29 outubro 2011

A Brigada do Reumático

A BRIGADA DO REUMÁTICO (a partir do blogue)

http://sobreaponte.blogspot.com/2011/10/administracao-publica-brigada-do.html

Caro amigo. A propósito do texto que escreveu no seu blogue, gostava de dize tb alguma coisa. Primeiro surpreende-me o discurso dos reitores ontem presentes no expresso da meia noite na Sic-Notícias e a comparação que o meu amigo faz entre a brigada do reumático dos finais de Salazar e a geração mais velha hoje na administração pública.
De facto, o discurso chauvinista dos reitores das universidades continua a ignorar os politécnicos como um parceiro legítimo na discussão política sobre o ensino superior em Portugal. A única vez, nesse debate na Sic-Notícias, que se ouviu falar de politécnicos foi para acentuar a dimensão da proliferação de cursos e de ensino superior pelo país, estando implícito a que, se alguém tiver de cair, serão os politécnicos e não as universidades. Não houve nenhum discurso, de nenhum dos reitores presentes, que apelasse à dimensão da partilha, da estratégia comum, da negociação entre universidades e politécnicos. Pelo contrário, eram sempre as universidades as protagonistas deste processo deixando de lado, ostensivamente, a outra realidade do ensino superior em Portugal, que são os Institutos Politécnicos. E a realidade do ensino superior em Portugal, por mais que custe a muita gente, é composta por dois sub-sistemas: universidades e politécnicos.

Os media também fomentam esta separação intencionalmente. Para este debate ser intelectualmente honesto, quem deveria estar ali seria o representante dos reitores das univs. e o representante dos presidentes dos polits.

A outra surpresa que tive, foi a da renovação geracional no ensino superior. Dos reitores presentes, talvez o reitor do Porto fosse de facto o mais velho, mas não teria mais de 65 anos, os outros seriam sensivelmente da minha idade, entre os 60 e 62 anos. Aliás, o Nóvoa, que conheço bem, foi meu colega de curso, é ainda mais novo. Terá 58/59 anos. Não tenho dúvida que os mais novos, sobretudo os melhores, deveriam ter acesso à carreira no ensino superior, mas isto não implica que os mais velhos, que andam à volta dos 60/63anos, sejam colocados na carroça para o lixo. Afinal desbaratam-se investimentos feitos, pelo Estado, no campo dos doutoramentos realizados por esta geração? Deita-se a perder uma experiência e saberes acumulados, quando são ainda demasiado importantes para o campo do desenvolvimento do país? Uma geração, a sua por exemplo, vai substituir tout court a outra que está no auge na função e na passagem de testemunhos? Não compreendi aquele discurso, quando se começa a falar da reforma a partir dos 67 anos ou mesmo dos 70. O quadro de docentes mais velhos que os 65 anos é bastante restrito e assenta em meia dúzia de pessoas que, pela lucidez e sapiência fazem falta ao país, como por exemplo o Prof. Adriano Moreira.

Finalmente a sua comparação com a brigada do reumático. Esta era, ao tempo de Salazar, composta de homens velhos de facto, reaccionários, instalados na vida e no sistema e que dele sempre souberam viver. Não me parece que na administração pública em geral e no ensino superior em particular, hoje, haja condições para a sobrevivência deste tipo de parasitas. Mesmo que muita gente, com xico espertismo, tire algum proveito do sistema, não são os 60/65 anos que os transforma em brigada do reumático.

26 outubro 2011

HISTÓRIAS DE TEATRO EM ÉVORA (1)

Évora tem uma tradição longínqua de teatro, direi, cerca de quatro séculos, em que as procissões medievais e os entremezes dançantes figuravam em acções permanentes vindas de Lisboa. Eram manifestações para-teatrais que aconteciam, especialmente, em recepções aos reis, já nessa altura um fenómeno interessante de “espontaneidade” imposta, para manifestar a “gratidão” dos súbditos para com suas Altezas Reais. Fosse como fosse, embora para gáudio das majestades, o que é um facto é que o povo divertia-se através dos seus jogos e rituais que foram ficando no percurso histórico, mantendo-se hoje algumas características da essência.
Falamos de Évora e da sua tradição teatral. O Mestre Gil Vicente permaneceu por lá quinze anos e na sua estadia algo de frutuoso fez e nos deixou, até esse grande amor pelo Teatro. Mestre Gil impulsionou as infra-estruturas teatrais quer ao nível da noção espacial da área de representação, quer já nalgumas técnicas em situação de jogo teatral. Podemos dizer que Gil Vicente foi o pioneiro do fenómeno da descentralização teatral.
O Teatro nunca deixou nem nunca abandonou Évora ao longo dos tempos. Tendo sido bastante áureo com Mestre Gil na passagem da idade média para o renascimento, não foi menos no período do romantismo, já com mais mestres, quer a nível de técnicas de actor, quer a nível da quantidade e qualidade do reportório, quer ainda na proliferação de espaços teatrais designados por Teatros.
Assim, em Évora, foram conhecidos no século XIX alguns teatros públicos que se lotavam completamente, fazendo criar o gosto pelo Teatro que ainda existe em cada eborense. Foram eles, em 1834, o “Teatro Eborense”, conhecido pelo “Teatro das Casas Pintadas”, com sede na Travessa do mesmo nome. Houve o “Teatro Variedades”, de 1862 (?) a 1865, não sendo possível saber onde foi a sua sede. Houve, e felizmente ainda existe, o Teatro Garcia de Resende, uma verdadeira jóia do Teatro à Italiana, de acústica quase milagrosa, dispondo de todas as oficinas no espaço do sub-palco, de alçapões, de maquinaria, de duas varandas de serviço e do lanternim da cúpula. A área do palco é idêntica à reservada ao público, o que compreende as regras exactas e óptimas dos verdadeiros Teatros à Italiana. Houve ainda, não sabemos desde quando, o “Teatro Eborense” a funcionar no Palácio D. Manuel que um incêndio destruiu em 1910.

