27 outubro 2006

Textos Outubro 2006

Perder os direitos adquiridos com fundamento em opções políticas inadiáveis, nomeadamente de ordem financeira e orçamental, custa! Mas pode ser entendido se for na direcção de um objectivo justo: melhorar a médio e a longo prazo as condições e a qualidade de vida das populações. O que não parece ser o caso. Verificamos quem está a perder os direitos é aquele ou aqueles que trabalham por conta de outrem, isto é, a maioria da população. É fundamental que todos, literalmente todos, incluindo os grandes grupos económicos, nomeadamente os bancos, paguem também a crise e deixem de pensar só nos lucros.

Encontrar progresso naquilo que são flagrantes regressões, traduzidas em decisões políticas, sobretudo nas áreas da saúde e da educação, é trabalhar para um objectivo exclusivo de redução do défice e nunca para criar as condições de melhoria da qualidade de vida das populações e do desenvolvimento do país, dos portugueses e de todos aqueles que cá vivem e trabalham e que contribuem também para esse desenvolvimento.

A comissão que trabalhava no GETAP - Gabinete de Educação Tecnológica, Artística e Profissional - do Ministério da Educação, creio que ainda se chamava assim, de onde se encontravam, entre outros(as), a Paula Folhadela e a Isabel Branco, demitiu-se em rotura com a política do ministério, isto é, com o desinteresse demonstrado pela ministra pelo trabalho já desenvolvido e em desenvolvimento sobre as políticas educativas no que concerne ao ensino artístico especializado e genérico. O Ministério ignorou sucessivamente, o documento que foi publicado em Outubro de 1991, “Educação Artística Especializada - Preparar as mudanças qualitativas” e os decretos-leis emanados a partir desse grupo de trabalho que projectavam as várias fases de reorganização do ensino artístico, o Relatório da Comissão Mundial de Cultura e de Desenvolvimento da UNESCO publicado em 1999 e, mais recentemente, a Conferência Mundial de Educação Artística realizada neste país em Março deste ano.

Ao ignorar-se a Expressão Dramática nas novas tipologias curriculares no Ensino Básico e recorrendo-se, naquelas que ainda as integram, de uma nomenclatura tradicional como Música ou Educação Física, exceptuando a Expressão Plástica, porque seria demasiado pretensioso dizer Arte no Ensino Básico, pretende-se escamotear um percurso e uma história de sucesso educativo das Expressões Artísticas Integradas relacionadas com a Expressão e Educação Dramática, a Expressão e Educação Física e Motora, a Expressão e Educação Musical e a Expressão e Educação Plástica. Ao ignorar-se a Expressão e Educação Dramática não se entende em absoluto que é uma disciplina de desenvolvimento plural e total: desenvolvimento dos sentidos, percepção e domínio das emoções, educação estética, desenvolvimento da socialização face a inibições e à capacidade de decisão, afirmação do livre arbítrio, domínio corporal e verbal na sua dupla estrutura, em uníssono ou na sua projecção específica, no trabalho em grupo e na consciência da cidadania, etc., etc. Mais palavras para quê?Ao ler nos jornais que a ministra propõe uma formação conjunta de educadores (as) de infância e de professores (as) do 1º Ciclo do Ensino Básico e que ambos devem estar preparados para leccionarem no nível seguinte, isto é, os educadores também deverão ter competências para o 1º ciclo e os professores deste nível deverão ter as competências dos professores do 2º ciclo, fico perplexo e admirado. Como é que pode haver tanto desconhecimento na matéria por parte dos decisores políticos, nomeadamente naquilo que nos ensinam as Ciências da Educação, entre outras disciplinas a Sociologia da Educação, e não mostram humildade para colocarem grupos de trabalho de especialidade a funcionar antes de tornarem públicas estas absurdas decisões.

Os Planos de Estudo dos Cursos de Animação Sociocultural começam definitivamente a desenhar-se em todo o país de forma a poderem estar todos a funcionar no próximo ano lectivo. Apesar da maioria das instituições de ensino superior, públicas e privadas, terem estado representadas no grupo de trabalho nacional, sob a égide do Ministério do Ensino Superior, e desse grupo de trabalho ter sugerido a elaboração de um currículo comum nacional, ao nível das ciências de especialidade e das ciências de base, essa realidade está completamente alterada. Os departamentos das Universidades e dos Institutos Politécnicos com maior influência determinaram, por via daquilo que eu tenho vindo a designar como as capelinhas, a maior diversidade de disciplinas que vão, seguramente, comprometer a afirmação da profissão e a elaboração dos famigerados e cada vez mais longínquos estatutos profissionais.

