27 março 2006

Textos Março 2006

Lamento que o nosso país não tenha conseguido, ainda, desde a Revolução de 25 de Abril de 1974 até hoje, desenvolver-se e afirmar-se como um dos parceiros competitivos nesta Europa a que pertencemos mas da qual estamos ainda muito distantes.

Lamento ainda que os nossos compatriotas, trinta e dois anos depois da Revolução de 74, tenham de procurar, como emigrantes, emprego e outras oportunidades de melhorar as condições de vida, muitas vezes até para salvaguardar a própria sobrevivência.

Mas também lamento que vivamos às vezes preocupados com os imigrantes que acolhemos, mal, a maioria das vezes, ora porque ocupam espaços e empregos, ora porque geram violência.
Gritamos daqui del rei por vezes, com laivos de racismo, xenofobia, discriminação intencional e esquecemos que já fomos e continuamos a ser emigrantes.

Quando nos toca a nós a sentir na pele, porque sentimos injustiças ou porque simplesmente somos repatriados, reivindicamos os nossos direitos de cidadãos de um país que se chama Portugal, esquecendo às vezes que também temos deveres e esses muitas vezes não os cumprimos.

Pois, o Canadá! Conheço-o bem, assim como as suas leis de imigração. Foram dois anos neste país em que fui bem recebido: óptimas condições e qualidade de vida, integração social muito facilitada, acesso a todos os meus interesses, etc. O Canadá é um país democrático, que recebe bem e com justiça os seus imigrantes. Só não recebe ou, pelo menos, rejeita, quem lhe minta para as condições de acesso. Tem sido, no fundo, aquilo que tem vindo a acontecer nestes últimos 5 ou 6 anos com os nossos compatriotas para chegarem ao Canadá.

Enganados por oportunistas? Custa-me a crer que se aceite de ânimo leve que basta dizer que se é perseguido política ou religiosamente. Esta receita não pode funcionar. Afinal o Canadá é uma democracia que conhece as outras democracias do mundo e sabe, portanto, que Portugal é também uma democracia. Pobre, é verdade!
Estes nossos compatriotas que estão a regressar, arriscaram pela mentira, deixando aqui em Portugal as condições que o país vai lentamente construindo com todos e para todos. Arriscaram e perderam, o que lá tinham e o pouco que aqui tiveram.
Recebê-los, integrando-os, faz parte da solidariedade do país, da nossa dimensão humanista. Mas, atenção, ficaram milhões por cá continuando o desafio, de todos os dias, a fazerem crescer Portugal e a sua vida. Portanto o regresso dos nossos compatriotas não pode ser feito com exigências de se ser português em dificuldade, mas tão só de se ser português com humildade e com vontade de recomeçar tudo de novo outra vez. Aí somos solidários.




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Há percursos e histórias de vida que não nos podem ser indiferentes. Pelo contrário! Se formos intelectualmente honestos nutrimos por essas pessoas uma enorme admiração, mas também uma pena imensa se por acaso não nos cruzarmos com elas nesses percursos de histórias e de vidas.
Não foi o caso. Quis o destino que me cruzasse muitas vezes, ao longo da vida, com as pessoas a que me irei referir de seguida. Com elas, em tempos e espaços diferenciados, crescemos como pessoas a reflectir, a criar, a animar, a produzir, a ensinar, a sorrir, enfim, aprendemos a ser pessoas construindo, cada um de nós, um sentido de cidadania, em que o respeito, a diferença de opiniões, mas também a amizade e a solidariedade estiveram e estão sempre presentes.
Durante a semana que passou, em Chaves, foram muitos os grandes momentos das 3ªs Jornadas de Animação Sociocultural organizadas pelo Pólo de Chaves da UTAD, através de dois grandes profissionais, o Américo Peres e o Marcelino Lopes. Primeiro, pelo reencontro com os amigos e colegas de longa data, de muitas partes do mundo, como o Ander-Egg da Argentina, o Jean-Claud Gillet de França, o Victor Ventosa, o António Caride Gomez e o Xavier Ucar, todos eles de Espanha. Do Brasil o Victor Andrade de Melo e de Portugal o Madeira Luís, o Esaú Dinis, a Isabel Baptista, o Américo Peres, o Marcelino Lopes, o Paulo Vaz de Carvalho e tantos outros. Depois, porque em todos os momentos aprendemos a admirar mais o Marcelino Lopes, pela sua enorme disponibilidade e pela sua história de vida. Para este meu amigo, o seu momento importante foi a apresentação do livro que resultou da sua tese de doutoramento defendida recentemente na Universidade de Salamanca. Mostrou humildade quando agradeceu a todos aqueles que considerou terem sido indispensáveis para a realização da sua tese: os teóricos e os práticos da animação sociocultural em Portugal, nacionais e estrangeiros, muitos deles seus amigos também de longa data. Finalmente, o Marcelino emotivo e sensível esteve lado a lado com todos nós a prestar uma sentida homenagem à nossa grande amiga e companheira Natércia que acabara de falecer naquele dia.

