28 junho 2009

o discurso dominante

Hoje o discurso dominante situa-se na questão do endividamento dos portugueses e nos défices de competências.
Hoje o politicamente correcto é colocar o ónus desta conjuntura a quem governa. Agora é o PS, mas poderia ser o PSD ou outra força política.
A cultura instalada é a de que a culpa de tudo o que nos acontece é dos outros, de quem nos governa. Paradoxalmente, rejeitamos ser protagonistas também de erros, de deveres, de compromissos, de aprendizagens e até de autonomia. Outros que façam, que mandem, que executem.
Isto não põe de parte as responsabilidades políticas de quem é governo, mas também de quem é oposição. As populações crescem, evoluem e modernizam-se com a participação do Estado, é verdade, mas também com o mesmo grau de envolvimento da Sociedade Civil.
A Sociedade Civil é constituída por todos nós, individual e colectivamente. Nesta óptica, então todos temos deveres para além de direitos. É a consciencialização e a aprendizagem da cidadania.
Poderemos enquadrar esta reflexão em todos os campos da vida em sociedade. Se nos endividamos é também porque permitimos que isso aconteça. Não basta dizer que vivemos numa sociedade de consumo que nos convida ao consumo desenfreado. Então e a capacidade de decisão, de reflexão? Claro que existe matérias e actividades que dependem de decisões essencialmente políticas, mas outras há que bastam a criatividade e o empenho das populações.
Não me agradou ouvir o PM reconhecer o seu erro no apoio à Cultura, nem tão pouco constatar a ineficácia do que foi o Ministro e o Ministério da Cultura durante este mandato.
Não me satisfaz de maneira nenhuma que a maioria das autarquias neste país gaste o dinheiro em políticas culturais erráticas e sem enquadramento sociocultural local e comunitário, onde o popular e a tradição deve estar de mãos dadas com o universal e a inovação.
Mas, acreditem, também não estou, neste momento, a ser sensível ao argumento de que as populações merecem tudo de mão beijada e que o investimento pessoal nas dinâmicas locais só faz sentido se a montante estiverem criadas as condições para o desenvolvimento local e comunitário. Onde está participação social? Onde estão as dinâmicas de organização sociocultural, nomeadamente através do movimento associativo? Onde está a capacidade, individual e colectiva, que nos transporte à iniciativa? É importante ir a jusante buscar ideias, procurar vontades e capacidades de reorganização do tecido associativo, enxergar que é possível nós também sermos protagonistas da mudança e do desenvolvimento. Já demonstrámos ser capazes de o fazer noutros momentos da nossa vida colectiva. Porquê baixar os braços e comodamente dizermos que os outros, os que nos governam, não fizeram o que deviam ter feito? Já nos interrogámos nós, se fizemos também o que poderíamos ter feito?
Naturalmente que necessitamos de pessoas que nos acompanhem nestes percursos de desenvolvimento. Temos instituições e técnicos capazes de estarem ao nosso lado na construção de projectos de desenvolvimento e de crescimento colectivo e individual. É preciso recorrer a quem saiba um pouco mais do que nós e, numa dialéctica de humildade, transformarmos a inércia numa força capaz de nos fazer afirmar enquanto povo. A nós, e também aos outros países, de que somos um país com rumo, e sempre com História, capaz de ajudar a transformar o Mundo.

23 junho 2009

Ouvir, ver… e falar!

Depois de ouvir o primeiro-ministro dizer que errou no apoio à Cultura.

De perceber que não houve política ou políticas culturais do Ministério da Cultura e deste ministro. Que saudades de Lucas Pires. Volta Manuel Mª Carrilho.

Depois de concordar que o PS teve uma estrondosa derrota. De me espantar com a certeza assumida pelo PSD de que irá ganhar as legislativas.

Depois de entender a estratégia de Luís Filipe Vieira ao demitir-se da Direcção do Benfica e a sua recandidatura às próximas eleições por si marcadas.

De sentir que o fim de ano lectivo, que coincidirá com o início de férias em Agosto, tem sido duro de roer.

De perceber que os amigos se cansam, ou nos cansam, e se afastam, ficando dúvidas se valerá a pena investir em novas amizades.

Ainda tive élan para fazer, hoje, o meu exame de código da carta de condução que quero tirar quase a fazer os meus sessenta anos.

