30 setembro 2007

SINGULARIDADE VERSUS UNIVERSALIDADE


A UNIVERSALIDADE DOS HOMENS

O que têm em comum dois homens como Marcel Marceau e Álvaro Santinho?
O primeiro é, sem dúvida nenhuma, um cidadão do mundo.
O segundo é, claramente, um cidadão do lugar.
O primeiro é conhecido globalmente.
O segundo é estimado localmente.
O primeiro maravilha-nos pela linguagem do mimo.
O segundo encanta-nos pelos sons do violino.
O primeiro faz poesia com o silêncio.
O segundo veicula alegria com a música.

Não se cruzaram entre si.
Mas cruzei-me eu com eles, em tempos e espaços diferentes.
Com o primeiro, em 1979, durante um estágio de mimo que fiz na sua École International du Mimodrame em Paris.
Com o segundo, a partir de 1986, na cidade de Portalegre, onde em comum tínhamos o prazer de interpretar música popular portuguesa.

Com o primeiro aprendi a encher-me com o meu próprio corpo recorrendo às técnicas de mimo de que me apropriei em Paris.
Com o segundo aprendi a ouvir a palavra jovem, como processo de um envelhecimento sereno, jovial e feliz.

Morreram ambos a semana passada, com mais de oitenta anos.

O silêncio e a música eternizaram-se com a singularidade de ambos.

Singularidades que os tornam a meus olhos homens universais.

O primeiro, recordá-lo-ei com admiração.
O segundo, estimá-lo-ei para toda a vida.

25 setembro 2007

A NOVA TEMPORADA

A nova temporada cultural e artística iniciada já em Setembro por algumas instituições, como o Teatro D. Maria e a Culturgeste e outras a começar em Outubro na Gulbenkian e no CCB, traduz a institucionalização de uma programação de grande qualidade, ao mesmo tempo que vai implementando a criação de hábitos e de práticas culturais nas populações.

A Culturgeste, o CCB e a Gulbenkian têm desenvolvido, nos últimos anos, uma programação diversificada, de elevado patamar artístico, mas também democratizadora, sem que isso se tenha transformado numa ideia de programação massificada ou de cultura de massas. Pelo contrário, existe nessas programações uma preocupação pela formação de públicos, que se traduz paulatinamente na formação de gostos e de estéticas diversificadas.

O Teatro D. Maria, pelas mãos do Carlos Fragateiro, apresenta também uma programação com as mesmas preocupações, ao mesmo tempo que “foge” ao modelo de Teatro Nacional de reportório muito restritivo em que, por alguns, era reivindicada uma ideia de reportório exclusivamente clássico. O Fragateiro encontrou, quer queiramos quer não, durante os anos que esteve à frente do Teatro da Trindade, a fórmula eficaz de captação públicos, transformando a arte numa expressão popular e não populista como outros tentaram demonstrar.

Aproveitando esta ideia da qualidade dos produtos artísticos e culturais nos grandes centros urbanos, nomeadamente em Lisboa e no Porto, vale a pena lembrarmo-nos que, pelo interior do país, existem espaços onde muitos destes projectos poderiam ser apresentados. Fala-se muito em Rede, mas aquela que está implementada pelos circuitos dos Teatros Municipais e Centros de Artes do Espectáculo deixa muito a desejar no que diz respeito à qualidade dos objectos artísticos aí apresentados.

É altura dos políticos locais, nomeadamente aqueles que têm a seu cargo o pelouro da cultura e da acção cultural das autarquias, acreditarem que existem técnicos com formação capazes de fazerem uma programação para esses espaços. Para além da qualidade dos objectos artísticos e culturais aí apresentados, estes técnicos desenvolvem estratégias adequadas no sentido da promoção e divulgação culturais, assim como da criação e formação de públicos.

Por outro lado, a pertinência e a existência de uma rede cultural e artística, cujas parcerias andariam em torno do Ministério da Cultura, Autarquias Locais e Instituições Artísticas e Culturais de qualidade reconhecida, isto é, validada, poderia viabilizar um intercâmbio cultural e artístico entre todo o território nacional. Assim, da mesma forma que um projecto artístico dos grandes centros urbanos poderia descer às regiões bem mais periféricas do território, também deste poderiam circular objectos artísticos de qualidade, que os há seguramente, pelo resto do país. Só se pode falar de democratização da cultura quando todos nós tivermos as mesmas oportunidades de fruição e participação cultural. Da criação também podemos falar um dia destes. Mas dela depende, seguramente, a oportunidade e o sucesso do patamar anterior.