30.Outubro.2006

___________________________________

Finalmente está em funções a Junta Directiva da Rede Iberoamericana de Animação Sociocultural eleita democraticamente no 1º Congresso Iberoamericano de Animação Sociocultural realizado entre 19 e 21 de Outubro de 2006 na cidade de Salamanca.

Presidente: Victor Ventosa; Vice-presidente: Vítor Andrade Melo; Secretário: Marcelino Lopes; Tesoureiro: Gustavo Copola; 1º Vogal: Carlos Costa; 2º Vogal: Fabian Villas; 3º Vogal: Rosa Valência

MEUS VOTOS: que tenham felicidades no exercício das suas funções e de que as mesmas não se esgotem, exclusivamente, na gestão das decisões, pelo contrário, se estendam para a cooperação Iberoamericana da ASC, envolvendo todos e todas que teimam em fazer da ASC uma estratégia de proximidade entre povos e culturas e de mudanças sociais, culturais e políticas dentro de cada um dos nossos países.

Gostaria de referir o grau de excelência do Congresso, tanto nas condições físicas e espaciais em que o mesmo decorreu, como na generalidade da organização, quer ainda em todas as participações. Isto deve-se, naturalmente, à fabulosa equipa de apoio coordenada pelo Marco, mas também e, sobretudo, à enorme capacidade criativa e intelectual do meu amigo Victor Ventosa. Como também se deve ao elevado nível das comunicações e dos relatos de experiências em ASC.

Tenho pena que muitos dos indutores dos novos planos de estudo em ASC, que trabalham actualmente na elaboração dos mesmos, pelas Universidades e Politécnicos deste país, por via do processo de Bolonha, não tivessem a curiosidade de participar num Congresso desta dimensão sobre este objecto que é a Animação Sociocultural. Sendo um conceito polissémico e abrangente, mas bastante contextualizado do ponto de vista epistemológico, a participação, no Congresso, destes professores que organizam os novos planos de estudo permitiria, porventura, maior esclarecimento quanto às finalidades e emergências da ASC, assim como quanto à sua operacionalização e eficácia, através dos campos e das modalidades da própria ASC. Só assim, porventura, não haveria tanto espaço de discussão desgastante. Pensar-se-ia mais na finalidade da formação e nos perfis da competência e da própria função do animador sociocultural e muito menos na importância de que todas as disciplinas ou áreas devem existir no currículo de especialidade e no currículo base, esquecendo-se que também há o currículo das opções.

Finalmente quero referir que, aproveitando uma ideia magnífica do Vítor Melo, é urgente que avancemos também com a Rede Lusófona de ASC.

Apelo: é urgente que a ANASC faça parte do nosso quotidiano das discussões e das estratégias comuns; é urgente que se reorganize e se defina enquanto espaço e fórum real e virtual; é importante que defina o perfil dos seus associados. Torná-la exclusivamente uma associação profissional é criar um espaço de divisão entre a prática e a formação. É indispensável que os estudantes de ASC façam parte destas associações. Ambos são patrimónios indissociáveis.

2.Outubro.2006

___________________________________

Os comentários ou, melhor dizendo, a troca de ideias entre o Carlos Costa, animador militante da APDSC e o José Vieira, profissional da animação e da pedagogia, que conheci bastante jovem e já como animador do extinto FAOJ em Évora, a propósito do “boom” de cursos de animação sociocultural, levam-me a fazer também algumas apreciações, sem que isso signifique interpelar qualquer destes meus dois amigos.

Para quem é desta área sabe que tudo isto é uma matéria que me tem envolvido nos últimos trinta anos quer como prático, quer como teórico e, por isso mesmo, fonte permanente de preocupações.Estes nossos companheiros problematizavam a famigerada proliferação de cursos de animação em Portugal, ao mesmo tempo que questionavam a existência privilegiada, ou não, de um território de formação e de práticas da animação.

Faz sentido, é absolutamente pertinente, que as questões sejam levantadas também desta maneira. Todavia, temos vindo a discuti-las muito mais a jusante, isto é, mais sobre a função da animação ou o modo de operacioná-la e, muito menos ou quase nada a montante, isto é, muito menos sobre a finalidade da animação ou a constatação da sua emergência ou pertinência.

