27 julho 2006

Textos Julho 2006

Esta sensação única de ter, num só ano, dois finais de ano, quase que deve ser sentida só pelos professores e pelos alunos. De facto, temos dois fins de ano: o ano lectivo que termina em Julho e o ano civil que termina em Dezembro. Existe em ambos algo de comum. No primeiro temos que deixar toda a actividade académica resolvida: os testes, os exames, a organização do próximo ano lectivo…

Isto é, para o próximo ano lectivo estaremos de facto noutro ano completamente diferente! No segundo temos de fazer o balanço da nossa vida, naquilo que consubstanciou a emoção e a razão do nosso viver: as nossas atitudes, os nossos afectos, os nossos compromissos…

Já não há bem a certeza de que tudo possa vir a ser diferente!

Mas, em ambos os finais de ano, existe em nós uma ansiedade que configura objectivos diferentes: no final do ano lectivo ansiamos terminar o trabalho para entrarmos finalmente de férias. Paradoxalmente, no final do ano civil, se este foi bom, ansiamos que se prolongue, pois temos receio do desconhecido; se foi mau, que passe depressa e entremos noutro ano com coragem e esperança.

E esta palavra, a esperança, é por excelência o ponto verdadeiramente comum entre os dois finais de ano. Em ambos os momentos desejamos para nós, para os nossos familiares, amigos e colegas, votos de felicidades pessoais e profissionais. E AQUI FICAM ESSES VOTOS PARA TODOS AQUELES QUE HABITUALMENTE NOS LÊEM. OBRIGADO.

PS: As leituras actualizam-se normalmente neste período. Vou reler um clássico da literatura e Prémio Nobel. O Falecido Matias Pascal de Pirandello. Vou também concluir a leitura de uma imensa obra que é uma biografia impressionante e arrepiante: MAO - a história desconhecida de Jung Chang e Jon Halliday editado pela Bertrand.

nota:
Brevemente neste espaço o endereço electrónico da revista virtual Revista Iberoamericana de Animação Sociocultural em on line a partir de Setembro/Outubro.

31.Julho.2006
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Embora a Fundação Gulbenkian já desenvolva há muitos anos o conceito de gestão e programação cultural, a expressão «gestor e programador cultural» só muito recentemente se institucionalizou. Se pensarmos no aparecimento da Culturgeste, do CCB, de Lisboa 94, da EXPO98 e de outros eventos pontuais como o Festival dos 100 dias ou das capitais nacionais da cultura, verificamos que o perfil destes gestores e/ou programadores culturais tem estado muito ligado aos criadores artísticos e aos gestores tout court com sensibilidade artístico/cultural. Assim, quando se ouve falar, com alguma insistência, no gestor e/ou programador cultural sabe-se de antemão, e porque é politicamente correcto, que é algo que diz respeito a algumas personalidades que estão à frente de algumas instituições que desenvolvem trabalho artístico/cultural ou que diz respeito a personalidades que são nomeadas para eventos e para essas funções, a maioria das vezes com conotação político/partidária. Porque esses eventos ou instituições se contam pelos dedos, estamos a pensar num número bastante reduzido de personalidades que desempenham essas funções. Para além deles temos também alguns criadores residentes em companhias de produção artística que assumem, com toda a legitimidade, essa função quando organizam o seu festival anual (teatro, dança, etc.).
Decididamente não é deste perfil de gestor e/ou programador cultural que nos interessa aqui dar conta. Para nós é muito mais importante falar daqueles outros gestores e/ou programadores culturais de âmbito mais regional e local e que, no quotidiano das populações, as incentivam para a criação e fruição culturais, as sensibilizam para a criação de hábitos culturais, as ajudam a formar-se como públicos esclarecidos e exigentes. Tudo isto, entre outras funções socioculturais, este profissional contribui para melhorar a qualidade de vida das populações. Dispersam-se assim pelas autarquias locais, pelo movimento associativo, pelas instituições de solidariedade social, pelas casas de cultura, pelos centros culturais, pelas companhias de produção artística, etc. Falamos claramente dos Animadores Socioculturais. É da sua história (da animação e dos animadores), da sua função (generalista e especializada) e da sua intervenção (social, cultural, educativa, artística, etc.) que nos interessa aqui dar conta.