17 setembro 2007

REFLECTIR É PRECISO…

Quando tomo consciência da minha vida, dos meus compromissos, dos meus afectos, dos meus projectos, vejo quase sempre uma estrada longa por percorrer, ao mesmo tempo que sou invadido por dúvidas quanto à capacidade de fazer esse percurso. Nesta análise, tão rápida quanto efémera, é o mundo de imediato que me assola e me faz desacreditar daquilo que observo. Naquele momento desejaria ter um mundo melhor para mim e para todos.

Quando reforço a consciência sobre a minha vida, os meus compromissos, os meus afectos e os meus projectos, vejo, afinal, que existe a esperança e o meu contributo para melhorar esse mundo, todos os dias e a todas as horas. Basta olhar à minha volta: o sorriso do Manuel, meu único neto e totalizador dos nossos afectos; mas também de toda a família, a nuclear e a mais distante, assim como dos amigos, companheiros e cúmplices do quotidiano. Afinal o mundo gira em torno dos afectos e das referências que transportamos e que nos equilibram os sentires, a memória e as decisões.

Pois é, há dias que temos formas de sentir e de mostrar esse sentir. Provavelmente hoje é um desses dias, em que as dúvidas me assaltam e parecem forçar a existência, falsa seguramente, de um descrédito pelo meu país. Será que muita da incapacidade de valorizar este país se deve aos políticos que o têm governado, ou se deve a cada um de nós, pela nossa desmotivação e não empenhamento. Será que se deve mais aos ricos, que são cada vez mais ricos e não abdicam de enriquecer de maneiras tão airosas, quanto enganosas muitas vezes. Ou, por arrastamento, se deve aos pobres, cada vez mais pobres, que não conseguem a coragem para reivindicar o direito pleno de cidadania.

Temos o interior do país a sofrer cada mais vez a sua interioridade: no pouco ou nenhum investimento público, na ausência de uma política de discriminação positiva, nos resultados das candidaturas ao ensino superior, na desertificação e no envelhecimento precoce das populações. Temos, no interior do país, a criação permanente de heróis que lutam contra moinhos gigantes em busca de Dulcineias que lhes tragam o direito de existir com dignidade.

Mas, no nosso percurso de vida, vamos encontrando lenitivos de esperança, reflectida a partir de espelhos que nos projectam a solidez de se ser pessoa. E vamos tendo muitas pessoas que projectam, em cada um de nós, essa esperança, no caminho a percorrer. Por vezes lembro-me de pessoas simples, de gestos simples e nobres e que merecem que se fale delas. Já referi aqui algumas que fui encontrando pela minha vida, assim como de outras que reflectem ou actuam de forma articulada entre a razão e a emoção. Também já aqui falei de algumas dessas pessoas. É afinal neste percurso que encontramos, felizmente, a nossa humanidade. Aquela que nos identifica como seres humanos maravilhoso.

09 setembro 2007

RETORNO, MAS SUAVE

Tenho sempre alguma dificuldade em reatar hábitos instalados quando, por qualquer motivo, permito-me usufruir de uma pausa sobre a rotina. Quando se trata de pausa para umas férias dedicadas à família e à ociosidade a questão ainda se torna mais dolorosa, sobretudo, quando esse reatar é, no fundo, retomar um conjunto de compromissos associados ao nosso projecto de vida. Creio que isto é comum à maioria das pessoas.

Enfim, tenho de fazer esse esforço, normalizando a socialização para além da célula familiar. Devo, obrigatoriamente, reintegrar-me no discurso do quotidiano, tentando ser, a partir dele, um dos seus protagonistas. Esta é a nossa condição de cidadania absoluta.

A minha primeira observação, no início desta temporada 2007/2008, é constatar que o processo de Bolonha estará praticamente implantado em todo o ensino superior português. Com ele vamos ter de nos adaptar todos, literalmente, a novos paradigmas e a uma nova cultura de ensino superior europeu. Provavelmente esta adaptação vai sendo burilada até 2010, data limite. A partir daqui inicia-se verdadeiramente o ensino superior europeu em toda a Europa, com as vantagens e desvantagens inerentes.

