23 novembro 2009

A Animação sociocultural como estratégia territorial

O texto de Ana Lavado, publicado na Revista Electrónica “Práticas de Animação” da Delegação Regional da Madeira da APDASC, é uma reflexão antropológica bastante interessante. Pretende trazer à discussão um conceito, Animação Territorial (AT), que já fazia parte dos escritos conceptuais de Pierre Besnard no princípio dos anos oitenta e, alguns anos antes, em meados da década de sessenta, já havia sido referido nos processos da descentralização cultural levados a cabo por André Malraux em França. Mais recentemente Jean-Claude Gillet aborda-o en passant num dos seus livros mais recentes, o “Animador Profissional”.
Não deixa de ser interessante reparar que Besnard, apesar de referir a AT, assumiu o conceito de Animação Sociocultural (ASC) e o estatuto de animador sociocultural, fazendo prevalecer naquela as várias e diversificadas metodologias de intervenção cultural, social, técnica, educativa, artística, enfim, a aceitação de que o conceito abrangente teria de ser amplo e objectivo. Situava essa objectividade nas modalidades de animação, o que o tornou afinal polissémico. Mas é nessa polissemia que está a virtude do conceito de ASC. É esta polissemia que o torna polivalente nas suas metodologias, nos seus territórios, nas suas intenções e nas suas estratégias, enfim, nas suas práticas.
A reflexão de Ana Lavado mostra-nos a sua visão antropológica, associada à sua formação nesse campo do saber e direccionada para a ASC pelos anos de trabalho que tem na ESE de Beja como docente e orientadora de projectos em ASC. Não tenho dúvidas de que antropologia tem uma visão sistémica da vida e Ana lavado mostra-o amiúde estabelecendo uma dialéctica entre o passado e o futuro, entre a tradição e a inovação. Do meu ponto de vista, a relação que faz entre o conceito de AT e a importância da(s) cultura(s) do(s) local (ais) como o espaço da verdade da socialização e da conquista da cidadania corre riscos conceptuais, sobretudo porque não estrutura nem evidencia uma prática tout court e muito menos o conceptualiza. Ao fazer emergir o conceito de AT, que está implicado directa e indirectamente no conceito mais uniformizado e aceite, o de ASC, está a dar mais força a este, relacionando-o com uma noção muito mais abrangente de espaços e de territórios, de tempos e de conquistas. Mostrando afinal que este é o conceito - ASC - que se assume epistemologicamente como o território da mudança.
O conceito, como está, também ajuda a clarificar as competências do Animador Sociocultural, deixando neste a possibilidade de se especializar numa ou em várias modalidades de animação. Do ponto de vista conceptual creio que deve ser esta a orientação para a formação de animadores socioculturais e deverá, independentemente de se abordarem de quando em quando outras terminologias inseridas em discussões epistemológicas e intelectuais, continuar a ser o conceito, Animação Sociocultural, aquele que melhor afirma o(s) campo(s) da intervenção e do(s) mercado(s) de trabalho(s).

19 novembro 2009

MORREU MARIO BARRADAS, MEU MESTRE, MEU AMIGO


Estou muito, muito triste.
Mário Barradas, homem de Teatro, intelectual português, açoriano e cidadão do mundo, deixou-nos.
A ele devo o meu crescimento intelectual e a minha maturidade como homem. Foi e será sempre uma referência na minha vida. Nela, em alguns momentos, bons e menos bons, fomos companheiros, amigos e, naturalmente, mestre, grande mestre e discípulo.
Na vida e na forma de compreender o Teatro, enquanto meu director na Escola Superior de Teatro do Conservatório Nacional mas, também, enquanto meu director na Companhia de Teatro do Centro Cultural de Évora, actual CENDREV, Companhia que, com um conjunto de veteranos e jovens actores vindos do Conservatório, iniciámos em Évora em 1975. Depois de 1982, altura em que deixei a Companhia e comecei a minha actividade de docente, encontrávamo-nos pontualmente em eventos de Cultura.
Neste blogue, mais de uma vez, homenageei Mário Barradas, meu mestre e meu amigo.
Quem está no mundo do Teatro tem de ser intelectualmente honesto e reconhecer o papel de renovador da estética do teatro em Portugal.
O Teatro em Portugal está de luto mas, Mário Barradas, através dele viverá para sempre.
Não me vai ser possível acompanhar Mário Barradas à sua última morada. Mas rezarei para que a sua alma descanse em paz.
Através deste post apresento as minhas condolências à família e amigos mais próximos, mas também à Companhia de Teatro do CENDREV.