24.julho.2006

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O processo de Bolonha, entre outras coisas, visa aproximar, a nível europeu, os conteúdos disciplinares, de forma a facilitar a mobilidade de professores e estudantes.
Mas visa também reduzir o número de cursos, obrigando as instituições a encontrarem uma maior aproximação na sua nomenclatura, para evitar uma enorme dispersão de títulos de cursos que vão, no fundo, preparar os mesmos profissionais para o mesmo mercado de trabalho.
Já falámos aqui, e conversámos em reuniões e encontros nacionais e internacionais, sobre a importância de se concentrar toda a formação superior em animação numa única nomenclatura e que melhor serve não só a formação como a própria empregabilidade dos futuros animadores.
Do nosso ponto de vista, quer pela história da animação quer pelas questões epistemológicas do conceito, a expressão que melhor satisfaz as duas dimensões atrás referidas, a formação e a empregabilidade, é a de animação sociocultural. Apesar de o conceito de animação ser polissémico, é de facto na animação sociocultural que as práticas da socialização tout court e da educação, não formal e informal, se ainda quisermos utilizar estas expressões clássicas, se revêem e se desenvolvem; é de facto na animação sociocultural que os valores da humanidade, o crescimento das populações e a emancipação dos povos se constroem. O nosso pensamento e de outros companheiros que fazem este caminho há trinta anos está em consonância com o pensamento e o rigor científico de uma plêiade de autores que são a referência histórica e epistemológica da animação e de cuja história eles também fazem parte.

Depois do ano 94 do século passado a ESE de Portalegre ter sido a primeira instituição pública a iniciar a formação de animadores educativos e socioculturais, logo a seguir à formação iniciada pelo Instituto PIAGET, instituição privada, tem proliferado nos últimos anos no ensino superior português, nos Politécnicos e nas Universidades, uma panóplia de cursos de animação, cujos conteúdos andam muito próximos uns dos outros, mas com nomenclaturas diversificadas. Verifica-se logo a seguir que o destino profissional destes estudantes é rigorosamente o mesmo, isto é, as mesmas instituições, os mesmos organismos e com as mesmas funções.

Afinal o que é que não está correcto aqui? Parece-nos ser exactamente a disparidade do nome da profissão, já que as funções vão ser as mesmas.
Referíamo-nos mais acima à proliferação de cursos de animação. No início do ano lectivo 2005/2006 contámos, só nos dois sub-sistemas públicos, dezasseis cursos de animação com as mais variadas nomenclaturas mas para as mesmas saídas profissionais. No próximo ano lectivo, 2006/2007, já verificámos que pelo menos mais quatro ou cinco vão surgir.

Duas notas: a negativa é a de que esta proliferação se faz cada vez mais no litoral; a positiva é a de que, apesar de tudo, o aparecimento dos últimos cursos traduz já alguma reflexão epistemológica, isto é, surgem já referenciados como cursos de animação sociocultural.

As instituições têm vindo a observar que para esta formação existem, ainda, muitos candidatos e, portanto, há que atraí-los. Nesta perspectiva prevalece a lei do mais forte: as instituições colocadas no litoral, inseridas em tecidos empresariais expressivos e com índices demográficos altos e significativos, enfim, com um conjunto de variáveis determinantes, seduzem facilmente os futuros estudantes do ensino superior face a essa diversidade sociocultural. O que fica daqui é que as instituições das regiões do interior, com as mesmas variáveis, mas de peso inferior, são fortemente penalizadas e discriminadas. O risco progressivo é de virem a perder candidatos às suas Escolas, constituindo isso um forte apelo a uma cada vez maior desertificação do interior.

O nosso apelo ao Governo de Portugal: é urgente fazer-se neste país a discriminação positiva nas regiões do interior e em todas as áreas. Se não houver esta preocupação já, corre-se o risco das mesmas começarem a viver uma agonia e a transformarem-se, a médio prazo, em grandes áreas desertificadas.


18.julho.2006
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Não quero falar mais de futebol. Já chega! Claro que estou orgulhoso da prestação da selecção nacional, do seu 4º lugar, da sua atitude e humildade e, sobretudo, da sua perseverança e desejo de vencer.
Deu para entender, neste campeonato do mundo, a arrogância e o chauvinismo da Inglaterra e da França perante os países pequenos, assim como deu para entender a ordem natural desses países grandes, que é a importância de saírem sempre vencedores de todos os jogos, quaisquer que eles sejam. O primeiro, por um lado, porque assume na cena internacional a aprendizagem, com um mestre experiente, de ser polícia do mundo e, por outro lado, porque vê a hegemonia linguística, do inglês claro, a impor-se no mundo face à globalização e às novas tecnologias. O segundo porque tem vindo a perder a hegemonia cultural e linguística no mundo e há que impor a sua história da liberdade, igualdade e fraternidade.

