31 julho 2014

A VIDA É BELA 
de Roberto Benigni

Naturalmente que este não será o único filme da minha vida. Os conceitos e os contextos vão sendo alterados em função de interferências no meu próprio vivido. Por isso mudam. E, essa circunstância, faz-me escolher obras-primas da Arte, da Cultura e da Ciência que me marcam,  marcaram e marcarão indelevelmente para a vida.
A escolha deste filme, A VIDA É BELA, como um dos filmes da minha vida, surge por duas razões. A primeira diz respeito à pertinência deste filme no contexto actual das relações entre nações. O fascismo ou outros totalitarismos ou mesmo grupos radicais aparecem sempre, umas vezes assumidos outras camuflados, umas vezes ainda em registo standard outras ainda sofisticados. Mas quer numas formas quer noutras, todos provocam o caos, a guerra, a destruição e a miséria. Afinal resultado da maldade humana. E isto é verdadeiramente uma grande preocupação minha. Pela minha geração, mas sobretudo pelos mais jovens e pelas crianças. Vemos o que se está a passar na Palestina, na Síria ou mesmo na Ucrânia. Porque nasci no pós-guerra e ainda me apercebi de algumas das sequelas dessa tragédia humana, porque fiz também a guerra colonial, recuso-me hoje a ser de novo observador/protagonista histórico deste flagelo e desta bestialidade humana. Por isso quero, com este filme, fazer um alerta e ajudar na re/ou consciencialização sobre o modo como este mundo está a ser gerido pelos poderosos e por quem os serve.
A outra oportunidade está relacionada com a minha formação artística e como criador. Não sou naturalmente indiferente às questões de ordem estética e artística. Reconheço no filme uma grande produção e realização que nos reenvia para uma estética, direi neo-neo-realista, capaz de mexer sentidos e atitudes para processos individuais e colectivos de desenvolvimento e transformação cultural.
Também não posso ignorar a narrativa brilhante, camuflada por um ludismo (a metáfora da vida bela, como atitude positiva perante as adversidades), e pelo humor que nos leva, divertindo, a pensar objectivamente nos medos e nos receios.
Direi por fim que a figura de Benigni, chapliniana mas também keatoneana, é repleta de um tempo e de um espaço de representação e de trabalho de actor que o eleva a um nível de qualidade superior, singular, mas também universal.



OBS: texto escrito em desacordo com o AO

19 julho 2014

EVOCAR CARLOS QUERIDO

Fez, no dia 7 deste mês de Julho, 24 anos que Carlos Querido nos deixou.
Com ele partiu uma parte da memória-viva de uma geração de portugueses chegados ao Canadá em meados da década de 60 do século XX. Mas o seu legado patrimonial deixado na Televisão Portuguesa de Montréal, de que foi um dos fundadores no outono de 1973, e coordenador até à hora da sua morte, ficou em centenas ou milhares de cassetes-vídeo que durante todos aqueles anos soube construir, partindo daquilo que lhe era muito caro e que entendia ser extensivo à Comunidade Portuguesa: a Cultura de uma forma geral e a Cultura Portuguesa de uma forma particular.
Carlos Querido a par da sua actividade profissional que o levou para o Canadá, lembro que era um excelente desenhador-projectista, começou como voluntário a trabalhar para e com a Comunidade Portuguesa em Fevereiro de 1972 como Animador Cultural. Desde essa altura passou a ser uma referência para a Comunidade, pela sua intervenção, pela sua generosidade, pela sua militância e pela sua cultura.
Porque estou hoje a evocar o nome de Carlos Querido?
Afinal somos amigos (reforço o somos) desde quatro anos antes de ter partido para o Canadá com a Luísa e o Pedro, seu primogénito, ainda bebé. Fomos ao longo dos anos até ao momento em que nos reencontrámos em Montréal, entre 87 e 90, mantendo contactos esporádicos entre nós, sobretudo reatados por eles quando vinham a Portugal. Sabiam onde me encontrar. Tínhamos a Arte e a Cultura como elos de ligação. A minha vida em torno do Teatro e da Dança Clássica nessa altura permitia que este vínculo de amizade não se extinguisse e fosse absolutamente generoso até ao fim da sua vida que eu, infelizmente, acompanhei nos seus últimos meses. As oportunidades criadas por Carlos Querido para eu me integrar na Comunidade Portuguesa, a partir da implementação de momentos como apresentador ou animador de programas na Televisão Portuguesa de boa memória, foram permanentes e permitiram-me durante os dois anos que permaneci em Montréal conhecer a Comunidade, ter apoio “familiar” de amigos e, sobretudo, comungar ideias e projectos com um homem que, do meu ponto de vista, estava à frente da sua época. Era generoso, culto, solidário, humilde, inteligente e dinâmico. Mas era também um homem insatisfeito, com uma enorme vontade de transformar, mudar e inovar. Por vezes não foi suficientemente convincente e, por isso, não teve o(s) apoio(s) que merecia.
Carlos Querido, estivesse ele ainda entre nós, manteria um espírito aberto e universal como era próprio dele. Da mesma forma que se entregou definitivamente ao serviço público, o de servir a Comunidade Portuguesa e nunca se servir dela como pude constatar durante os anos que permaneci junto dele, esse espírito universal seria colocado generosamente ao dispor, com a mesma força e intenção, de uma Comunidade em transformação. De uma Comunidade específica e com identidade cultural própria, a portuguesa, para outra Comunidade onde a diversidade e a pluralidade cultural são factores determinantes para uma existência em comum. Falo, naturalmente, da Comunidade de Língua Portuguesa.

Evocar hoje Carlos Querido, passados estes 24 anos, é apelar a um sentimento de reconhecimento e de homenagem por parte da Comunidade a Carlos Querido e para que esta não se esqueça de todos aqueles que, ao longo da sua História tiveram e continuam a ter uma forma de estar no seu seio, que é de dedicação e de amor pelo próximo, pelos valores e pela cultura comum. Que é hoje, sobretudo, pela Língua Portuguesa.