Para mim esta é a questão central! Trata-se no fim de contas de assumirmos que não existe, nem nunca existiu um plano nacional e político de criação de novas profissões ajustadas às novas realidades culturais, sociais, educativas e políticas deste país, e que tem inviabilizado a definição do perfil e dos estatutos profissionais desses novos métiers, nomeadamente naquele que nos diz respeito que é a animação sociocultural.

Esta indefinição total sobre a finalidade e a emergência das novas profissões permitiu este descalabro: o “boom” de cursos, cursecos e cursinhos sobre animação e outras profissões de intervenção social, remetendo-os na totalidade para os mesmos campos da intervenção. Não se criaram fóruns oficiais de discussão que envolvesse os práticos no terreno, já com muitos anos de experiência e os teóricos habituados a reflectir e a produzir conhecimento sobre estes campos de acção. A partir de certo momento o que importou foi legitimar espaços de formação, tanto no ensino superior como no ensino profissional, que respeitavam fundamentalmente os interesses das instituições que os criavam. A partir de determinado momento foram as escolas de formação (todas, cada uma de per si) que determinaram os planos de estudo desta polissémica profissão, assim como determinaram o campo da intervenção. O mais grave, de costas voltadas umas para as outras, fechadas nos seus templos e criando fóruns de discussão que preenchiam essencialmente calendários dos projectos educativos de cada escola. Esta é ainda a actual realidade, mesmo perante o processo de Bolonha. Todavia é uma fórmula que está absolutamente gasta!

A realidade sociocultural do país está a mudar a um ritmo alucinante. Regiões que se desertificam e que se tornam profundamente periféricas; regiões que se tornam zonas de descontextualização e onde proliferam acentuadas clivagens sociais, culturais, educativas, etc.O “boom” ou a “moda” da formação em animação sociocultural está a passar. Viu-se nestas novas candidaturas ao ensino superior, porque também está a esgotar-se a oferta de empregabilidade. Outras formações vão ocupando o lugar da moda ou emergindo como “boom”, como por exemplo o serviço social, sendo certo que também vão esgotar-se e perder-se na indefinição dos campos da intervenção que neste momento são comuns.

Apesar de tudo, olhando mesmo esta perspectiva, há muito espaço e muito campo de intervenção da animação sociocultural neste país. Portanto, do meu ponto de vista, há lugar para a animação. Podemos é tentar discutir se há lugar para o animador como o vemos ainda hoje: romântico, utópico, só, militante, projecto pessoal e ideológico. Esta dimensão perde-se na estratégia de sobrevivência de uma sociedade onde as questões deixaram de ser locais para serem globais. Faz sentido, e serão estas as respostas profissionais à escassez da empregabilidade, pensar-se que já não há emprego para a vida ou projecto individual, mas sim projectos interdisciplinares que envolvam equipas, estratégias de grupos ou instituições vocacionadas para a criação de melhores condições de vida das populações. Faz sentido hoje pensar-se que estas equipas terão uma intervenção mais organizada em função de projectos que propõem às instituições, ao poder político e à sociedade civil, também esta com a necessidade urgente de mudança quanto às suas formas de organização, nomeadamente de novos modelos de associativismo.

A reflexão já vai longa para o tipo de espaço que utilizamos semanalmente aqui no nosso site. Todavia a discussão foi lançada e eu não quis deixar de me envolver nela. Vale a pena continuar, envolvendo-nos todos, para mais facilmente pressionarmos o poder político para, definitivamente, organizar um grupo de trabalho que discute esta problemática e se encaminhe de vez para os estatutos profissionais. Este documento condicionará ou controlará a desenfreada formação.

16.Outubro.2006

___________________________________

Não estou preocupado se o Teatro Nacional D. Maria tem um programa populista. Do meu ponto de vista não tem e depois, do ponto de vista das artes do espectáculo, o que é um programa populista? Não me interessa saber se o director do Teatro Nacional D. Maria coloca em cartaz espectáculos de Ópera, permitindo que os puristas manifestem o seu desagrado, ao justificarem que aquela só deve ser realizada no Teatro de S. Carlos. Que conceito tão redutor! Finalmente se tem um programa e uma política cultural coerentes? Seguramente até pode ter mais do que um programa e mais do que uma política cultural. O importante está num objectivo: na criação de hábitos culturais e na procura de públicos culturais e artísticos. Tenho ouvido, lido, uma chuva de dislates que contribuem para acentuar a ideia peregrina de que o Teatro Nacional D. Maria deve estar ao serviço de uma minoria em Lisboa, dos intelectuais da capital!