14 junho 2009

DEIXEM TRABALHAR OS ANIMADORES SOCIOCULTURAIS

Neste momento centenas de jovens estudantes de Animação Sociocultural (ASC), do ensino superior, fazem o seu último estágio académico antes de darem entrada na profissão.
Com medos, por não saberem o que vão encontrar. Com dúvidas, por não terem ainda a dimensão das suas competências. Com expectativas, por alimentarem a esperança de que esse poderá ser o seu primeiro emprego como Animador Sociocultural.
Às Instituições nós, os formadores, ficamos imensamente reconhecidos pelas oportunidades dadas a estes futuros profissionais e só esperamos que cumpram aquilo que os jovens futuros animadores socioculturais mais ambicionam: que os deixem trabalhar. Mas trabalhar em Animação Sociocultural. Felizmente que existem organizações que concretizam esse compromisso, criando condições para que essa experiência de estágio fique no patamar da satisfação para ambas as partes.
Todavia sabemos de muitas promessas feitas aos estagiários pela maioria das instituições: alimentam-lhes a esperança de que, após o estágio, poderão ficar como profissionais de ASC; sugerem-lhes a apresentação de um Projecto de Intervenção Sociocultural tendo em vista uma eventual admissão; enfim, apresentam um conjunto de promessas que iludem o mais inexperiente, mas ambicioso futuro profissional em ASC.
Sabemos que a maioria destas promessas cai em saco roto, deixando nos jovens a ideia de que foram utilizados como mão-de-obra barata. Aliás baratíssima, já que estes, ainda estudantes, não usufruem de qualquer vencimento ou subsídio atribuídos quer pelas escolas de Formação, quer pelas Instituições onde decorrem os estágios.
É preciso que a maioria das Instituições, que recebem estagiários de ASC, assuma a responsabilidade de que a ASC é para ser produzida pelos Animadores Socioculturais. Naturalmente, entrando nos seus projectos ou permitindo-lhes, eventualmente, a criação do seu próprio projecto profissional.
O que não faz sentido é receber estagiários de ASC e depois sujeitá-los a funções e papéis longe do âmbito da sua formação.
Por isso deixem os jovens, futuros animadores socioculturais, trabalharem em Animação Sociocultural. Esta abrange uma matriz tão polissémica quanto extensa: cultural, social educativa, artística…
Acreditem, eles têm essas competências.
Jovens animadores socioculturais, profissionais dentro de um, dois meses, não percam a capacidade de investir no vosso percurso. Continuando a estudar, a investigar e a reflectir/escrever sobre as vossas práticas irão definir, cada vez mais, a emergência e a urgência desta profissão num contexto contemporâneo de mudanças culturais rápidas e plurais.
A orientação deste percurso surgirá da necessidade da discussão colectiva sobre a vossa área profissional. Para isso as organizações profissionais são importantes. Criem-nas e dinamizem-nas. Até lá procurem o que existe. Por exemplo, A APDASC faz apelo à importância de aumentar os seus associados para se criarem novas dinâmicas, nomeadamente aquela outra da implementação dos Estatutos Profissionais, indispensáveis à regulação do espaço e da função da ASC e dos seus profissionais.

09 junho 2009

A INVESTIGAÇÃO EM ARTE NO ENSINO SUPERIOR

Por motivos de agenda não me foi possível estar presente no I Congresso Internacional de Investigação em Arte realizado em Maio na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.
Das informações que obtive pareceu-me ter sido um evento bastante interessante, até pelo facto de, pela primeira vez, se ter discutido publicamente a problemática da Investigação em Arte em Portugal. Melhor dizendo, falou-se vagamente nos distanciados Congressos de Educação Artística realizados, um pela UNESCO e outro pelo Governo.
Também, pelas informações que obtive, o objecto de discussão permanente situou-se predominantemente sobre as Artes Plásticas e Visuais. Pouco ou nada se discutiu sobre Teatro, Cinema, Dança, Música e outras linguagens da criação artística contemporânea.
A legitimidade na organização da “coisa pública” é sempre um acto de liberdade. Por esse facto deverá ser detentora de um sentido de pluralidade.
Entendo o direito e a legitimidade de Centros de Investigação em Arte das Universidades tomarem a iniciativa de organizarem este Congresso, que louvo, uma vez que permitiu colocar em discussão uma matéria historicamente pouco discutida.
Lamento apenas que não tenha sido convidado nenhum Instituto Politécnico para estar na organização do Congresso. Desta forma ignora-se o percurso, nestes últimos vinte anos, da formação e criação artísticas nas suas Escolas Artísticas ou com cursos de Arte, sobretudo porque traduz uma realidade indiscutível: historicamente foi onde se iniciou a diversidade da formação artística em Portugal. Tradicionalmente a Universidade formava, exclusivamente, em Belas Artes, Escultura e Arquitectura.
Há ainda, nalgumas universidades, um discurso paternalista e hegemónico no que diz respeito à formação superior. Continua a ser difícil para algumas destas instituições coexistirem com o outro sub-sistema de formação superior, o que as leva a elaborar um discurso discriminatório em muitos dos percursos, que deveriam ser comuns com os Politécnicos, para bem do Ensino Superior em Portugal.
Esta reflexão vem a propósito do referido Congresso e do discurso que continua hegemónico no que diz respeito à Investigação em Arte no Ensino Superior em Portugal. Quer dizer, a Investigação em Arte é, supostamente, privilegiada nas Universidades, nomeadamente nos seus Centros de Investigação. Com esta certeza continua-se a ignorar as Artes nas Escolas Politécnicas, conforme entrevista recente de um responsável de um Centro de Investigação de uma Universidade Portuguesa (Revista Plenitude, nº 72, Junho de 2009, pág. 114/115).
Gostaria de referir, para finalizar, que estas questões da Investigação em Arte já eram uma das minhas preocupações em 1996, quando publicava um artigo na Revista APRENDER, nº 20 - OUT/96 - da ESE de Portalegre, inicialmente uma Comunicação no 1º Congresso dos Institutos Politécnicos, que questionava justamente a Investigação em Arte no Ensino Superior.

