28 abril 2008

NOTAS À MARGEM DE NOTAS

Estou de acordo com o Albino Viveiros quando ele generaliza a ideia de causa pública também à prática da animação sociocultural e, por extensão, aos animadores socioculturais. Eu situava-a, há dois, três textos atrás, numa dimensão de universalidade, no espaço comum, na coexistência e numa prática axiológica plural. Pensava no indivíduo e na sua praxis socializante. Quando integramos as profissões sociais falamos em dois níveis de compromisso: o do indivíduo e do profissional. Há assim, a meu ver, na função do animador sociocultural, uma dupla responsabilidade no exercício da causa pública. De resto estamos literalmente de acordo.

Também estou de acordo, perante as suas palavras relativamente ao Encontro de Ponte de Lima e no qual não estive presente, que se perdeu mais uma oportunidade de se falar sobre a profissão e o estatuto do animador sociocultural. Pelo menos perdeu-se a oportunidade de se falar do futuro do animador e do animador do futuro. E é difícil falar-se da animação para o século XXI quando, por omissão, não se fala do perfil, do estatuto e da profissão do animador para o mesmo século. Tem mesmo de se realizar um Congresso sobre a profissão de Animador.

Creio ser inovador o modelo de congresso que vai ser implementado no Congresso Ibero-Americano de Educação Artística que se irá realizar em Beja entre 22 e 24 de Maio próximo. (http://www.rede-educacao-artistica.org/ia_02_trans_alentejo.htm)

Chegou a altura de se socializar toda a informação que chega a um Congresso. E o modelo é absolutamente democrático, porque todas as comunicações, incluindo as dos Plenários, são levadas a outros espaços, conjuntamente com os seus autores, para um debate onde o saber e o conhecimento são partilhados por todos em função do seu interesse pelo tema em discussão.

Considero relevante, eventualmente sem espaço de debate, as duas conferências principais de um Congresso, a de abertura e a de encerramento, mas todas as outras devem ser objecto de discussão e análise dos participantes.

Creio que chegou também a altura de se democratizar e socializar o saber mais elaborado. É uma sugestão que faço a todos os professores e investigadores convidados a estarem presentes nestes eventos. Que estejam do princípio ao fim. É importante eliminar-se a ideia do caixeiro-viajante do saber erudito. Estar unicamente para comunicar, estar exclusivamente para ser ouvido. É uma prática muito portuguesa. É preciso mudá-la. O Congresso da Educação Artística em Beja pretende alterar essa metodologia. Vamos esperar para ver se resulta.

27 abril 2008

BODAS DE PRATA

Foi um casamento de Abril
num enlace que Abril gerou
um casamento com cravos
por rosas que rejeitou
foi em Évora que então casaram
onde Abril se quis cumprir
vinte cinco anos são já passado
em comum vem o devir

( À minha esposa Ilda pela paciência mas, sobretudo, pela coragem)

25 abril 2008

EVOCAÇÃO AO 25 DE ABRIL DE 1974

Hoje é dia de evocarmos o dia 25 de Abril de 1974.

Para aqueles e aquelas que o viveram emergem memórias que os projectavam para um mundo novo e melhor. Hoje restam as certezas de um mundo novo sim, mas com défices na dignidade humana.

Para aqueles e aquelas que não o viveram, os mais jovens, há a certeza de que o mundo mudou, aliás, de que está sempre em mudança. Todavia, a sua convicção é a de terem de conviver com os paradoxos que apelam a valores diferentes todos os dias, em percursos sinuosos de sobrevivência, levando a que cada um(a) construa o seu percurso de esperança.

As portas que Abril abriu” foram generosas a um "país plantado à beira mar", mas que não soube afirmar a sua liberdade em causas de desenvolvimento e crescimento. Não soube ou não quis conquistar o melhor que o colocasse na vanguarda do mundo em toda a sua dimensão.

Quem faz o país somos todos nós, os que nasceram cá e os que para cá vêm procurar uma vida melhor. Teremos de ser todos nós a dizer Basta!
Não nos queremos rever, definitivamente, naqueles que têm ocupado sempre o espaço da decisão, onde decidem mal. Não acreditamos naqueles que tiram proveito próprio do bem colectivo.

Pensando no 25 de Abril de 1974, revejo-me naqueles e naquelas que são solidários(as) e que lutam diariamente pelo bem-estar comum.
Pensando no 25 de Abril de 1974, acredito naqueles e naquelas que sonham e conquistam a sua felicidade a partir de uma ideia, e de uma prática, de generosidade, de honestidade, de partilha e de justiça social.

Daqueles e daquelas capazes de assumirem o direito da igualdade de oportunidades para todos.