16 novembro 2009

Perder um filho é deixar partir com ele um pouco de nós.

Sei o que é perder um ente querido, neste caso irmão, jovem, na força da idade e no início do seu projecto de vida.
Sei o que é sofrer pela doença de um filho, sem saber onde ela vai parar e, se o fizer, como será?
Sabemos todos, com o caminhar dos anos e com a experiência da vida, que doenças e morte são sempre encaradas com um enorme sofrimento para as famílias e para os amigos.
Imagino a dor e o sofrimento do que é perder um filho, na flor da idade, e com um projecto de vida conquistado com entusiasmo e perseverança.
Mas não consigo imaginar a dor do Abílio e da Estrela por esta profunda perda. Por isso não existem palavras a não ser o silêncio da solidariedade mais profunda.
Não, não imagino o que é perder um filho. Peço a Deus que nunca me dê essa dolorosa experiência.

12 novembro 2009

O ECO TEM SENTIDO

Antes de mais admiro a coragem da resposta ao repto que conduzia ao exercício de reflexão sobre as práticas profissionais do Animador Sociocultural.
Apesar de vir de um blogue, http://animasocioculturaleinsularidade.blogspot.com e de alguém que o utiliza regularmente como um instrumento de reflexão e divulgação da Animação Sociocultural (ASC), Albino Viveiros, Animador Sociocultural na Região Autónoma da Madeira, considero importante a publicação em livro de todo e qualquer objecto sobre ASC, nesta altura ainda com uma certa indefinição profissional e também de alguma indefinição da prática da ASC.
Sabe-se que as Editoras não estão disponíveis para publicarem todos os objectos do saber e do conhecimento e isso poderá ser um factor de desmotivação da escrita e da própria reflexão e teorização da ASC.
Felizmente começam a surgir Editoras on line que permitem a publicação de obras com a chancela de Edição de Autor a um preço irrisório, e cujos conteúdos ficando em on line poderão ser submetidos a download ou, melhor ainda, poderão ser transformados em suporte livro construído na totalidade pelo seu autor e vendido à unidade. Uma Editora, entre outras, que permite a publicação desses trabalhos: http://www.bubok.es/librerias/mapas .
Sobre a reflexão de Albino Viveiros. Para além de uma consciência profissional profunda e, naturalmente, de uma competência sistematicamente demonstrada pelas iniciativas que leva a cabo na Região Autónoma da Madeira, gostaria de me referir a um aspecto que considero essencial.
Para acontecer Animação Sociocultural é fundamental que existam pessoas. Aliás, é com elas e para elas que a ASC existe. Mas existe uma outra questão essencial que são as correctas decisões políticas, nomeadamente: dar importância à existência da ASC e ao exercício da função profissional; considerar importante e emergente a construção de espaços comunitários que se constituam como locais de socialização, de experimentação, de partilha e de crescimento individual e colectivo; finalmente, incentivar e financiar projectos que se constituam como percurso do desenvolvimento social e cultural local, regional, nacional e universal.
A breve reflexão de Albino Viveiros que nos enuncia uma vontade de teorizar as suas práticas, levando-as a par com um trabalho de conjunto com os académicos, reenvia-nos para a ideia de que há, efectivamente, contextos práticos capazes de inovarem conceptualmente o actual quadro do exercício da ASC e da função do Animador Sociocultural.
Apontou dois que registei como essenciais:
- a consciência e a necessidade de reflectir e mudar as práticas, funcionando como contributo de inovação conceptual,
- as decisões políticas capazes de irem ao encontro dos interesses e necessidades das populações em matéria de ASC. Pelos vistos a Região Autónoma da Madeira está a entender melhor o papel da ASC no desenvolvimento Local.

