25 fevereiro 2009

AS PROFISSÕES SOCIOCULTURAIS E A CRISE

Para os católicos, o simbolismo dos festejos carnavalescos leva a que em três dias, apenas em três dias, se exorcize o mal, até ao limite, para se entrar na Quaresma com arrependimento, jejum e oração.

Salvaguardando as distâncias entre o Carnaval que diverte, provoca e que ironiza e a Crise que desequilibra, destrói e atrasa, parece-me que é importante exorcizar também o desânimo, a impotência e a indecisão individual e colectiva resultantes da crise, que não apareceu em tempo de Carnaval.

Todavia, a crise está presente e não sabemos por quanto tempo!

Neste tempo desconhecido, tempo em que a crise veio para ficar, esperemos que não esteja ainda cá no próximo Carnaval, é importante que o flagelo do desemprego não se acentue, é fundamental que o(s) governo(s) tomem as decisões mais correctas, é desejável que as empresas façam uma pausa nos seus lucros e se tornem mais solidárias.

Neste tempo de crise é indispensável uma boa saúde mental das pessoas. O Carnaval, apenas por três dias, permitiu que as pessoas, largos milhares delas, afastassem do seu quotidiano as preocupações. Naturalmente que não esqueceram os seus problemas, as suas necessidades e os seus medos. Apenas reencontraram energias para a batalha que promete ser dura e longa. Porventura mais capacidades de sobrevivência e de decisão.

Não vamos camuflar a crise com sucessivos carnavais, mas vamos suavizar os problemas de ansiedade, de depressão e de qualidade de vida, mesmo sem emprego, para não se cair definitivamente no caos.

A questão principal aqui é que a crise passe o mais depressa possível. Que a economia singre, que os empregos surjam e que a vida das pessoas retorne ao ritmo de um quotidiano, preferencialmente mais crítico e consciencializado, individual e colectivamente.

Portanto é a oportunidade para a reformulação das coisas, de todas as coisas: das decisões políticas, dos comportamentos, das oportunidades, dos valores e práticas societárias, da formação, da inovação, mas também da emoção, da razão e do empreendedorismo.

Da formação é emergente o aparecimento de novos espaços capazes de introduzirem novas competências e novas oportunidades.

Da inovação é óbvio que não a podemos descurar, sob o risco de ficarmos parados no tempo. Inovemos a nossa economia, o nosso conhecimento, a nossa ciência, a nossa arte. Tudo pode e deve ser inovado sem deixarmos para trás, esquecida, a nossa tradição, a nossa História e a nossa identidade.

Dos comportamentos também é forçoso que tenhamos consciência da importância da mudança: nas relações intra-pessoais e inter-pessoais, nas relações de proximidade e comunitária, nas relações familiares, etc.

Seria um leque enorme as razões da nossa consciencialização para a mudança e para criarmos instrumentos onde cada um, individual e colectivamente, pudéssemos responder à crise com mais determinação, coragem e eficácia.

Talvez por isso coloco a questão em termos de uma saúde mental perfeita.

Neste espaço de crises, de ausência de oportunidades, de perda de afectos e de materiais, é importante que se reencontrem espaços para se reconstruírem essas novas oportunidades: espaços de saber tecnológico e de conhecimento; espaços lúdicos e de socialização; espaços de renovação de emoções e de valores, enfim, espaços para (re)aprender a ser pessoa com determinação, coragem, competência e empreendedorismo.

Temos neste momento os técnicos que poderão dar respostas a muitos destes espaços de inovação social: os animadores socioculturais, os artistas, os educadores sociais, os técnicos de serviço social e toda uma panóplia de profissões e funções na área do trabalho social a ser aproveitado, qual corpo de bombeiro para a crise.

17 fevereiro 2009

A MILITÂNCIA E A SOLIDARIEDADE NA ANIMAÇÃO SOCIOCULTURAL

Quando penso, do ponto de vista da Animação Sociocultural, na intervenção comunitária e no desenvolvimento local estou, naturalmente, a legitimar a polissemia do conceito e a dar-lhe espaço para a procura, e para o inevitável encontro, de uma diversidade sociocultural. É fácil constatar, em pleno início do século XXI, que essa diversidade resulta de uma forte implementação de identidades culturais e de uma profunda inter-acção axiológica. A coexistência de ambas com a pós-modernidade cultural e global dá lugar, estou convicto, a uma mundividência que congrega os homens e as mulheres como seres humanos em construção permanente.

