavras-chave surgidas ao longo do desenvolvimento do processo de Bolonha é a palavra inglesa “benchmark”, um termo originário do mundo naval, e que designa as marcas feitas nos cascos dos navios para identificar o respectivo nível (ou peso) de carga.
O trabalho do Reino Unido conhecido pela designação de “Benchmark Statement” (Standard Occupational Classification, ed. 2000) é a base de referência para a definição dos patamares de competências concretamente oferecidas pelas formações superiores necessárias à obtenção dos sucessivos graus académicos e adoptada pelo processo de Bolonha na sequência da “Conferência dos Ministros” de Berlim (Setembro 2003).
Esta conferência decidiu «desenvolver quadros de qualificações nacionais e um quadro de qualificações europeu, tendo por base a carga de trabalho, o nível, os resultados de aprendizagem, as competências e o perfil» dos ensinos, com vista à mais rigorosa definição da empregabilidade dos formandos em função dos diferentes graus de conhecimentos adquiridos nos estabelecimentos de ensino superior.
O que é pedido às instituições é que sejam capazes de responder com precisão a questões como estas: do ponto de vista das competências adquiridas, o que distingue um doutor em determinada área de um mestre, de um licenciado ou de um bacharel nessa mesma área? E que grau de competência é exigido a determinado profissional dessa área?
Os “Benchmark Statements” ajudam a identificar a relação entre formações superiores e empregabilidade: com efeito, trata-se de identificar e descrever as competências concretamente adquiridas em cada área de formação, a começar pelos casos em que tais formações visam preparar para o exercício de profissões regulamentadas.
Esta orientação da Conferência de Berlim deu expressão às determinações de um seminário decorrido seis meses antes em Copenhaga sobre o mesmo tema. O acompanhamento da criação dos quadros de qualificações em referência foi atribuído à Dinamarca.
Em Portugal, a orientação foi adoptada pelo Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos a 12 de Maio de 2004, que recomendou também aos respectivos grupos de trabalho, organizados por área de formação, a audição dos sectores profissionais interessados nas respectivas definições.
Para além dos “Benchmark Statements” britânicos, os portugueses dispõem, para apoio na realização desta tarefa, da relativamente antiquada Classificação Nacional das Profissões (um documento descritivo de referência, a pedir nova edição actualizada), do seu equivalente francês e do trabalho desenvolvido por organizações europeias ou internacionais temáticas que desenvolveram perfis de formação em interacção com a definição das qualificações próprias de cada profissão.

* João Maria Mendes
Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lovaina (Bélgica). Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Docente na Escola Superior de Cinema e Teatro e na UAL. Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL. Responsável pelo Projecto Janus Online.

30 julho 2007

BALANÇO OU BALANÇA?

De partida para férias, com um interregno que se prolonga até princípios de Setembro próximo, permitam-me que faça um breve balanço sobre alguns temas que ao longo do ano têm sido recorrentes na minha escrita. Não sei bem se é um balanço ou se está ainda na balança, que é como quem diz em transição.

A Animação Sociocultural está, como todos os cursos em Portugal, em vias de mudança. Nada será como dantes, isto é, dantes sem Bolonha e depois com Bolonha. Será assim a partir do próximo ano lectivo em Portugal.

Em Portugal, assim como noutros países em que ASC é uma área emergente, tem vindo a verificar-se uma dinâmica na sua institucionalização, quer nos aspectos da prática quer nos aspectos da sua teorização. Proliferaram cursos superiores e profissionais, organizaram-se eventos, como encontros e congressos nacionais e internacionais, publicou-se, criaram-se redes iberoamericanas e europeias, enfim, rentabilizou-se o espaço on-line com o aparecimento de blogs e sites de associações, de indivíduos ou de cursos. Discutiram-se conceitos, nomenclaturas, planos de estudo, estatutos profissionais, para afinal estar tudo mais ou menos na mesma, quer dizer, assim vai a animação em Portugal. E não vai mal. As dúvidas que mantemos hoje, quanto aos espaços, aos perfis e aos estatutos, têm-na a Espanha e a França. Este último país, que simbolizava o grande paradigma da Animação Sociocultural, mostra toda a sua fragilidade nesta matéria, conforme um estudo feito recentemente neste país e que tive a oportunidade de o comentar neste blog. Por isso continuemos. E vamos bem acreditem.