Também em Trás-os-Montes, mas em Vila Real, na última segunda feira, outro amigo foi protagonista de um momento importante na sua vida. O José Amílcar Capinha Gil, o Zé Gil, companheiro de longos anos pelos caminhos da expressão dramática e do teatro na educação, defendeu a sua tese de doutoramento na UTAD. Com humildade, rigor e saber, ultrapassou todas as expectativas pela forma como apresentou e argumentou o seu objecto de investigação perante um júri que mostrou sabedoria, humildade e justiça. Vi naquele momento, no Zé Gil, um homem tranquilo, aceitando que está sempre pronto a começar a sua vida. Seguramente, com a coragem que lhe conhecemos, esta será sempre um espaço de conquista com o outro e pelo outro, o que faz dele um homem de afectos e de generosidade.




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Que sou completamente alérgico à arrogância intelectual de certas pessoas. Os meus sentidos (des) estruturam-se levando-me a duas reacções ímpares: ou reajo ou não reajo!
Naturalmente que discordo da metáfora bíblica de que o mundo é dos humildes! A Pessoa deve afirmar-se enquanto ser humano, pelas suas qualidades e pelos seus defeitos. Todavia, sem que uns e outros choquem com a dignidade e com a liberdade dos (as) outros (as).

Sabemos todos que a Vida é uma grande escola, aceitando a perspectiva niilista, para o bom e para o mau. Sabemos também que escola é uma grande vida: a formal, que se enquadra institucionalmente, onde aprendemos bastante, e a informal que se desenvolve ao longo da vida e onde aprendemos muito. É importante que todas as pessoas tenham o direito de igualdade de oportunidades assegurado e que não seja apenas porque se é rico ou pobre, urbano ou rural, inteligente ou menos inteligente que se descrimina o futuro, a vida, o percurso, o processo ou o projecto do sentido de cada um.Este direito constitucional, mas sobretudo cívico e de cidadania, não pode ser legitimado por atitudes menos correctas que só não fica bem a quem as pratica e que não deixa, todavia, de se repercutir no funcionamento e na normalidade da (s) pessoa (s) ou instituições a quem são dirigidas.

Uma Escola de Formação Inicial de Professores cumpre a sua função, apetrechada que está, acima da média, de recursos humanos e materiais. Cumpre essa função quando já tem uma história reconhecida cientifica e pedagogicamente pelos seus pares e que se traduz, justamente, por uma enorme dispersão geográfica dos seus ex-alunos, actuais professores (as) e educadores (as) de infância a cumprirem com eficácia e saber a sua função.C

omeço a ficar irritado com um certo escriba de tanto bater na instituição que contribuiu para a sua formação profissional e pessoal. Afinal, a existência apenas de um mestrado será suficiente para fazer ignorar que, na sua passagem por aquele ciclo de formação, apesar de tudo também aprendeu? Que só concluiu um mestrado porque levava os alicerces de uma formação inicial consistente? Deveria ser suficientemente humilde, aqui sim a humildade como prova de reconhecimento, para visitar a instituição e discutir o mundo com os seus antigos professores e, posteriormente, seus colegas, em vez de se lhes dirigir por vezes de forma boçal e indigna. Sei que não perdoa a instituição por dispensá-lo dos seus serviços, o que infelizmente aconteceu com outras pessoas, pois a gestão das instituições assim hoje a obrigam. Mas aqui ele já era arrogante! Afinal o que tem feito de tanta sabedoria?