Essa construção é o corolário de uma emergência capaz de situar no global cada um dos pedacinhos do local, ou dos locais, com os quais nos identificamos, e pelos quais estamos mais ou menos dispostos, ou disponíveis, a criar mudanças dirigidas a um bem colectivo mais universal. É esta a verdade que se quer construir quando se exercita a Animação Sociocultural, mas também é esta a dificuldade quando se pretende afirmar as diferenças e a pluralidade a partir de uma praxis sociocultural tocada ainda por preconceitos e crenças avessas à inovação e à abertura de horizontes.

A matriz em que assenta a Animação Sociocultural distribui-se pelas dimensões social, cultural, artística e educativa, o que permite identificar as modalidades de intervenção. A pertinência de cada uma delas, ou a articulação entre todas, define o conteúdo epistemológico da Animação Sociocultural que conduz ao aprofundamento de uma praxis sociocultural cada vez mais emergente, inovadora e universal.

Estes pressupostos constroem, penso eu, novas estratégias de afirmação individual e colectiva, numa dialéctica capaz de inovar ou transformar definitivamente as relações humanas e de colocar estas num patamar de consciencialização permanente dos valores societários. Essas novas estratégias configuram modelos alternativos, aos já instituídos e gastos, capazes de implementar novas dinâmicas socioculturais que convocam a importância do ser sobre o ter, assim como permitem desenvolver um conceito mais aprofundado de justiça distributiva.

Quer se parta de uma ou da simultaneidade de várias modalidades de intervenção, as prioridades axiológicas da Animação Sociocultural centram-se ao nível da partilha e da solidariedade, fundamentalmente. Dois conceitos que se reaprendem tendo como referência a ancestralidade da Pessoa. Dois conceitos que se desenvolvem tendo como meta a construção de boas práticas comunitárias.

Foi com este enquadramento teórico que surgiu no meu caminho o Projecto da Solidariedade Cidadã. A minha questão de partida, enquanto professor/animador, era a de saber como poderia valorizar esta dimensão específica de cidadania num quadro de formação superior de animadores(as) socioculturais generalistas e numa Unidade Curricular de Projecto. Lembrando sempre que as competências dos(as) animadores(as) devem responder à matriz da Animação Sociocultural na sua globalidade, o que configura a sua formação generalista, não ignorei a questão de princípio dos estatutos do(a) animador(a), a função e o perfil (profissional, voluntário ou benévolo).

Afinal como pode um(a) animador(a) falar do exercício da solidariedade quando se prepara mentalmente para o exercício de uma actividade profissional? Do meu ponto de vista são campos que se cruzam inevitavelmente. A escolha desta formação, e profissão, se nos reenviarmos à própria história da Animação Sociocultural, introduz um valor fundamental: o espírito militante do(a) animador(a) que trabalha para a mudança sociocultural das populações. Logo na essência da sua prática é visível uma carga, não direi ideológica, mas fortemente filosófica, o que pressupõe a existência da ética e da moral.

Se o ponto de partida para o exercício da profissão, diga-se, assalariada, é o da assunção de uma filosofia de mudança sociocultural, o que pressupõe a existência da tal militância no espírito do(a) animador(a), o ponto de chegada é ver resultados nessa mudança sociocultural através do seu trabalho: a importância do bem comum e universal, a consciencialização colectiva do valor do indivíduo, o crescimento cultural, técnico e artístico, a visão universal do mundo e dos homens, a solidariedade como um bem comum, a capacidade de aceitar a diversidade cultural e religiosa.

A assunção do estatuto profissional dá ao/à animador(a) responsabilidades acrescidas: ser militante e solidário(a) e dominar instrumentos que traduzam as competências técnicas e humanas. O(a) animador(a) profissional exercita a solidariedade em dois planos: o pessoal, que permite, que dele(a) emane esse valor reconhecido pelos outros e o profissional que incentiva e facilita a prática da solidariedade entre os outros.