Integrar, no longínquo ano de 1977, as expressões artísticas nos planos de estudo do antigo Ensino Primário, actual 1º Ciclo do Ensino Básico e nos planos de estudo da formação inicial de professores(as) e de educadores(as) de infância, foi uma grande aventura e luta para uma geração de professores(as) destas áreas. Vê-las a consumirem-se ou a desaparecerem desses espaços formais em troca de outros espaços que provocam dúvidas quanto à finalidade da sua emergência, refiro-me aqui aos complementos de horário, é fomentar a deseducação estética e artística das nossas crianças e jovens. A finalidade da prática pedagógica destas áreas em contexto formal é absolutamente formativa ao nível das competências técnicas, artísticas, estéticas e psicológicas. Exige-se para o ensino-aprendizagem da expressão dramática, da expressão motora, da expressão musical e da expressão plástica competências que só os(as) professores(as) do 1º Ciclo do Ensino Básico e os(as) educadores(as) de infância têm, adquirida na sua formação inicial. Gostaríamos de ter mais horas para essa formação de forma a tornar mais eficaz a formação em sala de aula. Não podendo, não desvalorizem o tempo da formação existente e que se traduz nas práticas pedagógicas e profissionais possíveis hoje na sala de aula. Há espaço nos complementos de horário para estas práticas, mas numa perspectiva de socialização ou de construção de projectos de escola e que poderão e deverão ser geridos por animadores socioculturais.

Foi aprovado o novo reordenamento jurídico do ensino superior. Clarificaram-se algumas questões ao mesmo tempo que se complicaram outras. Há muita discussão à volta deste documento e muita discordância. A mais flagrante tem a ver com a própria gestão e autonomia das universidades e politécnicos e a inclusão de elementos externos nos órgãos de decisão das instituições. Que as Fundações contribuem para a divisão das organizações? É possível. Que se discrimina negativamente as instituições do interior por relação com as do litoral? Também é possível. O que não é possível é que se institucionalize o ensino superior de 1ª e o ensino superior de 2ª, o que quer dizer que haverá professores e alunos de 1ª e de 2ª. A forma como mensagem política é passada enuncia este facto. A questão para mim mais correcta está associada à importância da progressão na carreira: graus de mestre e de doutores, provas públicas para todas as etapas da progressão e avaliação sistemática das competências, integrando sempre elementos externos nos júris de validação.
Nesta questão, no novo ordenamento jurídico, quem vai vencer são os mais fortes.
Resta saber como se chega a mais forte…

25 julho 2007

NOTA ESPECIAL

Este blog não tem uma função interactiva por opção minha. Trata-se de um espaço que me permite reflectir sobre animação, artes e educação, dirigido sobretudo a estudantes de animação e a estudantes em educação artística. Pontualmente faço publicar um ou outro texto que reflecte a minha preocupação sobre o mundo em que estou inserido.
Abro uma excepção de forma a permitir introduzir um texto-resposta ao último que escrevi para este espaço. Trata-se de um e-mail enviado pelo meu amigo Nicolau Saião e que, pela sua pertinência, faz sentido a sua publicação.


