27 abril 2006

Textos Abril 2006

Estou bastante emocionado. São as pessoas que me são queridas e que me estão próximas, afinal aquelas que entendem o que é a animação sociocultural. Talvez porque, como tu próprio o afirmas, viveste a animação sociocultural, eu direi, viveste a animação «tout court». Será por isso que o teu entendimento da animação, como o do Ivan, que não sendo animadores, e de certeza de muitos animadores, estende-se para uma dimensão epistemológica da animação, que pressupõe uma praxis e uma poética da intervenção. Todavia não perco a esperança que os jovens animadores e outros menos jovens entrem no debate. Direi mais, na emergência do debate...


«Aproveitando a oportunidade de discussão aberta, gostaria também de participar nesta reflexão sobre o conceito de animador sociocultural.

A necessidade de definições é intrínseca ao ser humano. É justa e compreensível a vontade de referência - do próprio, mas também dos que o rodeiam.
Encontramos por vezes, como é o caso, situações onde o campo de acção do objecto referencial está em permanente definição e evolução, fazendo com que a sua terminologia suscite dúvidas. Como podemos então dialogar nesta lógica de ambiguidade, dum conceito referente a um objecto que encerra nele mesmo uma dicotomia? Será apenas uma questão de semântica? Em parte, certamente. E de política e burocracia? De todo, possivelmente.
A meu ver, o conceito do animador sociocultural assenta exactamente na interacção das suas [sub]vertentes em causa - a animação e a mediação - que no fundo poderão ser apenas uma. Podemos dizer que uma é corolário da outra. Na animação há mediação, pode no entanto não haver animação na mediação. Mediar, como o próprio termo indica, é fazer a ponte entre dois objectos distintos. O mediador, por exemplo, assegura uma relação entre a história, a cultura, a arquitectura cénica, o espaço físico e o onírico. O animador, utilizando também a metodologia da mediação e todos os seus pressupostos, aprofunda a relação entre as duas partes dialogantes através da interacção, do convite participativo e da invocação do espectador ao protagonismo.
Contudo, para mim, será sempre mais fácil encontrar o conceito da animação sociocultural dentro das memórias afectivas do que dentro das definições metódicas e científicas. Posso dizer, claramente, que sou filho dum animador sociocultural. Presenciei, desde a minha infància, o percurso de alguém que me ensinou a história, a cultura, o espaço onírico e aprendizagem através da observação do que me rodeia, utilizando uma prática participativa e de interacção.No fundo, é isso que é um animador sociocultural, alguém que para além de mostrar e relacionar, incentiva a descoberta e a participação, consequentemente proporcionando a aprendizagem e a evolução.
Obrigado animador.
Obrigado Pai.»

[Pedro DB]





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Dou, durante esta semana, este espaço para reflexão sobre o tema que foquei no escrito anterior. A primeira intervenção coube ao Ivan Miguel. Poderá faze-lo também, se quiser, enviando-me o máximo de duas páginas através do meu e-mail (disponível na barra lateral).