Se nos centrarmos também no(a) animador(a) voluntário(a) ou benévolo(a), continuamos a falar de pessoas normais e solidárias que, rentabilizando as suas competências técnicas e profissionais, estão dispostas a dar um pouco da sua vida e tempo em prole dos outros. Tal como na assunção profissional o objectivo é construir a mudança sociocultural através das técnicas e não só, na assunção voluntária ou benévola este objectivo concretiza-se também por uma entrega mais profunda nos afectos e, naturalmente, pelo exercício de competências.

Esta perspectiva esteve presente num grupo de alunas, futuras animadoras socioculturais. Ainda não eram animadoras profissionais e tão pouco animadoras voluntárias, uma vez que a sua formação estava em curso. O modo como foram convocadas para o Projecto da Solidariedade Cidadã marca claramente o seu espírito solidário mas também militante. Desintegrando-se do Projecto Final da Unidade Curricular, dispuseram-se a frequentar o curso sobre as economias solidárias e a procurarem temas, instituições e pessoas onde pudessem construir em conjunto a prática da solidariedade e da partilha.

Afinal o encontro com a solidariedade é diversificado. A prática da partilha de bens e de serviços em termos solidários é bastante abrangente, podendo situar-se em campos de carências mais urgentes mas também mais singulares. O tema principal que era proposto centrava-se nas economias solidárias e nos mercados solidários. Foi a partir destes modelos de socialização e de solidariedade que o espírito da militância falou mais alto àquelas quinze futuras animadoras socioculturais. O quadro da solidariedade que vislumbraram nas comunidades traduzia-se na necessidade de existir um relacionamento mais profundo com outras culturas existentes no mesmo espaço e tempo comunitários. Era um imperativo o encontro de culturas e a criação de um espaço de partilha e de experiências comuns, onde se fizesse sentir a diversidade cultural e onde cada um encontrasse a pluralidade da sua afirmação e da sua identidade.

A paisagem sociocultural encontrada a partir de um mercado solidário resultou, afinal, da matriz da Animação Sociocultural, isto é, das dimensões social, cultural, artística e educativa. Mas resultou, para além de tudo, da compreensão, dos afectos e do espírito de militância dos(as) animadores(as) socioculturais.

Profissionais ou voluntários, para além de serem militantes das mudanças socioculturais são, sobretudo, pessoas com sentimentos, com valores, enfim, com humanidade que os tornam de alguma forma singulares.

10 fevereiro 2009

GESTÃO DA CULTURA SOBRE A CRISE

Quero falar de uma gestão muito especial: a da Cultura. Porventura terapêutica na crise em que vivemos. Seguramente, suporte de resistência a momentos negativos convocados pelos erros que nós, enquanto povo e nação, não fomos capazes de identificar desde há muito tempo.

É verdade que os investimentos, consistentes e de longa duração, deverão ser inadiáveis e urgentes, se quisermos fazer estacionar/melhorar a economia.

Não há dúvida que as dinâmicas sociais, enérgicas e empreendedoras, deverão inflectir para projectos colectivos que conduzam à cidadania, ao progresso e ao futuro, sob pena de, na ausência dessa energia, poder generalizar-se uma depressão colectiva que nos levará cada vez mais fundo.

Parece óbvio, também, que as Organizações e o Movimento Associativo deverão trabalhar cada vez mais próximo do cidadão, das famílias e dos grupos mais fragilizados, de forma que uns e outros não percam as suas referências societárias.

Decididamente, o Poder instituído e as Oposições deverão estar cada vez mais sintonizados em realizações e decisões que constituam bases de segurança, a todos os níveis, dos cidadãos, das famílias e do país.

Portanto, a hora da responsabilidade é de todos. Mas como em tudo onde existem diferenças, há uns que têm mais responsabilidades do que outros.

O contexto em que vivemos, local e globalmente, não deixa margem de manobra para continuarmos a incorrer riscos, quais percursos da nossa ignorância ou desleixo. Chegou o momento em que todos temos de mostrar a nossa dignidade e grandeza de seres humanos, pensando em nós e nas nossas famílias, naturalmente, mas também nos outros que percorrem a estrada do infortúnio que poderá conduzi-los à tragédia que espreita a cada esquina.

Neste momento todas as gerações deverão estar envolvidas naquilo que entendo ser o espaço e o tempo de Gestão da Cultura.

