25 junho 2011

POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA PARA O ALENTEJO

(a propósito do excelente artigo postado por António Martinó no blogue do nosso amigo comum Mário Casa Nova Martins http://avozportalegrense.blogspot.com/ ).

O debate sobre Cultura realizado em Évora no dia 14 de Maio passado, organizado pela Revista Alentejo, foi um evento importante que aconteceu nesta cidade no momento em que a discussão está centrada sobre a Cultura em Évora, isto é, sobre o não cumprimento do financiamento aos agentes culturais locais por parte da Autarquia. Mas também a nível nacional, com a questão do desaparecimento ou não do Ministério da Cultura.
Apesar da diversidade na origem profissional dos intervenientes, o discurso dominante no debate assentou muito no papel dos criadores e dos artistas profissionais e da relação da criação literária e criação artística com os públicos. Foi um primeiro debate, é certo, mas ter-se-ia ganho outra dimensão se se integrasse no debate outro agente cultural, não profissional, representando as organizações, privilegiadas, no meu entender, pelas relações de proximidade com as populações e que constituem, sem dúvida, um valor importante no desenvolvimento cultural local e regional.
Foram interessantes as comunicações dos vários intervenientes e o debate foi dinâmico, tenho de realçar. Mas houve duas comunicações que me despertaram um interesse singular. A do coreógrafo Rui Horta sobre a História das dinâmicas e dos públicos culturais na Europa e no País e que releva de uma preocupação de um criador teorizar/fundamentar a sua própria experiência. E a reflexão teórica de Ana Paula Amendoeira que, partindo de um discurso sociológico da cultura, identificou abordagens políticas para a promover/ desenvolver.
O pressuposto para a minha reflexão surge da questão essencial que é o acesso à Cultura e a promoção da Cidadania. O que põe em causa estas intenções/vontades/estratégias é a incapacidade dos políticos reflectirem sobre o que deve ser uma educação cultural das populações, fazendo-a coincidir com uma ideia essencial: não há vida social sem Cultura, entendendo esta pela diversidade e pela pluralidade, mas também pela transformação e pela mudança.
Se é verdade que cabe à Escola e à Família uma quota-parte desta educação cultural, não deixa de ser significativa e decisiva a dinâmica criada face a políticas públicas de Cultura emanadas do poder central e do poder local, atribuindo responsabilidades aos agentes culturais profissionais e não-profissionais (movimento associativo). Uns e outros têm papéis diferenciados no exercício das suas actividades que, cumpridos em rigor, atingem patamares de legitimidade na reivindicação do cumprimento dos financiamentos.
Nos últimos anos tenho vindo a observar uma quebra nas responsabilidades de um grande número dos agentes culturais profissionais. Nalguns exemplos só se ganhou na qualidade técnica dos seus produtos artísticos, mas perdeu-se na capacidade de atracção de públicos. Noutros nem uma coisa nem outra. Tem-se vivido demasiado para o financiamento e para a produção, descurando-se o processo de preparação/educação de públicos culturais. Os homens e as mulheres da Cultura fecharam-se nos seus guetos e nas suas especialidades, chegando ao ponto de, eles próprios, não se socializarem nas comunidades onde deveriam estar inseridos. Esta questão reenvia-me um pouco para a imagem que tínhamos dos actores e outros artistas nos idos anos 50 e 60 do século passado. Eram seres inacessíveis, só vistos na sua actividade, não partilhando com o comum dos mortais o diálogo, a cumplicidade, o caminho comum. Lembro-me, em Lisboa nesses anos, quando as pessoas se deslocavam aos Cafés Monte Carlo e Monumental para verem os seus ídolos, que habitualmente apareciam em noites de Teatro na RTP. Entre tantos outros, lá estavam Rogério Paulo, Laura Alves, Rui de Carvalho, Paulo Renato, Costa Ferreira e Joaquim Rosa.
A minha experiência mais democratizadora no exercício da profissão artística foi, exactamente, desmontar essa ideia de inacessibilidade. Felizmente foi com o saudoso Mário Barradas e em Évora, com a fundação do Centro Cultural de Évora em Janeiro de 1975. Frequentávamos todos os lugares públicos, socializando-nos e fazendo a nossa integração comunitária participando nas iniciativas da comunidade. A partir daqui estabeleceram-se pontes, cumplicidades, interesses comuns, curiosidade e vontades de experimentação.
No que diz respeito aos agentes culturais locais, nomeadamente o movimento associativo, também tem sido visível um retrocesso não só nas actividades como também na redução do número desses agentes culturais.
Há variáveis que explicam este estado de espírito dos agentes culturais pela província, especialmente pelo Alentejo. A primeira é a questão política ou se quisermos a indefinição de políticas culturais que não ajuda à constituição de polos de desenvolvimento dos lugares e das pessoas. Não tem havido, a nível do poder central, um investimento sério no plano da Cultura que contribua para a criação de hábitos de fruição e criação cultural. Por outro lado, se é certo que é no poder local que se gasta mais com a Cultura, também é verdade que a indefinição de políticas culturais locais não contribui para o aparecimento de polos de agregação de interesses e de experimentação. Na maioria das autarquias a sua política cultural reduz-se ao plano de uma certa divulgação/oferta de uma Cultura de rede, traduzida afinal por uma política errática e sem base para crescimento cultural. Basta indagarmos as autarquias do Alentejo para percebermos que, na maioria delas ou quase na sua totalidade, não funciona uma Comissão Municipal de Cultura. Esta ideia de que o presidente ou o vereador são suficientes para accionar os mecanismos da dinâmica cultural local é absolutamente contrariada pela inércia e pela incompetência ou mesmo até pela ignorância cultural de muitos desses eleitos. Da mesma forma que não se intrometem nas questões urbanísticas ou educacionais, por que razões deverão fazê-lo nas questões da Cultura. Hoje o mercado profissional é cada vez mais transversal em técnicos da área da Cultura, assim como os agentes culturais locais, profissionais e não-profissionais, cada um deles à sua escala e competência, estão em condições de contribuírem para a educação cultural das populações.
É tão má uma política cultural nacional que não ajuste a cooperação entre organizações nacionais, regionais e locais, como má é, também, uma política cultural local que está mais preocupada com o equipamento cultural na sede desse concelho, que não contesto, mas que fomenta de uma forma abissal as assimetrias locais quando, nas freguesias do concelho, não se constroem espaços para a socialização e para o convívio sociocultural. Afinal, espaços de onde poderão emergir escolas de educação cultural, de gostos, de práticas e de estéticas diversificadas.
Vem, por isso mesmo também à discussão, a importância de ter ou não um Ministério da Cultura. Tem todo o sentido a existência de uma estrutura que faça a gestão democrática de todos os recursos que possam contribuir para a implementação de uma dinâmica cultural pelo país, assente em princípios de igual oportunidade de acesso aos bens culturais, corolário de uma verdadeira democratização cultural.
O Ministério da Cultura, tal como tem estado na organização política do Estado, não é nem nunca foi uma estrutura que servisse a Cultura deste país, os criadores, os artistas e as populações. Foi sempre mais uma máquina ao serviço de si própria, alimentando centenas de funcionários de uma verba do orçamento de estado que já por si é, e sempre foi, bastante deficitária. Isto tem tido, naturalmente, implicações ao nível da gestão e da definição das políticas públicas de cultura. Dizer que uma Secretaria de Estado resolve a gestão da Cultura é escamotear a importância que a Cultura tem para a afirmação plena das identidades e diversidades culturais existentes no país e no mundo, isto é, trata-se de subvalorizar aquilo que é um valor absoluto: o valor imaterial da criação artística, literária e científica, que projecta na universalidade um povo, a sua liberdade e a sua democracia.
Voltando ao Alentejo e às suas cidades. Hoje, numa nova concepção da cidade, a política activa exige competência profissional e técnica, assim como exige capacidades para gerir consensos e legitimidade nos grandes campos de acção e competência que modificam, profundamente, uma concepção da política que, tristemente ainda temos.
Espera-se, hoje, da política e dos políticos:
* que trabalhem a capacidade integradora sugerida pelo movimento associativo;
* que a administração, que gerem, ceda protagonismo às associações, já que estas estão, por vezes, em melhores condições para gerir serviços mais ágeis e eficazes.
* que os políticos compreendam o eixo ou o facto associativo, na sua riqueza, diferença e absoluta necessidade.
* que pensem a sua acção de governo ou de oposição para um contexto de associativismo e participação.
* que tenham presente a diversidade, as associações discordantes;
* que escutem. Que tenham tempo para estar com as pessoas;
* que não utilizem as associações como meio para os seus interesses pessoais ou partidários;
* que ao mundo actual da gestão (individualista e competitiva) unam o modo antigo, baseado numa sociedade de justiça mais distributiva e mais comunicativa.
Só com políticos com vocação associativa, a cidade, a região e o país serão uma rede forte de cooperação e de participação.
Para isso os modelos ou as estratégias para a intervenção cultural têm de surgir. Tal como têm de ser claras as políticas culturais e de lazer locais e regionais.

