25 novembro 2007

MAURICE BÉJART, o solitário inovador de uma Dança que tardava

Eu sei que em 06 de Junho de 1968 estava muita, mas muita gente, que quase esgotava, ou estaria completamente esgotado, não me ocorre agora, o Coliseu dos Recreios em Lisboa, para ver o bailado “Romeu e Julieta” de Béjart.

Também sei que esta quantidade enorme de gente haveria sempre de se recordar do acontecimento extra bailado, proporcionado por Béjart e, que um dia, talvez aquando da sua morte, haveria de o referir.

Mas não me conformo de não ser o primeiro a relembrá-lo publicamente quando, ao longo da minha carreira de artista e pedagogo, sempre referi este evento, como o momento da minha maior consciencialização política, depois de Maio de 68, levando-me conscientemente à luta nas eleições de 1969 em plena primavera marcelista. Apenas não fui suficientemente corajoso para renunciar à guerra colonial que viria a cumprir em 71 e 72 na Guiné.

O momento a que me refiro, exposto por Vanessa Rato no Jornal Público de 6ª Feira, 23 de Novembro de 2007, passou a ser conhecido pelo caso Béjart. A minha memória transporta-me para as bancadas do Coliseu dos Recreios e para um momento de mudança de cenário do bailado Romeu e Julieta. Béjart fez lentamente uma aproximação à boca de cena, ou proscénio, e com um ar grave e de circunstância afirmava: “acabámos de tomar conhecimento, neste momento, da morte trágica do Senador Robert Kennedy. Por favor, peço-vos um minuto de silêncio pela memória de mais uma das vítimas do fascismo”. Este momento cumpriu-se e, logo após, durante 20 minutos, ouviu-se uma ovação em todo o Coliseu, ostensivamente para ser entendida pelos representantes do governo de Salazar que estavam presentes: Franco Nogueira e a filha de Américo Tomás.
Lembro-me que Maurice Béjart foi escoltado até à fronteira pela PIDE e que a Companhia teve 24 Horas para abandonar o País. Só voltaria cá em 1974, depois de Abril.

Foi um acontecimento que me marcou politicamente, é verdade. Mas, para quem estudava dança, nesta altura na Escola de Dança Clássica de Anna Máscolo e elemento da sua Companhia de Bailado, este momento haveria de me marcar também ao nível da minha formação artística. Afinal era a coragem de um homem da dança que, através dela, afirmava as suas convicções pela liberdade que só a Arte aprofunda. Béjart passou a ser uma referência importante para mim, naturalmente mais como coreógrafo e artista, mas também como homem universal. Renovou a linguagem da dança partindo dos cânones da instaladíssima dança clássica. Era uma opção kitsch? Era narcisita? Pouco pensamento crítico? Falamos de alguém, para a época, que ousou mexer em estéticas instaladas e anquilosadas renovando a cena e a linguagem da própria dança. Falamos de alguém que legitimou o seu próprio estilo tornando-se singular. Finalmente falamos de alguém cujo pensamento crítico, várias vezes demonstrado, como no caso Béjart por exemplo, mas também na revolução que fez e que precede aquilo que nos anos noventa viria a designar-se pela Nova Dança-Teatro. A estética de Béjart é já uma crítica à estética vigente. Ele afinal faz acentuar a teatralização da dança que, anos mais tarde, viria a integrar a palavra no movimento e na coreografia.

Não foi um mito que desapareceu na 4ª Feira passada, perto da meia-noite. Apenas morreu um homem e artista que ousou ser diferente e revolucionário na arte que ele bem amava: a Dança.
Maurice Béjart foi distinguido com a Ordem do Sol Nascente (1986) pelo imperador japonês Hirohito, nomeado Grande Oficial da Coroa (1988) pelo rei belga Balduíno, e eleito em 1994 membro da Academia (francesa) das Belas Artes.

19 novembro 2007

CONFERÊNCIA NACIONAL SOBRE A PROFISSÃO DE ANIMADOR

Tenho vindo a defender a realização urgente de um Forum ou de uma Conferência Nacional onde se discutam as questões da profissão de Animador. No Forum da APDASC sugeri que se realizasse esse evento, organizado por uma ou duas associações representativas da classe, mas também pelas Universidades e Politécnicos que oferecem cursos de Animação. Acrescentaria agora, também, a participação dos Sindicatos, pelo seu poder institucional e pela sua experiência na pressão sobre os governos em problemáticas como as definições e defesa de carreiras.

É a pensar nessa tal Conferência Nacional que vou propor à coordenação do curso de Animação Sociocultural da ESE de Portalegre, onde sou professor, a possibilidade de se organizar um Forum onde estas matérias sejam debatidas. A acontecer será em Portalegre e em finais de Fevereiro do próximo ano.