Reforço a ideia de uma prática de gestão da Cultura, e não de gestão cultural, associada a qualquer uma das praxis socioculturais existentes em espaço comunitário por entender que:

1. A Cultura tem sido, pela sua sua essência, pouco rentabilizada na ordem natural de uma institucionalização em contextos locais, regionais e nacionais.
2. Consequência disso, não fomos ainda capazes de estabelecer dialécticas e intercâmbios entre esta e outras praxis socioculturais, de forma a constituí-la elemento fundamental de aprendizagem e de desenvolvimento humano.
3. Finalmente a inexistência de uma coerente e forte articulação com outras práticas socioculturais, tem levado à inexistência de uma educação cultural e humana, individual e colectiva, capaz de enunciar espíritos dedicados, atitudes voluntariosas e capacidades de empreendedorismo.

Como defino então para mim a gestão da Cultura sobre a crise.

Antes de mais porque a Cultura é o elemento-base e estruturante de uma sociedade. A Cultura Inconsciente, a que herdámos e a que nos identifica, e a Cultura Consciente, a que cultivamos e inovamos, a que projectamos e criamos futuro.

É exactamente com a Cultura que traçamos a nossa Universalidade, por isso mesmo somos todos cidadãos do mundo, o que nos reenvia para os primórdios da civilização. Não vale a pena discutir aqui o que poderíamos ter ganho se tivéssemos vivido a Cultura em oportunidades, em contínnuo. É importante vivê-la agora em crise não só económica mas também de valores. É importante dar oportunidade à Cultura Consciente, à que aprendemos todos os dias nos nossos processos de socialização e de mundialização. É forçoso que se pratique a Cultura Consciente com aquilo que observamos e imaginamos, mas também com tudo aquilo que herdámos e que nos identifica, e que às vezes recordamos, a nossa Cultura Inconsciente.

Nesta dialéctica entre os processos culturais de origem e os de projecção, terá se afirmar o momento da mudança, o tempo da coragem e o espaço de decisão. Para que isso aconteça terá de haver metodologias próprias, articuladas com interesses e necessidades, mas também com responsabilidades e verdade. A Cultura enquanto elemento de enriquecimento humano determina que os valores e a educação sejam o referencial para uma cidadania plena.

Assim, estruturar em crise outros processos educativos e novas dimensões axiológicas exige uma atenção desdobrada de diversos actores. Antes de mais os actores políticos, locais e nacionais, depois as organizações não-governamentais, as empresas e os sindicatos, o movimento associativo e muitas pessoas com sentido de voluntariado. É imperativo que a solidariedade seja um elemento transversal à sociedade e que cada um de nós constitua um alicerce de ajuda para o(s) outro(s).

É importante que a dimensão criativa e lúdica esteja presente nesta gestão da Cultura. A oportunidade de participação e envolvimento em espaços de criação e fruição cultural e artística, individual e colectiva, são portos de abrigo onde se recuperam a essência e a coragem para novas etapas do quotidiano.

Mas a cultura é também o acto de aprender e de ensinar. Deste modo, a formação ao longo da vida e a criação de novas e insistentes oportunidades de acesso à informação e ao conhecimento são estratégias e metodologias capazes de suster a desilusão e o desânimo, a tristeza e a depressão, individual e colectiva.

A Cultura em tempo de crise ou a Cultura como terapia face à crise exige também que se alicercem novos valores e que estes determinem o sentido de uma Universalidade plena: a relação solidária com o mundo interior de cada um mas, sobretudo, com o mundo exterior de todos.

A estratégia da gestão da Cultura, de que vos falava no princípio, está associada à capacidade que todos temos em articular os nossos saberes, as nossas organizações, as nossas práticas em espaços comunitários de per si. Só numa escala local os efeitos surtirão, porque nos compromete através das nossas relações de proximidade e do conhecimento com os outros, das nossas relações de boa vizinhança e do nosso desejo colectivo de um mundo melhor, reintegrando-nos numa escala de valores, porventura reencontrada.

A gestão da Cultura sendo eficaz no local deverá, definitivamente, ser uma política nacional e uma emergência para a crise.

Não só de pão vive o homem, diz o povo, “mas sem pão é difícil” completa Frei Bento Domingues. É verdade. Com a gestão da Cultura, impregnada de vontade e de coragem, tenho esperança que o pão estará lá, nas mesas de cada um.