ISTO PRESSUPÕE ESTRUTURAS QUE DEVEM PRIVILEGIAR A PROGRAMAÇÃO E OS PROGRAMAS
* a programação é um processo enquanto que os programas são o produto desse processo.
* entendo por programa o conjunto de serviços que uma organização de cultura e de lazer apresenta, para responder às aspirações, aos interesses e às necessidades da população nesses campos.
Nestas estruturas podem coexistir tipos de programas diferentes:
1. Oferta de facilidades: espaços recreativos, culturais, parques, edifícios, equipamento e material. Tudo para ser usado como fins culturais e de lazer da população.
2. Oferta de pessoal profissional para as organizações de actividades individuais ou de grupos. Poderá ser uma opção, a integração de pessoal nas organizações, para apoio aos programas de actividades culturais e de lazer.
3. Assistência a indivíduos, grupos ou associações, etc., que oferecem serviços de cultura e/ou de lazer aos seus próprios membros ou a clientelas específicas. Esta assistência pode tomar várias formas: subvenções, financiamento, assistência técnica, empréstimo de material, etc.
4. Sensibilização e incentivos ao aparecimento de novas dinâmicas culturais e/ou novos movimentos associativos das áreas da cultura e do lazer, nomeadamente através de condições de sediação e de financiamento para o arranque de actividade.
5. Promoção e divulgação cultural e de actividades de lazer, quer de âmbito local, regional e nacional, como também de âmbito mais universal.
6. Os programas oferecidos podem tomar várias formas. Dependendo das aspirações, dos interesses e das necessidades da população, dos recursos disponíveis. Vários arranjos deste tipo de programas podem ser realizados pela Comissão Municipal de Cultura e de Lazer.