Daqueles e daquelas que continuam a acreditar que ainda vamos a tempo de fazer um país novo.
Esses, felizmente, são a maioria.

19 abril 2008

A CAUSA PÚBLICA

A dedicação à causa pública é um acto de solidariedade.
Quando falamos da causa pública, estamo-nos a referir a pessoas e a instituições que dedicam muito do seu tempo, energia e apoios a questões socioculturais emergentes na sociedade e no mundo. Por isso, a causa pública tem dimensões globais, tornando-se por essa circunstância mais mediatizada, portanto, com uma mensagem capaz de contribuir para a mudança de paradigma, onde os valores, as práticas, a ética e a moral, a paz, etc. têm um espaço de afirmação, de informação e, paulatinamente, de aceitação.
Mas a causa pública tem também uma dimensão nacional, regional e local. Aqui responderá a anseios de maior proximidade e de vontades de participação mais significativas. A causa pública é sentida, pelas pessoas que a praticam, com uma outra dimensão: ser voluntário da mudança, ser crítico das injustiças, ser porta-voz dos desprotegidos, ser solidário com o seu semelhante, com o seu vizinho, com a sua comunidade.
Daqueles que lutam por causas públicas à escala global existem nomes sonantes, nomeadamente associados ao show business. Mas também existem aqueles outros, pessoas e instituições mais anónimas mas, porventura, mais solidárias.

Esta semana esteve em Portalegre, na Livraria 8.6, Fernando Nobre, o médico solidário da AMI (Assistência Médica Internacional), a apresentar o seu livro “Gritos”, resultante da sua visão e experiência pelo mundo da solidariedade internacional. Foi interessante ouvir o seu testemunho, infelizmente éramos muito poucos, numa narrativa, na primeira pessoa, que escondia nas palavras e no olhar a tragédia da universalidade: o caos, configurado pela guerra e pelos desalojados, mas também a fome e as doenças à escala global, denunciando ao mesmo tempo a hipocrisia dos Estados e dos Poderosos.

Por fim há a causa pública menos mediatizada, porventura mais sentida na essência por aqueles que partilham o espaço e o tempo do seu semelhante. É o corolário da consciência colectiva comunitária que busca nas raízes ancestrais o valor da solidariedade e da partilha. Talvez por isso mais autênticas, porque são protagonizadas num espírito de anonimato ou, pelo menos, pela vontade de não as mediatizar.

Referimo-nos a todos aqueles que estão à frente dos destinos das instituições de solidariedade social, na sua luta constante pela melhoria da qualidade de vida dos utentes dessas instituições, crianças, jovens e idosos, sobretudo, mas também daqueles que dão muito do seu tempo à frente das associações socioculturais trabalhando sem horas pela mudança e institucionalização de outras práticas socioculturais das suas comunidades.

Não podemos ignorar aqueles e aquelas que, gratuitamente, oferecem momentos dos seus trabalhos para causas de solidariedade pública, nomeadamente os artistas, os jovens, pela sua enorme generosidade, e algumas organizações.

Pela dimensão e significado local que isso traduz, não posso deixar de me referir a dois nomes que nestes últimos dias demonstraram esse espírito de defesa pela causa pública, pela forma como se envolveram na tentativa de resolver problemas que assolam a comunidade portalegrense.
Diogo Júlio, independentemente da sua função de responsável pela União dos Sindicatos do Norte Alentejano, tem revelado uma persistência e uma preocupação constante pela vida do seu semelhante na cidade e na região. Não tem descurado a denúncia e a tentativa de resolução dos problemas, no que diz respeito aos salários em atraso e à iminência da perda de postos de trabalho, nomeadamente na Manufactura de Portalegre.
Assim como Luís Ribeiro, médico de Portalegre, constatando um défice no serviço médico do Centro de Saúde de Portalegre, não hesitou, de uma forma que nos lembra o sempre presente juramento médico ao serviço da saúde, dos doentes e das comunidades, acumular com o cargo de presidente da Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, o de médico ao serviço das comunidades de doentes que recorrem àquele Centro de Saúde.
Poderiam ambos acomodar-se na função de gestão do lugar que ocupam. Mas decidiram ambos colocar-se ao lado daqueles que, temporária ou permanentemente, são os mais desprotegidos.

Isto tem, como sabemos, muito de defesa da causa pública.

12 abril 2008

DESOCULTAR COMPETÊNCIAS

Promover a autonomia, estimular a auto-estima, aumentar os níveis de literacia…” in: artigo “Somos encostados para o lado como uma peça velha”, Jornal Público, 06 de Abril de 2008.