“Caro amigo e confrade Avelino Bento
Foi com surpresa - grata, aliás, sublinho - que li o mail que teve a cordial fraternidade de me enviar.
Surpresa, em primeiro lugar, porque não me passava pela cabeça que fosse leitor da Revista Agulha - que apesar de ter hoje 400 mil leitores directos nos diversos continentes - é dum ponto de vista sociológico, digamos, a coisa mais afastada que se possa imaginar daquilo a que eu chamaria “o facto Portalegre”.
Não sendo de esperar que aqui houvesse “agulhistas”!...
Ou seja: aquele “facto”, aquele “elemento” - usemos estes termos simbólicos - que em geral recusa tudo aquilo que seja “resto do mundo”, “consciência ou existência cosmopolita” ou, mesmo, “dignidade individual de artista livre e responsável”.
Claro que o caro Avelino, sendo um leitor do órgão de informação que nos ocupa, percebe perfeitamente o que quero dizer: dum lado uma revista de alta qualidade, aberta ao mundo e à liberdade de criar com talento e responsabilidade, uma revista respeitada e divulgada no mundo da Cultura actual; do outro uma cidade percorrida por desvigamentos provincianos, por processos de intenção, por vigarices evidentes (onde medíocres são promovidos a “génios”…administrativamente) em suma: uma cidade auto-fechada num ghetto, para que no seu perímetro eficazmente continue a vigorar o oportunismo deslavado, a mesquinhez e a falta de integridade que, para além de serem a característica dos locais anti-democráticos, como aliás assinalei numa entrevista publicada anteriormente na dita Agulha, são o pão de que se nutrem gentes cuja acção está a prejudicar gravemente a cidade e a região portalegrense.
Fico pois gratamente surpreso por V. ser um leitor da Agulha e, assim, de algum modo participar do seu espírito de liberdade e de competência reconhecidos pela comunidade intelectual e artística - diria espiritual.
Indo ao cerne do texto que a meu propósito (e aqui fica o meu obrigado) escreveu no seu blog, gostaria de referir, para aclarar, alguns pontos que me parecem curiais:

1. É importante que eu esclareça relevantemente que, ao contrário do que fraternalmente escreve, não sou um homem, e cito, “reservado e discreto” por temperamento. Pelo contrário! As pessoas que nos últimos tempos me têm visto participar, seja em Portugal seja em Espanha, seja mesmo em França, em sessões e exposições, sabem que estou mesmo no pólo contrário: falador (às vezes até demais!, digo eu auto-ironicamente), comparticipativo, interessado no convívio com as assistências respectivas. O que se passa é que me afastei da actuação pública em Portalegre por estar farto de que me tentassem utilizar, aliás de forma capciosa e sem respeito humano algum, para colaborar em actividades espúrias. E, se eu tentava reconduzir esse envoltório a índices de dignidade e verdade, ser tratado com manejos que por vezes atingiam mesmo a falta de educação e de consideração mais charras e impróprias, que nenhum indivíduo digno poderia aceitar.
Esta a realidade que me afastou de participar em acções nesta cidade. Retiro deste rol, naturalmente, as acções levadas a efeito, por exemplo, por convite do caro Avelino Bento (bem com um punhadinho de outras de doutros quadrantes), onde houve dignidade, consideração e qualidade.

2. Não me afastei da Cidade - afastaram-me! Certas entidades, sendo más observadoras por razões óbvias, pensavam que eu era um desses “pequenos jogadores” que por cá actuam usando os seus pequenos talentos para “fazerem o seu farol”, como dizia Agostinho da Silva. E como eu não alinhava nas suas “jogadas para comer o chibo” (como dizia Raul Proença), passei naturalmente a ser um corpo estranho nos seus mundos.
Foi esse tipo de gente que, por maldade e desvergonha, pôs inclusivamente a correr a atoarda maldosa e difamatória de que eu seria exigente e de difícil contacto - quando apenas era e sou, como a minha acção intensa lá fora bem atesta um autor que simplesmente não entra em burlas mentais.
Fala por mim a minha actividade - que no entanto aqui quase não é noticiada “et pour cause”… - em terras como Estremoz, Figueira da Foz, Sesimbra, Lisboa, Badajoz, Mérida, Ciudad Real, Jerez de los Caballeros, Zafra, Cáceres, etc., bem como a actividade que mantenho em: Triplo V (a mais divulgada página cultural portuguesa), os Arquivos de Renato Suttana, Jornal de Poesia, Judo e Poesia (estes brasileiros), o Estrada do Alicerce (dirigido por outro marginalizado, Ruy Ventura, que apesar de ser hoje um dos alentejanos mais internacionais - - livros e presenças em França, Alemanha, Estados Unidos, Espanha, Brasil e Bélgica - tem sido tratado como um trapo nesta terra onde difamadores e relapsos são exalçados e mesmo galardoados…como a comunidade sabe e lá fora também já se vai sabendo, apesar das tentativas de encobrimento que daqui são dimanadas). Não falando na minha presença assídua em revistas como Saudade (a convite de Amadeu Baptista, recentemente distinguido com o prémio Sebastião da Gama…), como Carré Rouge (francesa), como outras que me dispenso de assinalar para não ser maçador ou redundante.

