10 fevereiro 2009

GESTÃO DA CULTURA SOBRE A CRISE

Quero falar de uma gestão muito especial: a da Cultura. Porventura terapêutica na crise em que vivemos. Seguramente, suporte de resistência a momentos negativos convocados pelos erros que nós, enquanto povo e nação, não fomos capazes de identificar desde há muito tempo.

É verdade que os investimentos, consistentes e de longa duração, deverão ser inadiáveis e urgentes, se quisermos fazer estacionar/melhorar a economia.

Não há dúvida que as dinâmicas sociais, enérgicas e empreendedoras, deverão inflectir para projectos colectivos que conduzam à cidadania, ao progresso e ao futuro, sob pena de, na ausência dessa energia, poder generalizar-se uma depressão colectiva que nos levará cada vez mais fundo.

Parece óbvio, também, que as Organizações e o Movimento Associativo deverão trabalhar cada vez mais próximo do cidadão, das famílias e dos grupos mais fragilizados, de forma que uns e outros não percam as suas referências societárias.

Decididamente, o Poder instituído e as Oposições deverão estar cada vez mais sintonizados em realizações e decisões que constituam bases de segurança, a todos os níveis, dos cidadãos, das famílias e do país.

Portanto, a hora da responsabilidade é de todos. Mas como em tudo onde existem diferenças, há uns que têm mais responsabilidades do que outros.

O contexto em que vivemos, local e globalmente, não deixa margem de manobra para continuarmos a incorrer riscos, quais percursos da nossa ignorância ou desleixo. Chegou o momento em que todos temos de mostrar a nossa dignidade e grandeza de seres humanos, pensando em nós e nas nossas famílias, naturalmente, mas também nos outros que percorrem a estrada do infortúnio que poderá conduzi-los à tragédia que espreita a cada esquina.

Neste momento todas as gerações deverão estar envolvidas naquilo que entendo ser o espaço e o tempo de Gestão da Cultura.

Reforço a ideia de uma prática de gestão da Cultura, e não de gestão cultural, associada a qualquer uma das praxis socioculturais existentes em espaço comunitário por entender que:

1. A Cultura tem sido, pela sua sua essência, pouco rentabilizada na ordem natural de uma institucionalização em contextos locais, regionais e nacionais.
2. Consequência disso, não fomos ainda capazes de estabelecer dialécticas e intercâmbios entre esta e outras praxis socioculturais, de forma a constituí-la elemento fundamental de aprendizagem e de desenvolvimento humano.
3. Finalmente a inexistência de uma coerente e forte articulação com outras práticas socioculturais, tem levado à inexistência de uma educação cultural e humana, individual e colectiva, capaz de enunciar espíritos dedicados, atitudes voluntariosas e capacidades de empreendedorismo.

Como defino então para mim a gestão da Cultura sobre a crise.

Antes de mais porque a Cultura é o elemento-base e estruturante de uma sociedade. A Cultura Inconsciente, a que herdámos e a que nos identifica, e a Cultura Consciente, a que cultivamos e inovamos, a que projectamos e criamos futuro.

É exactamente com a Cultura que traçamos a nossa Universalidade, por isso mesmo somos todos cidadãos do mundo, o que nos reenvia para os primórdios da civilização. Não vale a pena discutir aqui o que poderíamos ter ganho se tivéssemos vivido a Cultura em oportunidades, em contínnuo. É importante vivê-la agora em crise não só económica mas também de valores. É importante dar oportunidade à Cultura Consciente, à que aprendemos todos os dias nos nossos processos de socialização e de mundialização. É forçoso que se pratique a Cultura Consciente com aquilo que observamos e imaginamos, mas também com tudo aquilo que herdámos e que nos identifica, e que às vezes recordamos, a nossa Cultura Inconsciente.

Nesta dialéctica entre os processos culturais de origem e os de projecção, terá se afirmar o momento da mudança, o tempo da coragem e o espaço de decisão. Para que isso aconteça terá de haver metodologias próprias, articuladas com interesses e necessidades, mas também com responsabilidades e verdade. A Cultura enquanto elemento de enriquecimento humano determina que os valores e a educação sejam o referencial para uma cidadania plena.

Assim, estruturar em crise outros processos educativos e novas dimensões axiológicas exige uma atenção desdobrada de diversos actores. Antes de mais os actores políticos, locais e nacionais, depois as organizações não-governamentais, as empresas e os sindicatos, o movimento associativo e muitas pessoas com sentido de voluntariado. É imperativo que a solidariedade seja um elemento transversal à sociedade e que cada um de nós constitua um alicerce de ajuda para o(s) outro(s).

É importante que a dimensão criativa e lúdica esteja presente nesta gestão da Cultura. A oportunidade de participação e envolvimento em espaços de criação e fruição cultural e artística, individual e colectiva, são portos de abrigo onde se recuperam a essência e a coragem para novas etapas do quotidiano.

Mas a cultura é também o acto de aprender e de ensinar. Deste modo, a formação ao longo da vida e a criação de novas e insistentes oportunidades de acesso à informação e ao conhecimento são estratégias e metodologias capazes de suster a desilusão e o desânimo, a tristeza e a depressão, individual e colectiva.

A Cultura em tempo de crise ou a Cultura como terapia face à crise exige também que se alicercem novos valores e que estes determinem o sentido de uma Universalidade plena: a relação solidária com o mundo interior de cada um mas, sobretudo, com o mundo exterior de todos.

A estratégia da gestão da Cultura, de que vos falava no princípio, está associada à capacidade que todos temos em articular os nossos saberes, as nossas organizações, as nossas práticas em espaços comunitários de per si. Só numa escala local os efeitos surtirão, porque nos compromete através das nossas relações de proximidade e do conhecimento com os outros, das nossas relações de boa vizinhança e do nosso desejo colectivo de um mundo melhor, reintegrando-nos numa escala de valores, porventura reencontrada.

A gestão da Cultura sendo eficaz no local deverá, definitivamente, ser uma política nacional e uma emergência para a crise.

Não só de pão vive o homem, diz o povo, “mas sem pão é difícil” completa Frei Bento Domingues. É verdade. Com a gestão da Cultura, impregnada de vontade e de coragem, tenho esperança que o pão estará lá, nas mesas de cada um.