«Gostei muito do que escreveste da última vez no teu blog. O que eu mais admiro em todos aqueles que se dedicam à reflexão, é a capacidade de se aperceberem da falibilidade diacronicamente histórica do conceito (é este assim tão necessário à estruturação do conhecimento, ou é eminentemente político e socialmente interesseiro, na sua materialização?). Admiro os que se insurgem contra a conceptualização rígida, sobretudo nesta era desintegracionista, global, esboroada... É também verdade que o ser humano aprende a falar rotulando, nomeando, dividindo em categorias tudo aquilo que é perceptível. Será talvez questão de ultrapassar o instinto.
"Por vezes temos de ajudar os outros animando-os, dando-lhes alma, expectativas, sentido à vida. Não há paternalismos, apenas solidariedade, mesmo como profissionais. É preciso saber, gostar e sentir."
É bonito, isto. Sobretudo humano. E só podia vir de ti. Mas em que medida não será isto necessário a toda e qualquer profissão? O que te distingue a ti dos outros? O que distingue o terapeuta ocupacional, do animador, do professor, da minha mãe e do psicólogo? Um conceito parvo, profissional, académico, social, e sobretudo ridiculamente categorizador... e não deveria ser assim. Será o animador um bocadinho disto tudo? De certeza. Chega para o distinguir? Talvez.
De mim (de minha humilde opinião!), o valor da animação é a aposta na pessoa. No sentido democrático, que todas as revoluções da história (como Abril) começaram e nenhuma levou a cabo. É a aposta que faz a diferença. Não se trata, não se educa, aposta-se. É no sentido anímico, do latim, do espírito! Animador já é um conceito político e social que traduz uma profissão. O que vale para mim na animação é perceber que as qualidades e defeitos que o nascimento nos outorga, não se dão por merecimento ou falhanço. É verdade que a vida é em si um indefinitivo.Mas quantos de nós não são lesados logo à partida? Porque é que há burros? E coxos? E feios? E porcos e maus?
Para mim, a animação é a vontade de acreditar na pessoa. Dar-lhe um espaço livre para desenvolver a sua aptidão. Em qualquer altura da vida. Sem educar, sem tratar. Há mais quem faça isso. É um espaço livre para interagir, sem preocupações, somente aquela de crescer. E respeitar. E respeitar sobretudo a pessoa e o seu valor. A minha pessoa, a tua, a nossa. Animar é ensaiar essa interacção. Reproduzir um comportamento social natural. Como dizem os ingleses, é "to stage". E assim transmitir valores, espontâneos, gerados sem serem ensinados. E porque não há-de haver paternalismos? O que se ensina apenas é o respeito por nós e o nosso direito ao desenvolvimento pessoal e autónomo.

Animar, neste sentido, é ensinar a ser democrático, no sentido do pressuposto primeiro e depois deturpado da Revolução Francesa, quando concedeu ao indivíduo o inalienável direito à felicidade.»

(Ivan Miguel)




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Até aqui tem sido impossível definir o perfil do animador sociocultural, assim como tem sido difícil clarificar os campos da intervenção e animação sociocultural. Estes dois impedimentos, que consubstanciam uma ideia de profissão, têm por isso mesmo inviabilizado a criação dos estatutos profissionais. Isto deve-se justamente à polissemia do conceito animação, que permite a proliferação de nomenclaturas de cursos que formam, afinal, profissionais para os mesmos campos e modalidades. A ausência de clarificação de tudo isto deve-se também à ausência de uma vontade política, de todos os governos, em definir justamente as políticas educativas que devem por consequência definir perfis profissionais. Mas também se deve às instituições de ensino superior, incapazes que são em definir currículos académicos e profissionais comuns, por pressão das diversas áreas disciplinares residentes, as chamadas capelinhas, que estão muito mais interessadas em fazer parte dos currículos, de qualquer currículo, do que apostar no equilíbrio dos planos de estudo ligados a formações específicas.
Esta questão também se estende às formações saídas das escolas profissionais que, não sendo de nível superior, concorrem com o mesmo estatuto profissional a lugares para os quais não têm formação nem competência para os ocupar. Por arrastamento, esta situação leva a que a empregabilidade seja um saco fundo onde todos cabem e ninguém sai a ganhar, a não ser, eventualmente, os próprios empregadores.
É natural que a partir de tudo isto, e olhando para os inúmeros blogs de animadores e/ou animação já existentes, se sinta também a confusão instalada. Confunde-se a função educativa da escola (do professor do 1º ciclo ou do educador de infância) com a função educativa da animação (do animador, dos vários tipos de animador); fala-se duma dimensão titular de profissionais superiores de animação para se distinguir das formações não superiores; enfim, continuamos a atiçar o fogo da indefinição e que se traduz nos apelos, legítimos, de muitos jovens animadores na procura de emprego que não sabem muito bem de qual, porque também não há uma identidade profissional que traduza o seu corolário: o perfil profissional.
Esquece-se da história da animação sociocultural e dos seus objectivos históricos e transforma-se o espaço da animação numa panaceia segmentada capaz de resolver problemas conjunturais, ignorando-se o seu papel na organização estrutural das sociedades. Pertencer ou não às Ciências da Educação ou às Ciências Sociais ou, como agora preferem algumas instituições de ensino superior, para simplificar Bolonha, a uma zona de Serviços, é igual. Partir da Pedagogia Social, a tradição castelhana, ou das Tecnologias Sociais, a recente tradição francesa, também é indiferente. O que é importante é assumir-se a animação como espaço epistemológico capaz de produzir acção, partilha, conhecimento, valores e saber. O que é importante é dar à animação o espaço da conquista do (s) outro (s), da experimentação, da apropriação da cultura, mas também o espaço da investigação: umas vezes como metodologia, outras como estratégia. Umas vezes como objecto outras como sujeito de desenvolvimento.Neste momento há quem discuta novos conceitos. Fala-se de animação profissional, portanto de animadores profissionais; de mediação artística e/ou cultural, portanto de mediadores. Eu continuo a pensar que a dimensão sociocultural da animação e a prática generalista e/ou especialista do animador sociocultural faz sentido, porque a ideia de animação, para além de ser uma ideia de mediação entre algo ou alguém, é também, uma prática de intervenção e de animação no seu sentido mais lato. Por vezes temos de ajudar os outros animando-os, dando-lhes alma, expectativas, sentido à vida. Não há paternalismos, apenas solidariedade, mesmo como profissionais. É preciso saber, gostar e sentir.





