04 janeiro 2012

HISTÓRIAS DE TEATRO EM ÉVORA (2)



No início do Séc. XX, concretamente nos anos vinte, com a tomada de consciência de classe por parte do proletariado, o Teatro já é utilizado como recurso, “arma”, para as justas reivindicações da classe operária.
Aqui em Évora, centro áureo de latifundiários e já com algumas indústrias a surgirem houve, através do teatro que existia como divertimento, uma solidariedade da classe operária com o trabalhador rural e que durou todo o período negro do fascismo, com manifestações teatrais de resistência e reivindicações, realizadas especialmente por grupos de teatro de amadores, a quem aqui presto a minha homenagem: a Sociedade Operária Joaquim António de Aguiar e a Sociedade Dramática Eborense, antiga “Mocidade Eborense”.
Assim houve, por um lado, o surgimento do teatro de amadores, que tentava dar resposta às questões que se colocavam às classes menos favorecidas, ajudando-as a reflectir e, por outro, o teatro profissional que se deslocava esporadicamente à província em pequenas companhias, com reportório de divertimento como “boulevards” ou a revista à portuguesa. Só nos últimos anos do fascismo alguns dos grupos independentes vinham a Évora com propostas de espectáculos para divertir e reflectir.
Tudo isto para assinalar que o Teatro, aliás como tudo na vida, tem uma história; os actores, têm eles também uma história e muitas vezes a mesma das personagens que interpretam.
Por isso há pequenas “estórias” destas personagens reais, que são os actores, o público e até o próprio teatro (local onde se pratica a função, como diria Mestre Gil).
Conta-se, em todos os grupos de Teatro de Amadores, em todas as regiões que, num determinado espectáculo deveria estar um actor, neste caso uma actriz, a queimar umas cartas de amor e cujo fumo seria a “deixa” para outro actor, que com ela contracenava, entrar e dizer “cheira-me aqui a papel queimado”. Tratava-se de um triângulo amoroso e de ciúmes. Um dia a actriz esqueceu-se dos fósforos e tinha que destruir a prova da sua traição. Rasgou a carta. Aquilo que deveria ser a deixa para a entrada do actor, o cheiro a papel queimado, passou a ser “cheira-me aqui a papel rasgado”. É uma anedota? Aconteceu de facto? Não sabemos! Contudo esta e outras “estórias” fazem parte de uma tradição que passa de geração, tal e qual como o seu amor pelo Teatro e o sentido da sua história.
As outras duas “estórias” foram vividas por mim enquanto actor do Centro Cultural de Évora instalada no Teatro Garcia de Resende a partir de Janeiro de 1975.
Até cerca de 1978/79 o Teatro Garcia de Resende estava bastante danificado. Havia uma plateia de madeira, incómoda quer de assento, quer de ruídos. O chão, soalho velho e oco, debaixo do qual estão as arrecadações, rangia debaixo dos nossos pés. Havia uma “personagem” pública e do público que assistia só a espectáculos de Ballet, Ópera e Concertos. O que o diferenciava do restante público era só isto: chegava cerca de dez, quinze minutos depois do início do espectáculo, chinelando, nuns ruidoso chinelos ou tamancas, envolvo numa enorme capa de estudante, sentava-se ostensivamente, produzindo um enorme barulho conjuntamente com as ruidosas cadeiras. Bom, depois era o silêncio e por fim as palmas e os “bravôs”!
Um dia o Teatro Garcia de Resende foi alcatifado, onde de certeza os chinelos não se fariam ouvir; a plateia de madeira foi substituída por cómodas e silenciosas poltronas. A partir daí, curioso, não se dava pelos atrasados, não se ouviam chinelos ou tamancos ruidosos e muito menos cadeiras a bater. Curioso também, aquela “personagem” pública, do público, deixou também de se ver e de se ouvir, assim como os seus “bravôs”. Morreu muito tempo depois deste misterioso desaparecimento pelo Teatro Garcia de Resende. Será que gostava apenas do barulho que ele próprio produzia? Será que gostava do som ruidoso das cadeiras de madeira e do chão que rangia sob os seus pés? Nunca o saberemos.
A outra “estória” foi um momento “dramático” de um colega actor que representava para um auditório repleto, uma peça moderna. Pesava, e pesa ainda felizmente para o meu amigo, cerca de cento e vinte quilos e mede cerca de um metro e oitenta. Este meu querido colega tinha, no espectáculo, uma sequência onde atava uns atacadores nos sapatos calçados. Um dia estava constipado e os espirros eram sistemáticos em plena representação. Azar dele, coitado, que espirrou no preciso momento em que, de cócoras, atava os atacadores dos sapatos. Mal o fez, pobre, desata nuns ais contínuos e desesperados, que o público ria à gargalhada pensando tratar-se de um momento cómico da peça. Afinal, o meu querido colega, devido à posição, ao seu peso e ao estremecimento provocado pelo espirro, só fez uma distensão muscular na região sacro, que o impedia de se endireitar, uma vez que lhe provocava dores horríveis. Acabou naquele momento e inesperadamente o espectáculo e o pobre do actor, meu amigo e colega, teve de ser transportado naquela posição, num “charriot” de bastidores, através do Teatro até ao exterior onde se encontrava já uma ambulância para o transportar ao hospital. Esta é uma realidade da qual hoje, à distância, nos rimos, mas que no momento foi absolutamente uma tragicomédia.
Para concluir, a história está em tudo: até no teatro (edifício e público); no teatro (personagens e actores). No fim de contas na vida, porque esta é também um enorme teatro em toda a sua plenitude e onde tudo acontece: História e histórias.