3. Não estou “desiludido e triste” com a minha comunidade, como humana e cordialmente diz. Estou é esclarecido, com os olhos bem abertos para com esta realidade: um autor que se respeite (e não sou só eu), tem de se afastar - pois de contrário os que aqui impõem os seus critérios maculados e maculadores da dignidade e da verdade exigem que eles colaborem nas “jogatanas” com que vão existindo. E nisso eu não alinho!
Realço, para fazer o contraponto iluminador, que quando tempos atrás fui convidado de maneira digna para participar num evento (pelo Dr. Nuno Oliveira, no átrio do Instituto Politécnico) aceitei de imediato. A exemplo do que fazia quando o caro Avelino me convidava para efectuar acções no estabelecimento onde dava, ou dá, o seu contributo educacional e cultural.
Aqui, um parêntesis: como deve ter reparado, na conceituada Agulha têm também estado a ser publicados textos que elaborei para essas sessões. Mas também João Garção, hoje tido como um dos melhores conhecedores de Hieronimus Bosch e respeitado teorizador do fenómeno artístico, ali tem sido publicado com textos feitos para sessões apresentadas nesta cidade, por convite da mesma entidade a que o caro Avelino está ligado. Ou seja: somos respeitados lá fora, cá somos colocados “no caixote de lixo cívico”, como muito bem escreveu numa sessão em Lisboa, recentemente, Ruy Ventura.
E João Garção é outra figura destacada que, mercê da inveja e do acinte de umas dadas pessoas (num livro meu isso será futuramente esclarecido), foi totalmente marginalizado em Portalegre, por fazer sombra a medíocres bem montados…

4. Por último, cabe-me referir que estou, como sempre estive, entre o meu povo, o povo de Portalegre que é o mais prejudicado pela mesquinhez e anti-democraticidade dos que o enganam e sobre ele tripudiam. Do povo humilde e trabalhador tenho recebido e continuo a receber manifestações de interesse e carinho. Sou frequentemente interpelado por pessoas do quotidiano, pelos caros cidadãos “lagóias”, que estranham e lamentam que eu ande “desaparecido”. Explico-lhes então que não só fui afastado por não aceitar bambochatas indignas, como também interessava a alguns solaparem-me para a minha presença não lhes “cortar o sol” negro em que se repoltreiam. Se eu aparecer…como podem eles continuar a ser geniaços, por comparação luminosa???
Sendo o Avelino um homem culto e conhecedor, sabe que ainda há bem pouco foi publicada uma parte do livro (que estou a preparar com João Garção sobre Portalegre), no Triplo V - que é, como já referi, a página portuguesa mais divulgada referente a esta Cidade. E que também saiu no Brasil. Isto prova que Portalegre vive em mim - o que acontece é que dentro de portas interessa que isso não seja evidente! Interessa dar-me como “meditabundo” (foi o que na altura fizeram a Régio, que também não alinhava com videirinhos.
O truque dessa gente é sabido…já vai sendo ineficaz…).
O livro a seu tempo sairá - ainda que por cá não lhe concedam qualquer apoio e tentem mesmo que ele nem seja falado (a minha participação no DVD, presente em toda a Espanha, do cantor Miguel Angel Naharro, também foi cuidadosamente solapada, bem como outras colaborações internacionais…).