Depois, meus senhores, é a política, os jogos político-partidários, que faz falar. A mim o que me interessa é ver quem trabalha, fazendo-o com ousadia e modernidade, respeitando a tradição ao mesmo tempo que se inova. Por mais que os críticos queiram replicar…

Do meu ponto de vista o Teatro Nacional deve estar ao serviço da comunidade nacional e não só da comunidade lisboeta, de alguma, bem entendido. E, por isso, deve ser abrangente quanto às opções estéticas e à diversidade do seu reportório.

Nos finais da década de sessenta era bailarino residente na Companhia de Bailado de Anna Máscolo. Na altura esta companhia fazia o corpo de baile das óperas que eram apresentadas pela Companhia Portuguesa de Ópera no Teatro da Trindade. Um projecto popular, acessível no preço e diversificado nas opções estéticas e artísticas. Apesar de ser um projecto do regime, através da antiga FNAT e de ter à sua frente o Dr. Serra Formigal, nunca fomos coibidos por este director de apresentar as nossas propostas de dança para as Óperas aí em cartaz. Pelo contrário, sempre fomos incentivados a manifestar a nossa criatividade em liberdade.Isto para dizer que contrario a ideia de alguns críticos de arte (teatro e música) de hoje, que afirmam ter este projecto inviabilizava o outro, também popular: as récitas do Coliseu. Existia público, melhor dizendo, públicos, para se apresentar no Trindade e no Coliseu dos Recreios em projectos que não eram incompatíveis, pelo contrário, ambos incentivavam o aparecimento de mais públicos. Assim se criavam os hábitos culturais, porque se dirigiam a toda a gente e não só às elites. Assim se criavam públicos!Parece-me que o que se pretende hoje é justamente o contrário. Para determinados espaços e projectos só alguns iluminados devem ter o privilégio de os frequentar.

09.Outubro.2006

___________________________________

As praxes, como rituais iniciáticos, têm toda uma carga simbólica subjacente: a conquista da autonomia, o aprofundamento no auto-conhecimento, o desenvolvimento dos processos de socialização, a emancipação, etc, etc.

Portanto, creio haver razão para a sua existência. Pô-la em causa é questionar o próprio crescimento individual e colectivo dos jovens. Aqui, mais do que nunca, têm a consciência da dimensão lúdica da vida, mas também da dimensão séria da mesma, isto é, num ritual cujas regras são estabelecidas pelos próprios estudantes, estes, nomeadamente os caloiros, são confrontados com a dimensão sistémica da própria vida: a dualidade na existência humana.

Esta questão levar-nos-ia a uma discussão filosófica profunda, no entanto eu quero referir-me apenas e de uma forma simples, ao confronto entre o bem e o mal.A gestão deste confronto ou, dito de outra maneira, as opções que determinam as atitudes, situam-se numa escala de valores que existem como referência na própria sociedade e na cultura que cada uma das pessoas transporta para a situação. As diferenças entre uma autoridade grotesca e que sublinha o carácter de supremacia sobre o outro, humilhando-o por vezes, destoa de uma autoridade lúdica que acentua uma hierarquia de valores, de afectos, de respeito e de admiração até.

Como em tudo na vida, tem de haver moderação nos actos e nas atitudes e a melhor forma de sublinhar essa moderação nestes rituais iniciáticos é aceitar que alguns veteranos sejam portadores dessa responsabilidade moral e ética, intervindo quando o exagero é protagonista.Tudo isto para convocar a pertinência do projecto “O Mentorado” que ensaiámos com sucesso no Instituto Politécnico de Portalegre. Jovens de todos os cursos, a partir dos segundos anos, e que participam também nas praxes, submeteram-se a uma formação de mentores que lhes veiculam instrumentos argumentativos capazes de fazerem emergir as alternativas de conteúdos nos rituais de praxe. Para além disso são elementos que constroem afectos capazes de constituírem percursos de auto-segurança nos caloiros, dando-lhes a possibilidade de afirmarem também a sua personalidade e o seu livre-arbítrio.

Observo assim, maior prazer na participação das praxes.

01.Outubro.2006