02 janeiro 2012

os cães ladram e a caravana passa

Este, nunca seria o meu primeiro texto do ano. Mas a necessidade de afirmar a minha dignidade e o meu direito à prática da cidadania, leva-me a escrevê-lo.
Antes de mais gostaria que as pessoas não perdessem a sua Humanidade, quando se referem aos outros, mesmo, porventura, quando existam críticas justas a serem feitas. Que não é, de todo, o caso.
Vem, a este propósito, referir-me àqueles anónimos (felizmente poucos), incapazes de assumirem com frontalidade o seu direito de pensarem diferente, e que no blogue Portalegre, Cidade do Alto Alentejo, se manifestaram sobre a minha inclusão numa das listas que se candidatou à Misericórdia de Portalegre.
Antes de mais candidatei-me por alguém que admiro e estimo, e que acreditou que o meu humilde envolvimento poderia ser colocado ao serviço de uma causa;
Depois, pelo respeito que todas as pessoas, literalmente todas, me merecem, inclusive as da lista que venceu as eleições (A), formulo votos para que desenvolvam um trabalho meritório na Misericórdia de Portalegre, como eu gostaria de o fazer caso tivesse sido eleito. Parabéns à lista A e a todas as pessoas nela integrada, que de uma forma voluntariosa irão ao longo deste mandato fazer o seu melhor. Tenho quase a certeza, porque acredito nas pessoas e nas suas boas intenções;
Ainda, por não reconhecer dignidade nesses(as) indivíduos(as) que anonimamente criticam e ofendem e para quem o trabalho, qualquer que ele seja, se deve confinar à mediocridade, ao contrário de mim, que tenho um percurso de trabalho reconhecido por muitas e muitas pessoas, inclusive, pelos meus pares.
Finalmente, sou um cidadão livre. Nunca pertenci a partidos políticos, mas tenho orgulho em ser uma pessoa de esquerda, pelos princípios que os meus pais, antigos operários, me ensinaram: respeitar a diversidade e a liberdade de expressão e acção de todas as pessoas, mesmo aquelas que pensem diferente de mim. Sou, sobretudo, um homem de diálogo e tolerante.
Curiosamente, todos os que me conhecem, sabem que sou um homem de Fé, de facto sou católico, embora não praticante. E que, por essa educação, sou uma pessoa que aceita e compreende os outros. Não caí no Alentejo agora. Foi só há 37 anos, 27 dos quais aqui em Portalegre. Por isso me sinto portalegrense com toda a legitimidade. E é este estatuto que me permite ter amigos e pessoas que admiro e respeito, em todos os quadrantes políticos, aqui em Portalegre, sobretudo.
Obrigado às pessoas que me respeitam. Por essas, a minha admiração é enorme.