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Tenho do Eduardo Gageiro, sem que ele saiba, uma ideia de precursor do meu destino. Tal como os pais dele inicialmente lhe dificultaram o seu desejo e as suas expectativas de poder vir a ser fotógrafo (jornalista como ele gosta que o tratem), também o meu pai me dificultava prosseguir o meu anseio: tornar-me artista (comecei por estudar e fazer dança clássica, passando posteriormente à formação e prática teatral). Gageiro, primo de minha mãe, alimentava expectativas a meu favor, quando em conversas com o meu pai lhe dizia que ser-se artista era uma honra e que, naturalmente, não era para toda a gente. Aconselhava-o a tirar da cabeça alguns “clichês” negativos, que acompanham ainda hoje a vida de quem ama e pratica a arte. Venci e devo-o em parte às conversas dele mantidas com o meu pai e com o meu tio António.

Tenho do Eduardo Gageiro, através de uma parte da sua obra, uma ideia que configura a singularidade de se ser sacavenense: espírito de luta, de persistência, de determinação, mas também de alegria. No fundo uma ideia comum que nos leva, ambos, aceitar a essência do nosso património cultural também comum.

Tenho finalmente de Eduardo Gageiro a percepção de sua enorme grandeza e que assenta em três dimensões:- como homem: (admirador e respeitador do ser humano), por isso se afirma humanista. Cresceu num meio operário e a ele dedicou uma parte da sua vida. Como jovem associativista e dinamizador cultural, mas também como amante da sua (nossa) terra e das suas gentes. Nem o sucesso, nem a fama o retiraram do seu contacto diário com a terra, com a família, com os amigos e com os conterrâneos de uma maneira geral.- como artista: (apropriou-se de várias estéticas que o fizeram evoluir na sua sensibilidade). Teve como estética uma prática neo-realista, inspirado no cinema (sobretudo italiano) e na literatura (movimento da Seara Nova), o que lhe permitiu, através da fotografia, traçar um percurso enunciador de uma cultura simples e de uma profunda pobreza dominantes em Portugal. Teve também como estética uma prática realista (embora não fosse comunista, foi todavia influenciado pelo realismo soviético por oposição ao fascismo), através da denúncia de injustiças, da guerra colonial e da miséria social. Teve ainda como estética uma prática de estilização artística que lhe permitiu difundir uma outra visão das artes do espectáculo, nomeadamente da Dança.- como profissional: com força e perseverança conquistou quase todos os prémios que havia para ganhar, em todo o mundo, na área da fotografia. Trabalhou como jornalista em órgãos de comunicação social de referência nacionais e internacionais. Mas, sobretudo, queria e quer deixar o seu testemunho e os seus olhares através de publicações diversificadas, cujas preocupações são permanentemente de ordem social, política, estética, mas também didáctica.

Falo hoje de Eduardo Gageiro por três razões. Estão a fazer vinte anos que expôs pela primeira vez, por nosso intermédio, no Salão Nobre da Escola Superior de Educação de Portalegre (uma mostra de fotografia sobre Dança, creio que da Companhia de Bailado da Gulbenkian). Foi o último contacto directo que tivemos. Volta agora, de novo, a Portalegre, trazido pelos alunos do Curso de Jornalismo e Comunicação onde vai receber um tributo do curso, dos alunos e da Escola, por uma carreira intensa e prestigiada. Porque recebeu recentemente um dos grandes prémios mundiais sobre fotografia (comparado a um Nobel). Finalmente, porque nos ligam, apesar da distância - temporal e espacial -, laços de uma grande amizade partilhados na história de uma cultura comum.

Obrigado Eduardo Gageiro. Tenho orgulho em ser seu amigo, conterrâneo e parente.




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Aos jovens do meu país, que este ainda merece toda a nossa dedicação; que este vive, permanentemente, o período das oportunidades que todos, nós todos que aqui vivemos, e os que estão fora, lhe indicamos, através da nossa procura constante, pelo mundo, de mais saber, de maior competência e de aprofundamento da cidadania.

Queria dizer aos jovens do meu país que, apesar dos erros de má memória, temos virtudes de grã glória. A nossa História fez-se, também, construindo o sentido da universalidade e deve continuar a fazer-se desenvolvendo o sentido da multiculturalidade.