Porque, bem vê, caro Avelino, fora de Portalegre “eles” não têm qualquer poder, que só aqui exercem…E mesmo cá deixarão um dia de ter o discricionário poder que têm. É só uma questão de tempo - e eu, lá fora, não tenho as “algemas” que aqui quiseram colocar-me! Foi por isso que me “afastei”. Cá tinha de viver “de rastos”, queriam que lhes lambesse as botas. E isso eu não faço.
Bem podem esperar sentados!
Sei que publicará esta minha carta, porque é uma pessoa séria, sem eu lho pedir. E só aludo a isto porque podia o caro Avelino pensar que esta era uma simples missiva particular.
Eu parece-me ter ela valor pedagógico e sociológico; por isso, mais que não seja, aqui fica, com o abraço de sempre do seu
Nicolau Saião”

24 julho 2007

A VIDA É FEITA DE PEQUENOS NADAS

Existe em Portalegre um conjunto de pessoas, não muito extenso, por quem eu tenho uma enorme admiração e respeito. Todas elas me colocam, suponho eu, no mesmo nível de consideração. Todavia não têm todas a mesma atitude perante a comunidade e perante as dinâmicas aí instituídas, enfim, os seus processos de socialização são diferentes, levando a que uma parte da comunidade tenha delas opiniões bastantes díspares, às vezes polémicas até.

Vem isto a propósito de um ilustre portalegrense que tenho o prazer de conhecer, há já muitos anos, e pelo qual tenho uma enorme admiração. Estivemos, no início do nosso relacionamento, muito mais próximos. Não tanto por um convívio sistemático, que não houve de facto, mas mais pelas conversas interessantes que tivemos em oportunidades criadas esporadicamente. Durante o período que estive em Montréal, no Canadá, trocámos uma ou duas cartas, nas quais tive o privilégio de receber textos muito interessantes de sua autoria. Já depois, em Portalegre, fez-me o favor de participar numa conferência organizada para os meus alunos de Sociologia da Arte. Posteriormente, quando eu coordenava a licenciatura de Animação, tornou a manifestar a sua simpatia ao poder partilhar com os jovens desse curso, mas também com alguns professores, o seu saber e a sua experiência de poeta, ensaísta, dramaturgo e pintor. Falo, como é evidente de Nicolau Saião.

As nossas relações de proximidade dão-se quando, por acaso, nos encontramos na rua. Vou sabendo deste meu amigo por aquilo que vou lendo, dele ou sobre ele. Nomeadamente através de uma revista on-line brasileira bastante interessante, a Agulha.

Foi precisamente o último número desta revista, www.revista.agulha.nom.br, que me inspirou este texto. Nicolau Saião escreveu sobre Agostinho da Silva e duma forma tão sublime que, seguramente, fez aumentar os admiradores por esse Homem singular de inteligência e de humildade.

Dos encontros raros e apressados que temos na rua, observo um Nicolau Saião desiludido e triste com a sua comunidade. Talvez por isso ele se recolha demasiado, digo eu. Todavia, em qualquer comunidade, temos pessoas que não gostam de nós e, felizmente, outras que manifestam contentamento e felicidade pelos nossos sucessos.

Tenho pena, acreditem, que Nicolau Saião esteja pouco entre o seu povo, que ele adora, tenho a certeza. Tenho imensa pena que o seu saber e a sua arte não façam parte do quotidiano desta comunidade. Tenho afinal muita pena que toda a produção literária e artística de Nicolau Saião, que percorre a universalidade, não seja um património acessível a toda a comunidade. Aqui, o poder, especialmente o local, tem uma quota-parte de responsabilidade nesta tarefa: acarinhar e divulgar os artistas da sua região.

Mas a minha última observação vai dirigida ao próprio Nicolau Saião, se deste texto ele tomar conhecimento. Meu amigo, eu sei que por temperamento é um homem reservado e discreto. Todavia isso não impede que se reaproxime de nós todos, frequentando o que esta bela cidade tem para oferecer. Este gesto tão simples como o de conviver torna mais suave qualquer desilusão e torna maior a compreensão que contribui para o aumento das empatias. Sobretudo, temos todos responsabilidades de criar oportunidades que nos conduzam à socialização e ao espaço onde cada um de nós tem para dar e para receber. A vida é isto mesmo, não é verdade?