03 junho 2009

O TEATRO E AS NOVAS OPORTUNIDADES

Há um tempo atrás escrevia sobre um conjunto de pessoas desempregadas, com mais de 45 anos, que utilizavam o Teatro como uma estratégia de sobrevivência absolutamente singular: através do teatro criavam oportunidades de se adaptarem a novas linguagens, novas funções e novos saberes, o que pressupunha novos interesses e novas expectativas.
A assumpção do teatro como linguagem plural, para estas pessoas, permitia-lhes pensar que o seu futuro estaria assente, sobretudo, nas suas capacidades de intervenção e de decisão conquistadas no exercício desta prática. Só com a determinação e criatividade manifestadas pelas personagens da peça, revestidas exactamente pelo mesmo problema social, o desemprego e a idade, poderia fazer com que eles, simultaneamente actores do espectáculo e actores sociais, pudessem retomar as rédeas do seu futuro, recebendo indicações e oportunidades nunca antes vislumbradas.
Curiosamente surgem, cada vez mais, cidadãos de grupos etários superiores a 45 anos, com uma enorme vontade de explorar o seu potencial criador e artístico, mas também com uma consciência de que esse potencial reencontrado ou descoberto, nesta altura das suas vidas, é uma mais-valia para o seu projecto de futuro que ainda se avizinha longo e complexo no mundo em que vivemos. Foi assim para um grupo de utentes de um Centro de Dia que ousou pisar um palco lado a lado com actores profissionais. A necessidade de se procurar na origem, e na identidade cultural, as referências que levam as pessoas a evoluir no seu projecto de vida, direccionado para o futuro, releva da consciencialização de um mundo diferente: mais global, mais próximo, mais rápido e mais desgastante. Para enfrentarem esse mundo novo, mesmo os mais velhos, necessitam de novas competências. Esta necessidade, de não se perder uma identidade cultural, isto é, de não se perder a noção do caminho que se percorreu e do que ainda falta percorrer, leva a que hoje também surja uma maior preocupação pela concentração, em espaços museológicos, do património mais subjectivo mas também mais universal: as tradições teatrais comunitárias, os artefactos a elas associadas e o próprio património da oralidade e do drama popular. O exemplo recente do Museu de Borba. A constatação de que tenho vindo a apropriar-me, fruto do meu envolvimento em projectos de animação e intervenção comunitária, obriga-me a dizer que se dê mais atenção a este fenómeno: o reencontro das populações com o teatro de amadores, há muitos anos afastado das práticas populares e locais, de onde emergem hoje novos interesses e novas necessidades.
Lembro que nos últimos 20/30 anos o Teatro passou a estar mais activo nas dinâmicas escolares, não havendo retorno dessa experiência no espaço comunitário tout court. Durante o mesmo período a tradição do teatro de amadores tem vindo a fenecer e o seu espaço de crescimento colectivo não tem sido substituído, também pelo adormecimento ou ausência do movimento associativo. Felizmente hoje, a redescoberta do teatro, por grupos de amadores espontâneos, está associada a uma emergência que reflecte a necessidade de uma ocupação, não já dos tempos livres porque a realidade do trabalho se alterou, mas uma ocupação que traduza a procura constante de uma vida mais saudável ao nível da socialização e do contacto com o conhecimento, hoje mais diversificado e estruturante ao nível de novas oportunidades. O teatro, na sua dimensão social, pode ajudar a resolver muitos problemas às populações mas, seguramente, fará também que outras dimensões do próprio Teatro possam emergir. Como?
Reconcentrando as dimensões estéticas, artísticas, educativas e culturais nas práticas teatrais amadoras e nas práticas da animação sociocultural junto das populações.
Uma tarefa do Animador Sociocultural com a colaboração de animadores teatrais apetrechados de competências formais, técnicas e artísticas.