Mas este campeonato também deu para entender a solidariedade entre a língua portuguesa e é pena que CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) não aproveite em Bissau, na próxima 4ª feira, esta generosidade popular para fortalecer e desenvolver os projectos que definem, estruturam e identificam esta Organização. Fortalecida é seguramente um dos parceiros mundiais de peso.

Mas o propósito deste escrito é para sublinhar que não aceito a ideia de que, por mimesis, ao sucesso da selecção, a nação portuguesa e o povo português sairão desta letargia social, política, económica e cultural, como alguns pretendem induzir. Acredito mais que a mudança sociocultural se deve continuar a fazer na família, na escola, no movimento associativo e na empresa e nos compromissos com uma política de Estado, capaz de o defender e de defender os seus concidadãos. Acredito mais que cada um de nós consciencialize e materialize o seu papel na sociedade, lutando, trabalhando, investindo e, sobretudo, não perdendo o sentido axiológico da relação humana, que fomenta, prioritariamente, valores como a solidariedade e a igualdade de oportunidades.

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Os Cine-Teatros ou os Centros de Artes do Espectáculo sediados em sedes de concelhos vêm, num primeiro momento, responder às necessidades de afirmação da (s) política (s) cultural (ais) emanada (s) do Poder Local e, num segundo momento, tentar estabelecer novas dinâmicas culturais capazes de incentivar a criação de novos gostos e de novos hábitos culturais nas populações. É uma das estratégias do desenvolvimento cultural local, regional e até nacional, se pensarmos que a maioria dos produtos artísticos “oferecidos” em rede, a partir do Ministério da Cultura, percorrerão todo o espaço nacional, democratizando a oferta cultural e generalizando a criação de hábitos culturais nas comunidades. Sem analisarmos a qualidade da tal “oferta cultural”, ou melhor, sem nos debruçarmos sobre a qualidade dos produtos culturais comprados em rede, a partir do Ministério da Cultura, e é importante que o façamos numa próxima oportunidade, não podemos deixar de problematizar uma questão que, para nós, nos parece essencial. As comunidades locais dispersam-se pelos concelhos, isto é, cada concelho tem a sua realidade sociológica que se traduz nas suas singularidades socioculturais, ambientais e patrimoniais. Cada uma destas comunidades, dispersas pelas freguesias e lugares, tem os seus hábitos e práticas e as suas necessidades culturais, tem o seu espaço associativo e as suas tradições. Tudo isto releva da sua identidade cultural e da necessidade de afirmação da mesma. É urgente que estas populações, e não só as da sede do concelho, usufruam daquele que é o espaço nobre da acção cultural do concelho, isto é, é urgente que estas populações sejam também atraídas para frequentar os Cine-Teatros e/ou os Centros de Artes do Espectáculo.
A criação de hábitos de fruição cultural passa pelo contacto com a tradição e a inovação e com a oportunidade do confronto com novas linguagens da expressão e comunicação artísticas que, nestes espaços melhor apetrechados, estão ao seu dispor. Não é fácil, todavia, alterarem-se rotinas. Se não estiver enraizado nos hábitos das populações a participação em eventos culturais, nomeadamente naqueles que saiam das festas tradicionais locais, a deslocação tout court para assistir a um evento cultural e/ou artístico a um espaço que lhes é estranho torna-se bastante mais difícil.
Esta dimensão só se resolve a partir do momento em que todas as comunidades tenham o seu equipamento sociocultural suficientemente apetrechado onde, para além dos espaços de socialização tradicional, se constroem outros espaços de socialização em que as novas linguagens, as novas experiências, os novos encontros, e falamos aqui muito claramente de encontros inter-geracionais, se confrontam com novos interesses e novas necessidades culturais.
Os equipamentos a que nos referimos são, naturalmente, os Centros Comunitários de Socialização Cultural. É nesta realidade sociocultural local que se criam novas energias e novas apetências para a fruição, mas também para a criação cultural. São equipamentos que poderão funcionar como ante-câmaras desses espaços mais eclécticos por vezes, mas também mais democratizantes, da cultura e da arte, e que são os Cine-Teatros e/ ou os Centros de Artes do Espectáculo.
Portanto a grande aposta na democratização cultural e artística passa sobretudo pela possibilidade de todas as comunidades poderem viver a experiência da cultura e da arte em sede local e comunitária. Portanto, Câmaras Municipais, não façam só os grandes equipamentos, que se poderão tornar, a médio prazo, elefantes brancos. Invistam também noutro tipo de equipamento sociocultural mais localizado. Todo o concelho beneficiará, mas sobretudo as comunidades melhorarão a sua qualidade de vida.