Em Santa Maria da Feira desenvolve-se um projecto através da ALPE e da Câmara Municipal da Feira que tem como objectivo principal desocultar competências, no fundo, desocultar coisas que as pessoas já sabiam. O princípio é o de promover a autonomia, o de estimular a auto-estima e o de aumentar os níveis de literacia dos desempregados do Concelho. “É preciso contrariar estereótipos e preconceitos em relação aos desempregados, sobretudo aos de longa duração, de que se trata de preguiçosos.”

A forma de contrariar esse preconceito é concretizar, entre o tempo de espera por uma formação e o emprego, um espaço de consciencialização de se ser pessoa e de lutar pela sua dignidade. Como? Fazendo Teatro para descobrir-se.

Valorizamos bastante a função social da Animação Sociocultural e os critérios que legitimam essa função, sobretudo quando parte de um conjunto de estratégias implementadas pelo animador. Essa legitimidade advém das suas competências profissionais e humanas, mas também dos instrumentos que utiliza e que, pela sua natureza, fazem com que os protagonistas da mudança, os destinatários da animação, criem uma simbiose de expressão e de vida, projectando a sua existência num futuro mais justo e mais feliz e de mais oportunidades.

Considero, quer pelo exemplo que apresentamos, quer por uma experiência acumulada de artista-pedagogo-animador, que os instrumentos privilegiados para essa (re)descoberta de si surgem a partir do princípio fundamental transmitido pela Arte em geral e pelo Teatro em particular: a vivência e o exercício de uma verdadeira função social do Teatro. Nela, as questões da educação, da fruição e criação estética e artística, da consciência social e das práticas culturais têm uma dimensão associada ao tempo e ao espaço individual da procura, da descoberta e da realização pessoal. Mas têm também, pela sua pluralidade, a emergência de processos de socialização que valorizam a dimensão axiológica nas relações humanas.

Aqui, em Santa Maria da Feira, os desempregados, actores sociais em desespero são, através do Teatro, actores em descoberta de competências diversificadas. São, através da fábula, personagens que vivem a coragem, que praticam a decisão e que lutam pela esperança.

Em Santa Maria da Feira, os desempregados, sobretudo os mais velhos, são actores e personagens que o Teatro convoca para, em conjunto com toda a comunidade, transformar as mentalidades e apelar aos valores, especialmente à partilha e à solidariedade.