07 fevereiro 2009

CHARLES DARWIN - 200 anos do seu nascimento / 150 anos da publicação da sua obra fundamental - "A Origem das Espécies"
























Fonte: Fundação Calouste Gulbenkian
NEWSLETTER Nº 100 - FEV. 2009
"Hoje, continuam em debate as ideias Criacionistas e Evolucionistas.
O Criacionismo tem o Desenho Inteligente como base teórica, enquanto o Evolucionismo mantém a defesa da Evolução das Espécies.”

03 fevereiro 2009

OS PÚBLICOS DA E NA CULTURA

Vamos, finalmente, tendo público(s) na Cultura.
O ano de 2007 em Portugal era já tempo de crise. Mesmo assim, por ano, cada cidadão visitava um museu ou assistia a um espectáculo. São dados de um Relatório do INE (Instituto Nacional de Estatística), publicados também pelo Jornal Público de 30 de Janeiro de 2009, de onde retirei esta informação para fazer a minha breve análise sobre a Cultura que se faz e se vivencia em Portugal.
Vai havendo consciência política de que a Cultura é também uma actividade económica e, por consequência, um elemento importante no desenvolvimento local e regional. A questão aqui é percebermos em que medida estes dados configuram políticas culturais que contribuam para o desenvolvimento cultural das populações.
O Relatório do INE diz respeito, fundamentalmente, à frequência de espectadores nos eventos culturais, portanto à dimensão exclusiva da fruição cultural. Percebe-se que, para além da Tourada, que rende mais que a Música Erudita por exemplo, e dos concertos de Música Ligeira, o Cinema continua a ser a actividade cultural mais enraizada nos hábitos dos cidadãos em Portugal: 16,3 milhões de espectadores que geram 69,1 milhões de euros.
A questão que deve ser realçada neste Relatório diz respeito ao desequilíbrio regional do panorama cultural em Portugal. Em Lisboa, em 2007, houve 11460 sessões de espectáculos ao vivo, número sensivelmente igual à das registadas no conjunto das regiões Norte e Centro. Do Sul, o Jornal Público nem faz referência, o que pode significar que em sede do Relatório do INE serão dados pouco relevantes, já que, só na região de Lisboa, a Cultura gerou 45 milhões de euros, num total de 66,4 milhões, isto é, quase 70% das receitas nacionais.
Uma particularidade neste Relatório que, por razões óbvias, me agrada. A afirmação de que o Teatro é a área artística que maior oferta tem em número de sessões: 12012 sessões, 40% do total. O Teatro atrai anualmente às salas perto de 1,8 milhões de pessoas.
Este boom na oferta da actividade cultural não significa, do meu ponto de vista, que esteja a ser implementada uma política de criação de públicos e muito menos uma estratégia de criação de hábitos e práticas culturais nas populações.
A ausência de políticas culturais tanto a nível do Poder Central, como a nível do Poder Local, é corolário de uma ausência de educação artística e cultural das populações, traduzidas pela inexistência de práticas culturais e artísticas em contexto local e comunitário. Está cada vez mais pobre o movimento associativo; são cada vez menos os grupos culturais e artísticos locais e regionais; aumenta consideravelmente o défice dos equipamentos culturais e artísticos das comunidades locais, espaços convocatórios, por excelência, de práticas de socialização e de criação artística e cultural.
O que está implementado é uma estratégia apenas de consumo cultural, traduzida por uma oferta desenfreada do panorama das indústrias culturais. Cada vez mais a Cultura é oferecida como um menu à la carte que serve apenas alguns grupos económicos dessas mesmas indústrias.
O Relatório do Observatório das Actividades Culturais, e outros estudos, fazem eco do investimento financeiro em prol da Cultura realizado pelo Poder Local. Em média, por habitante, bastante superior ao investimento feito na Cultura pelo Poder Central. É pena que esse investimento não seja rentabilizado em prol da educação artística e cultural das populações.
Contam-se pelos dedos o número de Autarquias que rentabilizam esse financiamento numa política cultural coerente, estratégica para o desenvolvimento dos locais e das populações.
É pena que a maioria das Autarquias se tenha transformado em organizações promotoras de espectáculos e, às vezes, vá lá...até de Cultura.
Fonte: INE (2207); Jornal Público de 30 de Janeiro de 2009