08 novembro 2009

que animação sociocultural? Sei que não vou por aí

Estranhar-se-á, porventura, uma ausência prolongada de escritos sobre Animação Sociocultural (ASC) neste blogue. Tem sido intencional. Tem sido uma pausa assumida, esta de não escrever sobre ASC. Não que o assunto esteja esgotado, que não se continue a exercer e a praticar ASC, também que não se continue a reflectir e a ensinar ASC. Apenas o que se faz e o que se escreve começa a tornar-se redundante. Não observo evolução na produção conceptual, quer da parte dos teóricos de referência, que estão na academia, quer da parte dos práticos do quotidiano, que são os animadores socioculturais que estão no terreno.
Da minha parte dou a mão à palmatória. Os pequenos textos não me satisfazem e para produzir ensaios ou tratados conceptuais teria de retornar amiúde à função de animador sociocultural para reflectir sobre as minhas práticas perante um mundo em constante mudança. Algo impossível de fazer nas condições que temos para a investigação académica, com um tempo demasiado preenchido no ensino formal.
A minha esperança situava-se no retorno da informação sobre as práticas de ASC e sobre as funções do Animador Sociocultural trazidas por estes, através da publicação de reflexões profundas sobre as suas práticas.
Quando, em 1994, a Escola Superior de Educação de Portalegre assumiu a responsabilidade de avançar com o primeiro curso de ASC do ensino superior público, na altura só bacharelato, omisso no livro de Marcelino Lopes "Animação Sociocultural em Portugal", estava no horizonte do seu corpo docente, e no meu particularmente, a possibilidade de conquistarmos um espaço que funcionasse como um centro de produção e pesquisa em ASC, assente substancialmente na reflexão sobre as práticas dos Animadores Socioculturais formados por esta Escola e, a partir desse momento, por todas as Escolas que formassem esses profissionais.
Até hoje não saiu sequer um opúsculo sobre práticas, dos poucos milhares de animadores que estão no terreno. As suas preocupações, justas diga-se de passagem, estão literalmente dominadas pela ausência dos estatutos profissionais, o que torna precário o emprego, como também dominadas pela ânsia de uma formação constante e variada.
Vemos em dois, três blogues, falar-se sobre animadores e animação, sobretudo na perspectiva da função e das áreas sendo, todos os outros, apenas espaços de divulgação de actividades.
Há muito que me questiono sobre a importância dos Encontros, Congressos, sobretudo quando funcionam apenas como espaços de vaidades intelectuais.
O que deverá ser feito?
Continuo a pensar que a questão da precariedade de emprego tem uma relação com a inexistência de Estatutos Profissionais e, portanto, é urgente que os Animadores se organizem de uma forma associativa mais substancial e assertiva. Que seja visível um movimento forte sobre a função e a profissão do Animador Sociocultural. Seguramente haverá maior peso institucional que terá força para pressões políticas sobre a definição da carreira.
Que nos contextos associativos e profissionais se criem espaços de investigação conjunta entre estes e os académicos.
Que se criem dinâmicas e interacções entre professores e investigadores de animação sociocultural no seio da academia. É importante que o pensar e a experiência individual enriqueçam o colectivo e a qualidade de ensino e da formação. Chegou o momento das Escolas de formação superior deixarem de estar de costas voltadas umas para as outras. Discutam sobre os quadros conceptuais, sobre a formação, sobre planos de estudos. Ajudem a encontrar um caminho para a profissão e não se reduzam só a formar.
Este foi sempre o meu desabafo. Mas o eco nunca o tive.

04 novembro 2009

CULTURA E CIVILIZAÇÃO

in: Jornal Público - 02 de Novembro de 2009 - Edição de Lisboa.
Este texto de Mário Vieira de Carvalho é bastante pertinente. Penso que estamos no patamar da reflexão profunda sobre a existência ou não da crise de Civilizações e/ou de Culturas. Uma coisa é certa, para uma melhor harmonia entre os povos é fundamental chegar-se a consensos universais.
Esta reflexão, que amiúde tento fazer, é feita quase sempre de uma forma solitária por todos nós. Vem na sequência das nossas interrogações sobre o mundo e do nosso questionamento sobre a mundividência das coisas, objectivas, e das que nos escapam. Por isso os livros e os autores são respostas possíveis mas não únicas. Falta-me, falta-nos o debate, a troca de ideias. Falta-nos, falta-me, afinal, a socialização do tema.
Esta questão tem sido ultimamente para mim, direi, emergente. Não só pelas mensagens vindas do blogue http://avozportalegrense.blogspot.com do meu amigo Mário Casa Nova Martins, através da publicação de revistas e autores que problematizam o mundo, as civilizações, as culturas, como pelo meu avançar na idade, no caminho e na busca.
Haverá aqui uma dimensão teológica? Porventura. Mas há também de certeza uma dimensão verdadeiramente axiológica.