Os quadros anteriores evocam a necessidade da criação dos órgãos de gestão da Cultura, de forma a tornar mais clara e eficaz as políticas culturais locais e regionais.

Tenho uma ideia de Cultura que não deverá estar separada de uma ideia de trabalho e de direito. O primeiro como o conjunto das obras de arte, do pensamento e do imaginário. O segundo associado ao direito de criar e produzir Cultura, o direito de fruir e de ter acesso, o direito à formação e à informação e o direito às decisões sobre o fazer cultural. Afinal, uma autêntica democratização cultural.


OBS: parte deste texto integra o tema central sobre Cultura no Alentejo publicado na Revista Alentejo a sair proximamente.

03 junho 2011

Os Encontros de ASC e a arrogância intelectual

Se querem que vos diga dou muito mais prioridade aos Encontros, nacionais e internacionais, realizados pelas estruturas profissionais ou académicas portuguesas, do que pelas chamadas redes, quer seja a iberoamericana, a rede internacional de animação ou outras. Porquê? Primeiro porque traduz e sistematiza um percurso pioneiro e único: é o único país europeu a ter formalmente licenciaturas em Animalção Sociocultural; depois porque esta circunstância demonstra uma singular maturidade e experiência na formação de animadores socioculturais; finalmente porque o mercado de trabalho, fruto dessa formação generalista, está preenchido com um leque e uma diversidade de áreas de trabalho de animação sociocultural que sistematizam no fundo os seus campos e âmbitos de intervenção. Por isto tudo temos uma experiência que não deve ser subvalorizada. Falo claramente de alguma arrogância intelectual manifestada por alguns dos intervenientes desses encontros de redes, provocada por maiores facilidades na organização dos eventos e até na facilidade da publicação científica, às vezes pseudo-científica, dos seus produtos académicos.

Lembro-me que no último congresso em Amarante dizia a uma conceituada teórica da ASC do país vizinho, que lia com muito respeito e admiração a sua obra, ao mesmo tempo que lhe perguntava se ela tinha o cuidado de o fazer em relação à nossa, infelizmente pouca, bibliografia publicada. Pediu-me desculpa publicamente por nunca o ter feito. A ideia que passa nalgumas destas pessoas é a de que não têm nada a aprender connosco. Existe de facto uma ideia de país periférico em tudo quanto fazemos. Se bem que em algumas coisas vamos fazendo melhor do que os não periféricos.

A propósito da pouca publicação sobre ASC, embora continuemos a saber que não é fácil publicar livros técnicos em Portugal, continua a não haver da nossa parte, formadores e profissionais no terreno, grande esforço para produzir conhecimento teórico ou teórico-prático. Por exemplo gostaria de referir o excelente trabalh0 de Albino Viveiros no seu blogue (http://animasocioculturaleinsularidade.blogspot.com/). Há conteúdos diversificados e interessantes do ponto de vista da ASC e que traduzem o seu pensamento já de alguns anos na prática da ASC e de leituras sobre ASC, que poderiam ser publicados. À semelhança do que fiz também com alguns textos deste meu blogue. Para além de ter uma componente de informação, são reflexões que produzem, para todos os efeitos, conhecimento.

Não rejeito, de modo nenhum, a participação nos congressos internacionais realizados por essas duas redes ou por outras quaiquer. É um espaço de oportunidade onde deve ser apresentada formalmente a nossa estratégia da formação, associada ao rigor técnico e científico, e a estratégia da profissão traduzida num diversificado mercado de trabalho. Mas se qualquer um destes eventos acontecer no nosso país, por favor deixem-nos ter também algum protagonismo.

XIII CONGRESSO INTERNACIONAL DE ANIMAÇÃO SOCIOCULTURAL

"Voluntariado e Cidadania Ativa"
17, 18 e 19 de NOV 2011

Oliveira de Azeméis

Cine-Teatro Caracas

(Organizado pela APDASC)