16 julho 2007

SPTG

Tenho vindo, esporadicamente, a fazer leituras sobre guerras, escritas umas a partir da realidade transformando-se em ficção, outras a partir da ficção tentando mostrar o real. A guerra, qualquer guerra que seja, vista nestas duas dimensões, é sempre de uma crueldade que configura o caos e a barbárie. Independentemente de se saber a razão da sua origem, o que marca, é o que essa guerra produz na humanidade que a vive e que sentimentos são deixados na que observa.

As guerras sempre existiram, desde os primórdios da Humanidade, evoluindo esteticamente (evolução?) e tornando-se cada vez mais sofisticadas e eficazes. A única coisa que não mudou desde os primórdios e que dá origem às guerras, é justamente o desentendimento e o conflito permanente entre o ser humano.

Acabo de ler Arturo Pérez-Reveste que dá um retrato implacável de uma guerra, de várias guerras em “O Pintor de Batalhas”. Não é só a visão do jornalista de guerra, é também a visão do humanista, do homem que vive a preocupação do mundo. A narrativa da obra assenta na percepção trágica que ele tem da guerra, nos seus aspectos mais cruéis e demonstra-o através de uma pintura em mural, que vai desenvolvendo à medida da sua consciência, da sua vivência e das memórias da sua interacção com protagonistas da própria guerra.

Tudo isto vem a propósito do chamado “stress pós-traumático de guerra - (SPTG)” de que muito se fala actualmente em Portugal, mas também no resto do mundo, onde estes acontecimentos tiveram ou vão tendo lugar. Curiosamente sempre na perspectiva de quem participa ou participou e nunca, ou quase nunca, do ponto de vista de quem viveu a própria guerra, mesmo não estando em nenhum dos lados dos beligerantes.

Como antigo combatente, na Guiné entre 1971 e 1973, consciente de muitos fantasmas ainda existentes no meu espírito e nos meus sentidos, não tenho dúvida que, para milhares de ex-camaradas meus, ainda não apareceram as oportunidades de realizarem as suas catarses e melhorarem a sua qualidade de vida. Abrindo um parêntesis, nem todos tiveram, infelizmente, a possibilidade de fazer essa catarses através de uma educação e formação artística. Com efeito, a dimensão terapêutica da arte é tão profunda e eficaz nestes casos que, muitas vezes, permite revelar uma dimensão enorme na criação artística de muitas dessas pessoas, como é o caso, entre muitos, do escritor acima mencionado. Fechando este parêntesis, não tendo essa possibilidade, a vida da grande maioria desses ex-combatentes tem surgido com um índice muito baixo de qualidade, transformando-se num percurso difícil e cheio de obstáculos que os impede de chegar à felicidade.

Mas também não tenho dúvidas de que para muitas famílias desses ex-combatentes, a ascendente, mas sobretudo a descendente, as suas vidas não têm navegado num mar de rosas. Acabam por sofrer do mesmo modo as consequências da guerra que, indirectamente, viveram ou continuam a viver.

Sempre que vou a um almoço de convívio entre ex-camaradas, desses que se realizam anualmente um pouco por todo o país, organizados por batalhões e companhias e que, inconscientemente, acabam por ser, um pouco, um espaço de catarses, apercebo-me da expressão que emana daqueles semblantes, olhares cansados, tristes, às vezes alcoolizados e de baixa estima, moral e pessoal, olhares outrora mais atentos aos perigos e à sua própria sobrevivência.

Do mesmo modo, não deixo de reparar nos olhos e nos comportamentos daqueles e daquelas que constituem as suas famílias e que vêm militando no quotidiano afectivo desses ex-combatentes: também a tristeza, a doença, a pobreza e a infelicidade. Quando não encaro com alguns desses ex-combatentes sós, porventura já abandonados há muito por aqueles que não quiseram ou não foram capazes de, em conjunto, partilhar um tempo e um espaço comum de sofrimento. Aí, ficam abandonados à solidão do seu próprio sofrimento. Quantos casos de violência doméstica, de famílias destroçadas, de vínculos afectivos cortados e de futuros que morrem no amanhã.

Todos temos responsabilidades morais por estes acontecimentos e, portanto, temos uma quota-parte de culpas neste desamor entre os homens. Afinal, as guerras vitimizam não só os protagonistas. Também tornam mais pobre e doente a Humanidade.