Talvez seja o primeiro passo para se fazer profundamente esta reflexão, ao mesmo tempo que se ganha a oportunidade de poderem surgir os primeiros documentos sobre esta matéria que, posteriormente, seriam dirigidos à Conferência Nacional onde a sua discussão seria bastante mais alargada. Aí sim, seriam produzidos os documentos finais em forma de recomendações ou de conclusões, a serem entregues na Assembleia da República, ao Governo e ao Presidente da República.

A propósito do tal Congresso por mim sugerido, restringido às questões das carreiras e por outro congresso, muito mais abrangente, sugerido pelo meu amigo e colega Marcelino Lopes, da UTAD, onde a tónica continua a ser as questões epistemológicas da Animação, o Carlos Costa da APDASC sugeriu alguns temas, abrangentes também, mas que não encontrou eco na concepção de Congresso proposto pelo Marcelino, tendo sido estabelecido um diálogo interessante entre ambos.

Sobre este diálogo irei referir-me apenas à questão da docência em Animação levantada pelo Carlos Costa, mais concretamente sobre o Animador enquanto Professor. A esta questão Marcelino Lopes afirmava que: “uma coisa é formar para a Animação Sociocultural e outra é formar Animadores Socioculturais. É este carácter bidireccional que deve definir o Animador e o Professor de Animação e acresce dizer que a Animação não é propriedade exclusiva dos Animadores Socioculturais, assim como a medicina não é dos médicos, o ensino não o é dos professores…”

Lendo com atenção as palavras do meu colega Marcelino, vejo-as como uma observação demasiado arriscada, por ser uma forma demasiado aberta de aceitar a função/profissão de Animador ou de outra função/profissão qualquer, nomeadamente naqueles exemplos dados pelo Marcelino. Reflectindo-se assim, facilmente nos conduzimos àquele ditado popular “de médico e de louco todos temos um pouco”. Com efeito poderemos falar de dois percursos diferentes da formação em Animação. É urgente que se faça formação de formadores no sentido de permitir que a formação de Animadores seja mais objectiva, mais científica, mas também mais pragmática. Isto, melhor do que ninguém, sabe o Marcelino e alguns de nós, que viemos da prática para a teoria. Faz sentido falar-se de formação para a docência em Animação com a mesma legitimidade que se fala da formação para Animador, mas é importante colocá-las no percurso das opções individuais, que legitima também as hipóteses dos animadores seguirem outras carreiras ligadas à Animação. Porventura alguns, depois de um período fértil de experiência profissional, terão a possibilidade de pensar uma outra dimensão da Animação no seu percurso profissional que é, justamente, o da docência em Animação. Esse campo deverá estar preparado ao nível dos 2ºs ciclos. Se repararmos, neste momento, não somos assim tantos que se encontram a leccionar no ensino superior, que tenham uma história longa e rica como animador, como tem o Marcelino e mais alguns de nós.

Permitindo-me discordar do Marcelino pela abertura tão ampla à profissão de Animador, no princípio de que todos somos animadores, mesmo aqueles que por formação não seriam, construo aqui também uma expressão que nos reenvia para o ditado popular acima referido: “TODOS FAZEM ANIMAÇÃO, MAS UNS SABEM E OUTROS NÃO

11 novembro 2007

UM POR CENTO?

Um por cento? Não brinquem mais connosco que morremos dessa coisa estranha que é ter uma profissão cultural.”
Fernando Mora Ramos: “Um em cada cem”. Jornal PÚBLICO, sábado, 10 de Novembro de 2007.

A crítica feita pelo Fernando Mora Ramos, e não Moura Ramos, encenador e meu companheiro co-fundador da Companhia de Teatro do Centro Cultural de Évora, actual CENDREV, mas também fundador da Companhia de Teatro da Rainha, nas Caldas da Rainha, é bastante pertinente. O modo arrogante, “o Governo tem de definir prioridades”, como o um por cento do Orçamento de Estado é anunciado pelo Governo para a Cultura só revela, de facto, não haver interesse no presente, como não houve no passado, que este país se desenvolva de uma forma harmoniosa e sustentável. Para que isso aconteça é fundamental também um investimento muito mais profundo na Cultura.

É urgente, para se acelerar o desenvolvimento do país, que se enuncie uma política eminentemente cultural para todo o território, pois como refere FMR “a História ensina que não há transformação sem uma base cultural forte.” É preciso que as prioridades do Governo incidam sobre a língua e o desenvolvimento intelectual dos portugueses, mas também sobre a criação estética, o conhecimento dos clássicos, a recuperação patrimonial, sobre uma política do livro, da edição à leitura, mas também sobre a programação dos teatros nacionais e regionais, enfim é preciso que o Governo crie prioridades de desenvolvimento cultural tout court. Nas linhas orientadoras desta política cultural deve referir-se, também, um outro empenhamento por parte do Poder Local, balizando-se algumas estratégias e obrigações comuns a todo o território, de forma a tornar mais justa e distributiva a acção cultural a empreender e a desenvolver.

