01 julho 2007

A CULTURA E AS OBRIGAÇÕES DO ESTADO

É preciso libertar a Cultura do Estado”. Quem o diz é António Gomes de Pinho, Presidente da Fundação de Serralves, em entrevista ao Jornal Público de sábado, 30 de Junho de 2007. Para isso propõe que se substitua o Ministério da Cultura por uma Secretaria de Estado dependente do 1º Ministro. A argumentação é a de que a Cultura é cada vez mais transversal, passando por quase todos os Ministérios e, que só assim, com esta estrutura mais reduzida junto do 1º ministro, a cultura, neste país, se tornaria mais eficaz. De repente estamos a “anglo-saxonizar” tudo neste país. Foi a educação, agora a cultura e o que mais será? Estamos a passar por modelos já experimentados, há muito tempo, por outros países que deixam agora cair essas experiências. Estamos afinal a tentar ignorar as raízes e a tradição europeia, no que concerne à sua enorme herança cultural que é, afinal, a grande preocupação pelas questões sociais e culturais, base do desenvolvimento humanista. É óbvio que se tem de modernizar, ajustando novas práticas a novos conceitos, mas sem que se perca a filosofia original europeia.

A perspectiva para este ex-governante, secretário de estado de Lucas Pires (que, do meu ponto de vista, faz parte de uma pequeníssima lista de bons ministros da Cultura em Portugal) é que: “fruto de um conjunto muito vasto de alterações que se verificaram na sociedade nas últimas décadas, em Portugal e não só, o papel da cultura alterou-se profundamente”.

É verdade, alteraram-se os conceitos de cultura, mas também se uniformizaram os seus meios de produção e divulgação. Por um lado, fizeram-se Fundações que têm receitas próprias, mas que continuam a ter, em 50%, o financiamento do Estado. Estão situadas nos dois maiores centros urbanos do país e servem afinal uma elite cultural, isto é, uma minoria da população portuguesa. Por outro lado, massificou-se o(s) objecto(s) cultural(ais), retirando à maioria da população a oportunidade de pensar a sua participação cultural, não só como fruidora de cultura, mas também como produtora de cultura. Acenar-me-ão com os fenómenos da globalização? Claro! Também interferem. Mas por mais que alguns sociólogos nos queiram convencer, existe ainda uma diferença acentuada entre o meio rural e o meio urbano, como o demonstra Ander-Egg na obra “Metodologia y práctica de la animación sociocultural, Buenos Aires, Editorial Hvmanitas, 1991, p. 243.”

A proposta de Gomes de Pinho em tornar Fundações todas as organizações de criação cultural dispersas pelo país é absurda. Por muitas destas regiões, para além de um acentuado défice demográfico e a sua correspondência com a ausência de empresas e de emprego, também não há mecenas interessados em investir naquilo que consideram causas perdidas em termos de divulgação das suas áreas ou produtos.

A cultura e a arte fazem-se, não só através de estruturas profissionais, como se fazem através de estruturas não-profissonais. Umas e outras têm direito a financiamento dos seus projectos, assim como têm o dever de exercer as contrapartidas no desenvolvimento local e regional a partir da utilização e rentabilização dos seus projectos, que devem estar ao serviço das comunidades.

Sabe-se que o maior financiador dos projectos culturais fora dos grandes centros é o Poder Local. Mas também se sabe que o excesso de competências que lhe é atribuído pelo Estado, sem as respectivas compensações, dificultam ou tornam pouco claras as políticas culturais locais, criando-se critérios pouco definidos na atribuição de subsídios e/ou financiamento, levando algumas autarquias a manifestarem imparcialidade nessa função.

É imperativo que o Estado continue a investir na Cultura, obrigando, é certo, as organizações, profissionais e não-profissionais, a uma maior comparticipação e envolvimento com as comunidades, embora de níveis diferentes, naquilo que faz parte das dinâmicas culturais instituídas ou a instituir. É forçoso que o Estado continue a investir na Cultura, apoiando projectos de índole mais universais, mas não descurando os projectos mais locais e regionais, atribuindo mais verbas às Autarquias, especificamente para este efeito.

Um povo, uma nação, um país, só mostram a sua modernidade se souberem conciliar a sua tradição cultural com o presente e o futuro da cultura. A herança e a modernidade, o passado e o futuro, estão nas mãos de um povo que, para crescer e desenvolver-se, deve ser definitivamente culto. Assim se criem as oportunidades.