10 julho 2007

A INVESTIGAÇÃO EM ANIMAÇÃO SOCIOCULTURAL

Depois de 100 teses de doutoramento e de 30 anos passados, a realidade da ASC em França não é, afinal, tão consensual como às vezes nos querem fazer crer. Mesmo na definição dos estatutos profissionais existe alguma confusão provocada pela a excessiva diversidade de funções e de áreas de intervenção.

É por essa razão que Jean-Claude Gillet e outros teóricos e práticos, mas também os políticos, iniciaram um processo de reconciliação nacional com a profissão. É mais fácil gerir toda esta problemática, designando os animadores e a animação apenas como Profissional (Animação Profissional e Animadores Profissionais)

Esta confusão dá-me cada vez mais razão e legitimidade epistemológica para defender a ideia de que a ASC deve ser o ponto de partida em termos da formação inicial (1º Ciclo) e que, só depois desta, fica então em aberto o espaço para a formação do 2º ciclo nas especialidades ou modalidades de Animação.

Esta apreciação surge na sequência de uma investigação terminada em Março de 2007 por dois sociólogos do INJEP (Institut national de la jeunesse et de l’éducation populaire), Francis Lebon e Emmanuel de Lescure, com o título “Un groupe professionnel en évolution? - Les animateurs socioculturels et de loisirs, analyse secondaire de l’enquête Emploi (1982-2005)”. Tem-se acesso a este Relatório no site Passeurs de Culture do mesmo INJEP (http://passeursdeculture.injep.fr/).

Apesar de estar relacionado com a questão do emprego destes profissionais em França, entre 1982 e 2005, a originalidade deste estudo está em ter adoptado um ponto de vista diacrónico, isto é, ele faz a história do próprio movimento da Animação e da profissionalização do animador em França a partir do início da década de 70 do Séc. XX até 2005. Marca com bastante veemência a evolução da animação com as diferentes características que a compõe.

Esta circunstância permitiu que este estudo abordasse questões que se inserem numa problemática sobre as novas profissões sanitárias e sociais, assim como lúdicas, artísticas, de lazer e desportivas, estabelecendo a sua ligação à Escola (que do ponto de vista dos investigadores lhes parece fragmentada), assim como estabelece a sua posição intermédia nas hierarquias sociais e profissionais (que lhes parece incertas, todavia).

Sem me alongar demasiado, visto ser um estudo longo e profundo, ele contextualiza a problemática da indefinição da função e do perfil desde 1974 e que se prolonga até à actualidade. Não é de estranhar portanto, tanto em Portugal como em Espanha, com menos passado histórico sobre esta matéria, se viva ainda hoje uma semelhança muito próxima da indefinição dos anos 70 em França e que, pelos vistos, ainda se mantém. O grande avanço foi, tal como está a acontecer em Espanha, mas não em Portugal, ter-se encontrado ou clarificado a criação de espaços e de objectos de animação que permitem agregar milhares de profissionais da animação, incluindo os animadores voluntários. Esta clarificação, apesar de tudo, foi permitindo também identificar os perfis dos animadores e partir-se daqui para a elaboração jurídica dos contratos de trabalho.

Finalmente e como curiosidade, o estudo também foca a questão da feminização da profissão. Na história da animação profissional em França, o métier era desenvolvido maioritariamente por homens. Nos primeiros filões saídos da formação académica e profissional ainda o número de profissionais era consideravelmente masculino. Podemos comparar também à história da animação em Portugal até ao momento que se iniciaram as primeiras formações académicas e profissionais. Eram quase exclusivamente animadores e não animadoras. Penso que o fenómeno da feminização da profissão foi um processo natural em Portugal, Espanha e França com a democratização do ensino e do acesso e igualdade de oportunidades às novas profissões.