A vigorar o um por cento do orçamento a atribuir à Cultura ficarão sempre muitas expectativas por concretizar e muitas respostas por dar, nomeadamente aquelas lançadas pelo FMR, mas também outras que o cidadão comum faz, cada vez mais consciente da sua cidadania, por sentir novos interesses e novas necessidades.

A democratização da cultura só será assumida na plenitude quando a igualdade de oportunidades, nos planos da fruição e criação culturais, for legitimada, não só pelas leis, mas também pela institucionalização e obrigação de uma prática cultural generalizada.

Um por cento? É a Cultura estúpido!

05 novembro 2007

PORQUÊ TANTA ARROGÂNCIA INTELECTUAL?

Temos vindo a ser confrontados com laivos de arrogância intelectual e tiques de autoritarismo político por parte do governo que decide hoje os destinos de Portugal. Não nego que muitas das decisões tomadas em nome da governação do país são importantes e inadiáveis; reconheço que a tarefa não é fácil e que é mesmo difícil agradar a gregos e a troianos.

A História recente mostra-nos que o comportamento dos governos maioritários tem sido pautado por alguma arrogância perante aqueles que não estão, nem têm condições institucionais e políticas de mostrarem o seu descontentamento, a não ser através dos sindicatos e dos partidos, nos quais, eu e muita gente, nos revemos hoje cada vez menos.

A arrogância de que vos falo surgiu intensamente durante o período em que Cavaco Silva era primeiro-ministro e surge agora mais refinada com o governo de Sócrates, que não me atrevo a chamar de governo socialista. Tivemos na altura da maioria do PSD, e temos agora com a maioria do PS, muitos factos enunciadores desses tiques de autoritarismo pouco próprios de uma democracia plena, tanto na prática governativa como na gestão do quotidiano das populações através dos pequenos poderes não assumidos dos comissários políticos. Mas, também, através de um certo caciquismo político de circunstância que temos dificuldade em irradiar da sociedade portuguesa e que nos vai afastando da autonomia política, cultural e social, deixando-nos para trás, na Europa a que queremos pertencer.

Talvez valha a pena de nos questionarmos sobre a Europa que queremos pertencer. Temos agora a oportunidade de o fazer através de um Referendo, ainda não assumido pelo governo, sobre o Tratado que vai ser assinado em Dezembro próximo. Decididamente, eu quero pertencer à Europa e tenho a percepção de que a maioria do povo português também o quer. Apenas nos questionamos sobre as decisões tomadas só pelos governos e que não emergem de consultas e de esclarecimentos com as populações.

Senti essa arrogância intelectual na Conferência Nacional de Educação Artística que decorreu no Porto, na Casa da Música, entre 29 e 31 de Outubro. Falo da organização de um evento, da responsabilidade do Governo e da UNESCO, que deveria ter maior participação democrática dos participantes. Para além de, aos relatores das sessões plenárias não terem sido fornecidos previamente os resumos ou as próprias comunicações, para um melhor exercício de relator, também fomos confrontados com a ausência de debate ou do contraditório sobre muitas das afirmações aí produzidas. Também não foi nas mesas redondas que essa democracia se implementou devido ao excesso de comunicantes e à ausência de controlo do tempo que atravessava diariamente o evento. Sobre o apoio do staff quero referenciar alguns momentos de menos educação de alguns dos seus elementos quando, naturalmente por ordem de alguém, assumiam uma arrogância e poder na gestão da ocupação física do espaço onde decorreu o evento. Aliás, incomodou-me bastante ver aqueles jovens vestidos de negro com aparelhos de comunicação nas mãos a controlarem todo o nosso movimento quando, porventura, nos dirigíamos a um espaço de mesa redonda e nos apercebíamos não ser aquele o que nos interessava, levando-nos, nesse instante, a procurar outro. Que imagens me surgiram nessa altura na mente.

A nossa consciência crítica foi finalmente traduzida, sem mandato, pelo conferencista que encerrou a Conferência Nacional. Precisamente o anfitrião da Casa da Música, o Maestro José Luís Borges Coelho. Durante quase uma hora o maestro criticou a ineficácia das decisões que emanam destes eventos oficiais ou oficiosos. Do meu ponto de vista são espaços que se transformam em autênticas feiras de vaidade. O Maestro referia-se às conclusões do encontro, acabadas de serem apresentadas pelo comissário da Conferência, como conclusões das conclusões, das conclusões de outros eventos semelhantes, realizados nos últimos anos, e sem que nada tivesse mudado. A este propósito apelou a maior acção e menos conversas.

Vamos ver se as palavras do Maestro têm ressonância nas decisões a serem tomadas sobre a Educação Artística em Portugal ou se não ficam uma vez mais como conclusões…inconclusivas.