A nossa pátria é hoje, como diz o poeta, a língua portuguesa, mas é também o cruzamento de uma história comum com o mundo. Este é o sentimento de mundividência, mas também de sobrevivência, que fomos “condenados” a procurar. Hoje, tal como ontem, fazemo-lo, mas sem ter necessidade de «perguntar ao vento que passa notícias do meu país». Hoje, ao contrário de ontem, devemos construir a notícia no meu, no nosso país. Seguramente, com o vosso retorno pleno de experiências e de saberes, construímos a notícia numa junção permanente do que fomos, de quem somos e de quem queremos ser.

Por isso, jovens do meu país, a desilusão que vos leva a partir, se transforme na coragem de um regresso apressado. É tão importante e indispensável que partam, como é fundamental que regressem, apetrechados que estão com esse saber do mundo. São vocês que transformarão o meu país, o nosso país, continuando assim o destino da sua universalidade.

Ao Pedro, que começa hoje a sua nova experiência/vivência em Barcelona.





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Tantas coisas que leio nos jornais e que me fazem pasmar! São ditas por ignorância, esquecimento ou arrogância intelectual. Não me refiro ao objecto jornalístico em si, nem aos jornalistas, mas às pessoas que querem as notícias a seu favor e que fazem a descrição incorrecta dos factos (social, cultural, artístico, político, etc.) pretendendo influenciar a seu favor o facto jornalístico.
Lutar pela sobrevivência, que é um direito, não deve conduzir à deturpação dos factos. Imaginem que alguns jovens actores e jovens companhias de teatro têm vindo a afirmar, querendo passar a ideia, de que a sua relação com a Escola é original e inovadora. A notícia era simplesmente esta: “Finalmente o Teatro no 1º Ciclo”.Estes jovens actores esquecem-se ou ignoram, o que é mais grave, é que esta intervenção artística, educativa, cultural e social se faz na Escola precisamente há trinta anos. Esquecem-se ou ignoram que o Teatro (nas suas duas componentes Expressão Dramática e Arte Dramática) está no sistema educativo desde 1976/77, quer na formação de professores e de educadores, quer nos currículos do 1º ciclo do ensino básico e no secundário com as Oficinas de Teatro ou de Expressão Dramática.O que me aflige é que estes jovens actores, que se querem dedicar à componente artístico-educativa, não tenham a curiosidade de saber a história, a mais recente, do Teatro na Escola. Não podem ignorar a geração de 70 (Séc. XX), como afirma com alguma analogia com outra geração de 70 (Séc. XIX) o meu amigo e colega José Gil na sua tese de doutoramento que irá defender, com sucesso tenho certeza, no Dia mundial do Teatro, a 27 de Março próximo na UTAD. A geração, a que o meu amigo se refere, lutou pela implementação do Teatro na Escola e foram os pioneiros deste processo, quer na formação de professores, quer na ida do teatro à Escola: Amílcar Martins, António Nóvoa, Avelino Bento, Carlos Fragateiro, Fernando Loureiro, Francisco Beja, João Brites, João Mota, Jorge Fraga, Jorge Rolla, José Gil, Júlia Correia, Luís Aguilar, Manuel Guerra, Paula Folhadela e outros. Mas podemos falar de companhias de teatro, como a do Centro Cultural de Évora, da Comuna, do Bando, dos Saltitões e outras de norte a sul do país que têm já uma história de vinte anos, pelo menos, de relação com a Escola.

A acompanhar esta experiência prática, existe já muita produção teórica feita em dissertações de mestrado e teses de doutoramento, fruto das reflexões teóricas levadas a cabo pela maioria das pessoas cima referidas.
Entendamo-nos. Acho importante que este movimento se amplie e se inove, e isto só pode acontecer com sangue novo e alma nova, portanto com os jovens. Todos nós fizemos um percurso de aprendizagens e de experiências, percurso este que temos vindo a passar como testemunho a todos aqueles que se nos vão juntando, quer como professores, quer como criadores. Só não aceitamos que se coloque um mata-borrão por cima de uma história de afectos, de militância, de aprendizagens, de crescimento e de rigor.