18 julho 2010

HOMENAGEM A CARLOS QUERIDO

"Um retrato é uma saudade profunda na possibilidade eterna do silêncio" Le Boileau

Dezoito anos separam estas fotos. 1972 e 1990 (antes de Junho).

A primeira mostra a Luísa e o Carlos Querido já integrados na sociedade canadiana, onde tinham chegado em finais dos anos sessenta. A segunda mostra a Luísa e o Carlos Querido na passagem de ano de 1989 para 1990, pouco tempo antes de saber que estava gravemente enfermo.

A primeira foto está muito perto do tempo em que nos conhecemos, 1966/67, em Lisboa. Desenhávamos ambos, eu e o Carlos, num atelier de engenharia civil.

A segunda está perto do momento do seu desaparecimento, período que acompanhei intensamente.

Naqueles anos finais de sessenta, antes de partirem para o Canadá, era muitas vezes surpreendido pelo Carlos. Pelos seus interesses, pela sua disponibilidade, pela sua generosidade e pela sua cultura. Ora tinha programado, com a Luísa, o assistirem a um ciclo de cinema de autores no Quarteto ou no Estúdio do Império, ora iam a correr para uma vernissage de um amigo pintor ou escultor. O Carlos era um esteta, um homem culto e um homem de cultura. Muitas vezes ficou voluntariamente com as minhas tarefas profissionais a seu cargo para me permitir frequentar as aulas de dança no estúdio de Anna Máscolo. Foi ele aliás que intercedeu junto do General Flávio dos Santos, engenheiro civil e nosso patrão, que me facultasse tempo para a frequência dessas aulas. De tal ordem que se institucionalizou essa medida, tornando-se o general o meu patrono na formação em artes.

A singularidade do Carlos traduzia-se por um forte sentido de justiça social e universal com uma dimensão nobre de solidariedade.

Partiram ambos para o Canadá mesmo nos finais de década de sessenta e eu, em Janeiro de 1971, partia para a Guiné. Estivemos cerca de dez anos sem nos vermos. Por meados dos anos setenta visitaram-me em Évora onde, conjuntamente com Mário Barradas e outros, acabáramos de fundar a Companhia de Teatro do Centro Cultural de Évora.

Os ciclos dos nossos reencontros estavam decididamente marcados pelos decénios. Voltávamo-nos a reencontrar em Setembro de 1987 em Montréal, para onde fui fazer o mestrado e o doutoramento.

Fui reencontrar o Carlos e a Luísa já com o Pedro e o Danny. A família organizada e uma experiência de vida que lhes permitia serem pessoas de referência na Comunidade Portuguesa.

O Carlos fundou a Televisão Portuguesa do Québèc. Neste espaço e neste tempo, durante muitos anos, o Carlos foi um impulsionador da língua e da cultura portuguesa. Fê-lo através da divulgação da notícia, da arte e da cultura, mas também muito da componente social. Era um insatisfeito do ponto de vista da sua humanidade. Acreditava numa sociedade mais justa e fraterna. Na sua actividade profissional não enriqueceu. Estava mais ao lado de uma ideia de ajudar a sua comunidade, divulgando as iniciativas, as actividades económicas por preços simbólicos.

Amava o seu país, a sua cultura, o seu povo, os amigos e o Canadá. Durante os dois anos que estive em Montréal, intercalados entre si por um ano em Portugal, encontrei o Carlos ainda mais humano, mais generoso e solidário, mas também mais insatisfeito e às vezes também mais triste.

Uma vez mais trabalhámos juntos. Desta vez o seu convite para colaborar na Televisão Portuguesa. Foi uma enorme experiência: de amizade, sempre. De valores, de trabalho, de aprendizagem.

Tenho na minha memória uma enorme dívida de gratidão. Tentei pagá-la, sem o conseguir, durante o tempo que estive à sua cabeceira até morrer. Em Junho de 1990. Fez agora vinte anos.

Penso que a Comunidade Portuguesa em Montréal também tem esta dívida. Por tudo quanto o Carlos Querido lhe deu, sem interesse, generosamente. Não me apercebi que alguma vez a tivesse pago com uma justa homenagem pública. Era altura de a fazer. Ficávamos todos mais tranquilos.

O Carlos Querido era um insatisfeito, mas era também um lutador. Mostrou-me até na hora da sua morte.

A minha memória e o meu afecto não o esquecem. Nunca o irão esquecer. Obrigado Carlos por teres sido um irmão.

Avelino