13 outubro 2011

NÃO! NÃO PODEMOS IGNORAR - EM MEMÓRIA DE MÁRIO BARRADAS



NÃO! NÃO PODEMOS IGNORAR!
Não podemos ignorar que a história cultural da cidade de Évora está, de há trinta e seis anos, quase trinta e sete, a esta parte, associada à presença do CENDREV/Centro Cultural de Évora. Com ele foram criadas as condições para a prática e o usufruto da Cultura, naturalmente em parceria com a Câmara Municipal e o Ministério da Cultura, mas também as condições para se estabelecerem dinâmicas culturais locais face a objectos e linguagens artísticas diferenciadas, o que tem constituído uma proximidade da população com a criação artística contemporânea e universal.
Esquecer este percurso e este investimento, é anularmos a nossa própria identidade e o nosso crescimento cultural. Esquecer este percurso intencionalmente é tentar apagar a História e os factos sociais que dela emanaram ou que são emergentes.
É esta emergência, em plena situação de crise mundial, que pode e deve reforçar a cidadania das comunidades criando-lhes, com a urgência que se impõe face à degradação das identidades locais e nacionais, aliás em perigo neste momento, oportunidades de afirmação cultural, mas também de adesão ao conhecimento artístico, cultural, científico e social. O papel das Organizações públicas e privadas é fundamental para concretizar este desiderato. O CENDREV tem uma história de sucesso na cidade de Évora nesta matéria, mas também a nível regional, nacional e internacional, que não pode nem deve ser interrompida, sob pena de considerarmos culpados todos aqueles que por divergências de opinião têm dificuldade em aceitar a pluralidade e a diversidade.
Deixei a cidade de Évora em 1986 e com ela a saudade de ter sido, em muitos momentos, um, entre milhares, dos protagonistas das suas dinâmicas culturais. Voltei ontem (10 OUT2011) para, solidariamente, me associar ao protesto desencadeado pelo CENDREV sobre a urgência e a exigência da assunção dos compromissos não cumpridos pela Câmara Municipal de Évora e, já agora, pela Direcção Geral das Artes. O não cumprimento de acordos estabelecidos, perante contrapartidas que foram asseguradas pelo CENDREV leva a que, neste momento, os salários e outros encargos da Companhia não sejam respeitados. Nesta altura há um atraso de dois meses, quase três, de salários e o incumprimento por parte do CENDREV de outras obrigações, nomeadamente de ordem fiscal e de segurança social. Este incumprimento compromete a solicitação de financiamento no próximo quadro de apoio às Artes. O CENDREV não merece esta situação. O que eles têm trabalhado mesmo sem financiamento. Desde Junho até ao momento que não baixam os braços, estando quase perante a próxima estreia. Mas também a cidade e a sua população não pode ser penalizada pela ausência de práticas culturais com a dimensão que o CENDREV institucionalizou em Évora. Não basta dizer que se cumpre mas só quando houver oportunidade. Como também é penalizador, e estrangulador da actividade, a quebra de mais de setenta por cento do financiamento que a CME pretende impor ao CENDREV.
Deixei em 1986 uma cidade activa e dinâmica culturalmente, onde o Património construído era enriquecido com o exercício de práticas culturais diversificadas e universais. Encontrei agora uma cidade com um Património Construído pronto para a azáfama das objectivas dos turistas japoneses, animados pelos barulhos e incoerências de umas praxes académicas.

02 outubro 2011

"CARMEN" de Bizet e o Grupo de Bailados de Anna Máscolo - 1969

A Senhora D. Anna tinha um amigo excepcional: o António Esteves, cavaleiro tauromáquico, creio que amador, de uma disponibilidade espantosa para todos nós e, sobretudo, de uma grande generosidade. Era uma figura singular de facto e com um sentido de humor brilhante. Olhando para os bailarinos da altura, eu próprio, o Amílcar Martins, o Zé Sales e outros, dizia de uma forma bastante discreta, com alguns trejeitos efeminados que lhe era peculiar, mas com um sorriso malicioso: “para mim o bailarino perfeito seria alguém com o tronco do Zé, as pernas do Amílcar e os braços do Avelino”. Embora tecnicamente para ele estivesse sempre tudo perfeito, era de facto a estética do corpo em movimento que o seduzia. Já agora, não era só o corpo masculino alvo de comentários. Por vezes comentava, também, com algum desdém, o corpo feminino. O António e o Zé já não estão entre nós. Eu e o Amilcar seguimos o nosso caminho, algumas vezes em conjunto, outras vezes, como agora, separados. Mas tem sido um caminho que, marcado seguramente pela sensibilidade artística e estética da D. Anna, nos levou e graças a Deus nos leva ainda hoje, para as questões educativas da arte.


Nota: a foto reenvia-nos para uma cena da Ópera "CARMEN" de Bizet, dançada nos finais da década de 60 no Teatro da Trindade. Pode ver-se de costas José Sales, Avelino Bento, Amilcar Martins e Luís (que me perdoe mas não me ocorre o outro nome)