07 abril 2008

EXPRESSÃO DRAMÁTICA E TEATRO - COMO FOMOS E COMO ESTAMOS

Pela sua importância, publico este documento da APROTED de forma a ter mais canais de socialização.
De facto se fizermos a história das expressões artísticas na educação em geral e da expressão dramática e teatro na educação em particular, verificamos actualmente, já aqui o dissémos várias vezes, um défice do tempo a elas dedicado por comparação à época de implementação das expressões artísticas no 1º Ciclo do Ensino Básico, assim como no próprio processo da formação de professores(as) e de educadores(as) de infância, mas também nas Oficinas de Expressão Dramática e Teatro no secundário.
Aproveito para louvar a iniciativa desta Associação Profissional, realçando o papel dos intervenientes directos nas negociações e, sem os desvalorizar, gostaria de referir a mais-valia da presença do Amilcar Martins, ele próprio um negociador histórico com o Ministério da Educação na década de 70 que, definitivamente, implementou no sistema educativo as expressões artísticas.
"O lugar do Teatro e da Expressão Dramática na Educação Artística Generalista, no Ensino Artístico Especializado, e a situação dos professores de Teatro-Educação no sistema de ensino, foram os assuntos em destaque nas quatro audiências que a APROTED teve, na última semana, na Assembleia da República.No dia 1 de Abril, fomos recebidos pelo Deputado João Oliveira do Grupo Parlamentar do PCP. No dia 3 Abril, tivemos audiência com os Assessores do Grupo Parlamentar do PSD, Dr.ª Ana Zita Gomes e Dr. Carlos Lopes, com o Deputado José Teixeira Lopes do Partido "Os Verdes", e com a Deputada Luísa Mesquita. A APROTED esteve representada pelos Professores António Silva, Amílcar Martins, Firmino Bernardo e Mariana Rosário.As audiências foram muito profícuas tendo a APROTED apresentado os motivos que levaram aos pedidos de audiência e que, de um modo geral, se ficaram a dever ao contínuo empobrecimento da Educação Artística nas nossas escolas. De facto, e em nosso entender, existe um enorme desfasamento entre o discurso em prol das artes na educação e o reconhecimento da necessidade de um forte investimento na Educação Artística, posição assumida por parte dos responsáveis do Governo, nomeadamente na recente 1ª Conferência Mundial sobre Educação Artística da Unesco, Lisboa, e na Conferência Nacional sobre Educação Artística, Porto, e a contínua degradação das poucas práticas artísticas existentes nas escolas, bem como o agravamento da situação profissional da generalidade dos professores destas disciplinas.Nas várias audiências, demos um especial enfoque à recente medida administrativa que "desenriqueceu" o currículo do 1º ciclo do Ensino Básico ao, na prática, colocar como actividades extracurriculares as várias expressões artísticas que, anteriormente, eram componente obrigatória do currículo. Às ditas Actividades de Enriquecimento Curricular, que na generalidade dos casos não são mais que actividades de ocupação dos tempos livres, o Ministério da Educação juntou uma visão retrógrada e empobrecedora ao considerar a Música a única expressão artística com dignidade para ser praticada pelas crianças portuguesas.As lacunas curriculares, a falta de articulação entre os vários ciclos de ensino, nomeadamente ao nível das precedências, no que toca às disciplinas artísticas dentro do sistema de ensino, com o consequente insucesso escolar, foi outro assunto abordado. A inexistência de qualquer disciplina curricular artística, ou mesmo opção, no Ensino Secundário, desde a extinção da Oficina de Expressão Dramática e Oficina de Artes, há já alguns anos atrás, é, quanto a nós, uma situação inaceitável e inexplicável pelo que dela também informámos os Senhores Deputados.Chamámos, ainda, a atenção para o facto de o concurso por Oferta de Escola ser extremamente injusto pois o Ministério da Educação não estabeleceu qualquer critério de selecção, mesmo para disciplinas de currículo nacional, o que deu origem a que os critérios de selecção de uma mesma disciplina variassem incompreensivelmente de escola para escola, dando azo a situações de graves injustiça. Como nem as escolas, nem as Direcções Regionais de Educação, publicaram as listas ordenadas dos candidatos com a respectiva classificação do concurso, como anteriormente sucedia, surgindo na Aplicação Informática apenas, "sim" ou "não", caso a candidatura tenha sido seleccionada ou recusada pela escola, o acto administrativo tornou-se muito pouco transparente. Ao ter sido vedado, na prática, a possibilidade do candidato recorrer da decisão, agravou-se ainda mais a situação ao potenciar favorecimentos ilegítimos na contratação de professores para as escolas públicas. Favorecimentos que ficarão sempre ocultos e impunes.Abordámos, também, as questões, quanto a nós muito graves para a Educação Artística e Ensino Técnico e Profissional, relacionadas com o novo modelo de contratação por Oferta de Escola, das ditas Técnicas Especiais, Decreto-Lei Nº 35/2007, que no seu artigo 11º proíbe taxativamente estes professores de leccionarem um número de horas superior a metade de um horário completo, ou seja, só podem ter horários até 11 horas lectivas semanais, ainda que as escolas tenham horários completos para oferecer. Sendo que todos os cursos Profissionais, Tecnológicos, de Educação e Formação e a generalidade das disciplinas artísticas necessitam destes professores para poderem funcionar, a situação abrange milhares de docentes, e foi considerada por todos como absurda e incompreensível, truncando qualquer hipótese de qualidade no ensino artístico e profissional no nosso sistema de ensino público.A APROTED apresentou, por fim, um conjunto de medidas que considera essenciais para a qualidade do Teatro-Educação nas escolas, nomeadamente a cooperação entre o Ministério da Educação, Ministério da Cultura e Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, na construção de um projecto global e sustentado para o desenvolvimento da Educação Artística em Portugal; a criação de um Grupo Disciplinar/Recrutamento para os Professores de Teatro que estabeleça as habilitações académicas necessárias para a docência da disciplina; o retorno das Expressões Artísticas ao currículo do 1º Ciclo e a oferta equitativa das mesmas nas Actividades de Complemento Curricular; a alteração para Concurso Nacional, dos actuais concursos por Oferta de Escola das disciplinas artísticas, técnicas e profissionais, como já o é para as demais disciplinas do sistema educativo; e a revogação da recente legislação que proíbe os professores de Técnicas Especiais de leccionarem um número de horas superior a meio horário lectivo.As nossas propostas foram bem aceites, tendo os Senhores Deputados e os Assessores que nos receberam prometido efectuar diligências várias no sentido de melhorar a Educação Artística nas escolas e retirar os professores destas disciplinas da situação marginal e pouco digna em que se encontram, relativamente aos outros docentes do sistema de ensino.Estão confirmadas, já para a próxima semana, audiências com outros Grupos Parlamentares, Direcções de Partidos Políticos e Sindicatos.APROTED, 5 de Abril de 2008."
--Publicada por APROTED em Teatro na Educação - AProTED a 4/06/2008 06:45:00 PM-- http://www.teatronaeducacao.blogspot.com/