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O povo diz-nos que o Natal é quando o Homem quiser. Por analogia, todos os dias, são dias como e quando o Homem quiser. Para mim, hoje, é o dia das mulheres da minha vida e, por acrescento, de todas as mulheres da vida de todos os homens. Sem elas o mundo não crescia nem avançava; elas são o fruto das primaveras recorrentes que constituem, a cada momento, o percurso do resto das nossas vidas.

As mulheres da minha vida são-no, porque em extensão, são mulheres que constituem a minha própria vida, isto é, encontro nelas o caminho da minha própria existência. É assim quando falo da minha mãe Joaquina. Sinto que a estrada onde caminhamos juntos são caminhos paralelos que, em momentos especiais, se cruzam na procura dos afectos, daquela força imanente que me faz sentir a pessoa que vou construindo. É assim quando falo da minha avó Deolinda. Comeu o pão que o diabo amassou para tornar homens e mulheres os nove filhos que não recusou parir. Pequena de tamanho mas enorme de alma e generosidade. O Cais da Rocha do Conde Óbidos foi longo quando acompanhava o Uíge, onde seguia o neto mais velho que foi impotente para renunciar a uma guerra que não era a dele. É assim quando me lembro da minha irmã Ana, num percurso comum da descoberta, onde a criança comum persiste num relacionamento permanente, mesmo quando a sério reflectimos sobre o mundo. É assim quando falo da minha esposa Ilda. Olho para ela e vejo, na serenidade do seu olhar, a extensão profunda do seu sentir de mulher: esposa, mãe e filha. Esta trilogia transforma-a num ser com uma força capaz de construir permanentemente novas emoções, novos sentimentos e novos momentos, de percursos comuns, construídos numa dimensão de amor, força, generosidade e coragem. E é assim quando falo da minha sogra Clementina, mulher coragem, mãe do lar, atenta a que nada falte a cada um de nós.

As mulheres da minha vida são-no, porque afinal a minha vida também é da vida delas. Por isso, não são muitas, neste caminhar persistente, onde em conjunto teimamos traçar destinos comuns.Mas há também as mulheres na minha vida. Aquelas cuja importância está registada positivamente, por vezes materializada. A Mãe Camélia, ama de infância, que me transporta, com saudade, através do seu fado, cantado e vivido, a uma meninice plena de atenções. A Arlete, mãe do meu filho. A Luísa Querido que acompanhou até ao fim, com coragem, o Carlos. A Maria das Neves, generosa e acolhedora amiga, em terras do Canadá. A Gisèle Barret professora e amiga inesquecível. A Anna Mascolo que direccionou com afecto e inteligência um caminho. A Eugénia Vasques protagonista importante num dos momentos preciosos do meu crescer intelectual. Ainda a Isabel Vila Maior, companheira de percurso profissional e de cumplicidades.

Como paradoxo não posso também ignorar, naturalmente, as mulheres que existiram para esquecer. A essas também lhes devo, apesar de tudo, o meu crescimento como homem.