01 julho 2007

A CULTURA E AS OBRIGAÇÕES DO ESTADO

É preciso libertar a Cultura do Estado”. Quem o diz é António Gomes de Pinho, Presidente da Fundação de Serralves, em entrevista ao Jornal Público de sábado, 30 de Junho de 2007. Para isso propõe que se substitua o Ministério da Cultura por uma Secretaria de Estado dependente do 1º Ministro. A argumentação é a de que a Cultura é cada vez mais transversal, passando por quase todos os Ministérios e, que só assim, com esta estrutura mais reduzida junto do 1º ministro, a cultura, neste país, se tornaria mais eficaz. De repente estamos a “anglo-saxonizar” tudo neste país. Foi a educação, agora a cultura e o que mais será? Estamos a passar por modelos já experimentados, há muito tempo, por outros países que deixam agora cair essas experiências. Estamos afinal a tentar ignorar as raízes e a tradição europeia, no que concerne à sua enorme herança cultural que é, afinal, a grande preocupação pelas questões sociais e culturais, base do desenvolvimento humanista. É óbvio que se tem de modernizar, ajustando novas práticas a novos conceitos, mas sem que se perca a filosofia original europeia.

A perspectiva para este ex-governante, secretário de estado de Lucas Pires (que, do meu ponto de vista, faz parte de uma pequeníssima lista de bons ministros da Cultura em Portugal) é que: “fruto de um conjunto muito vasto de alterações que se verificaram na sociedade nas últimas décadas, em Portugal e não só, o papel da cultura alterou-se profundamente”.

É verdade, alteraram-se os conceitos de cultura, mas também se uniformizaram os seus meios de produção e divulgação. Por um lado, fizeram-se Fundações que têm receitas próprias, mas que continuam a ter, em 50%, o financiamento do Estado. Estão situadas nos dois maiores centros urbanos do país e servem afinal uma elite cultural, isto é, uma minoria da população portuguesa. Por outro lado, massificou-se o(s) objecto(s) cultural(ais), retirando à maioria da população a oportunidade de pensar a sua participação cultural, não só como fruidora de cultura, mas também como produtora de cultura. Acenar-me-ão com os fenómenos da globalização? Claro! Também interferem. Mas por mais que alguns sociólogos nos queiram convencer, existe ainda uma diferença acentuada entre o meio rural e o meio urbano, como o demonstra Ander-Egg na obra “Metodologia y práctica de la animación sociocultural, Buenos Aires, Editorial Hvmanitas, 1991, p. 243.”

A proposta de Gomes de Pinho em tornar Fundações todas as organizações de criação cultural dispersas pelo país é absurda. Por muitas destas regiões, para além de um acentuado défice demográfico e a sua correspondência com a ausência de empresas e de emprego, também não há mecenas interessados em investir naquilo que consideram causas perdidas em termos de divulgação das suas áreas ou produtos.

A cultura e a arte fazem-se, não só através de estruturas profissionais, como se fazem através de estruturas não-profissonais. Umas e outras têm direito a financiamento dos seus projectos, assim como têm o dever de exercer as contrapartidas no desenvolvimento local e regional a partir da utilização e rentabilização dos seus projectos, que devem estar ao serviço das comunidades.

Sabe-se que o maior financiador dos projectos culturais fora dos grandes centros é o Poder Local. Mas também se sabe que o excesso de competências que lhe é atribuído pelo Estado, sem as respectivas compensações, dificultam ou tornam pouco claras as políticas culturais locais, criando-se critérios pouco definidos na atribuição de subsídios e/ou financiamento, levando algumas autarquias a manifestarem imparcialidade nessa função.

É imperativo que o Estado continue a investir na Cultura, obrigando, é certo, as organizações, profissionais e não-profissionais, a uma maior comparticipação e envolvimento com as comunidades, embora de níveis diferentes, naquilo que faz parte das dinâmicas culturais instituídas ou a instituir. É forçoso que o Estado continue a investir na Cultura, apoiando projectos de índole mais universais, mas não descurando os projectos mais locais e regionais, atribuindo mais verbas às Autarquias, especificamente para este efeito.

Um povo, uma nação, um país, só mostram a sua modernidade se souberem conciliar a sua tradição cultural com o presente e o futuro da cultura. A herança e a modernidade, o passado e o futuro, estão nas mãos de um povo que, para crescer e desenvolver-se, deve ser definitivamente culto. Assim se criem as oportunidades.