A propósito das desvantagens, começam a sentir-se já algumas dificuldades na afirmação de alguns cursos portugueses no espaço europeu. Disso nos dá conta José Vieira no seu blog, http://anijovem.blogspot.com, quando questiona “Quanto vale uma licenciatura portuguesa em Animação Sociocultural no mercado de trabalho europeu?” ao dar espaço a uma jovem licenciada em ASC em Portugal que procurou emprego em França e que a dada altura dizia: "apesar de ter uma licenciatura em Animação Sociocultural, isso não me ajuda muito, porque aqui para trabalharmos na Animação, é preciso um diploma passado em França". José Vieira concluía que: “Assim, e com o objectivo de não ter de fazer uma nova formação, necessita de elaborar um dossier que lhe permita validar a sua formação e experiência prática na área da Animação”.

A minha segunda observação vai no sentido de me regozijar com a possibilidade de os estudantes do ensino superior poderem recorrer à Banca solicitando empréstimos que lhes permitem realizar os seus estudos superiores. A questão que me pode preocupar é que, associada a esta medida, a acção social escolar possa ser descurada a breve trecho. As Associações de Estudantes deverão estar atentas.

Outra observação, a propósito de comentários feitos pelo José Vieira e pelo Albino Viveiros http://animasocioculturaleinsularidade.blogspot.com nos seus blogs. Uma vez mais a questão dos estatutos e da carreira de animador estão em discussão e na ordem do dia. Na reorganização das profissões/quadros da administração pública, realizada recentemente, a carreira/estatuto de animador sociocultural sai absolutamente fragilizada. A profissão de Animador Sociocultural está traduzida exclusivamente num Animador Sociocultural de Bibliotecas. Em contrapartida emerge, com maior ênfase, a carreira de animador cultural, provavelmente pressionada pelos lobby da cultura, das artes e da gestão cultural, elites situadas nas duas maiores cidades portuguesas. É estranho que os estudiosos e os práticos da ASC não tenham sido ouvidos no sentido de se questionar a importância desta área e a forma como se deveria estruturar a carreira de animador. Estão a dar importância a uma das modalidades tout court de animação, reatando-se um período da história da animação, já ultrapassado, que se apoiava numa prática essencialmente artística da animação. Hoje a realidade sociológica e epistemológica da animação é profundamente diferente. Vale a pena pensar se o conceito que se pode introduzir, para não criar mais clivagens e injustiças socioprofissionais, poderá ou não ser aquele outro fundamentado por Jean-Claude Guillet, o de animador profissional.

Ainda sobre a Animação. Temos de estar todos, sócios da APDASC, e não sócios, no jantar do 2º aniversário que irá decorrer no próximo dia 22 de Setembro em Santa Maria da Feira. Será naturalmente um espaço de festa, mas também de reflexão.

Também regozijarmo-nos pela saída muito próxima da Revista on line “Práticas de Animação” publicada pela APDASC da Madeira, nomeadamente pelo Albino Viveiros seu responsável.

Finalmente.
A Expressão Dramática, a Arte Dramática, o Drama, o Teatro na Educação, expressões utilizadas em contextos e culturas diferentes, mas que no fim de contas traduzem uma realidade comum, o Teatro enquanto prática artística mas também pedagógica ao serviço da educação formal e não-formal. Estes conceitos vão sendo cada vez mais objectos de estudo em Portugal, através de dissertações de mestrado, mas sobretudo de teses de Doutoramento. Tenho vindo, nos últimos anos, a fazer parte de júris de doutoramento, em cujas teses estas realidades têm sido estudadas profundamente. A próxima que aprofundará este objecto, pela experiência e estudo da sua autora, acrescentará, estou certo, elementos preciosos a esta problemática. Estou a falar-vos da minha amiga e colega Júlia Correia, professora na ESE do Porto, companheira no Conservatório e co-fundadora comigo, e com outros, do Centro Cultural de Évora em Janeiro de 1975, hoje CENDREV. Força Júlia, bom trabalho.