19 abril 2010

a democratização cultural

Continuo a pensar que a(s) política(s) cultural(ais) das Autarquias não se podem esgotar na divulgação cultural, mesmo pensando que, com essa estratégia, estarão no caminho da democratização cultural e, como consequência, se estão a criar condições de igual oportunidade de acesso à Cultura, na fruição e na criação cultural.
A democratização cultural tem, naturalmente, a dimensão da divulgação cultural, que constitui uma oportunidade de acesso à fruição por parte das comunidades, mas tem também e, fundamentalmente, a dimensão da criação cultural. É com a junção destas duas componentes que poderemos falar de públicos de cultura.
Contamos pelos dedos o número de Autarquias que têm tido, e continuam a ter, esta preocupação, isto é, a de criar condições para que os seus munícipes, todos sem excepção, sejam também criadores de cultura.
Fico admirado quando alguém se refere a Portalegre como concelho privilegiado em matéria cultural e em práticas culturais. É um exagero claro. Fala-se muito, como se a Cultura se esgotasse no CAEP e como se os objectos culturais fossem só aqueles mais recorrentes e para públicos mais restritos. Não tenho memória de que alguma vez, alguém ou alguma força política, tenha avançado noutra direcção. O que tenho visto desde sempre é uma estratégia de divulgação de objectos culturais, umas vezes com melhor ou pior qualidade, e que fazem parte de uma estratégia de mediatização política.
Como é que se pode falar de democratização cultural se:
- na maioria das freguesias do concelho de Portalegre não existem espaços de socialização, de criação e de produção cultural;
- não se rentabilizam, nem se rentabilizaram, os técnicos que têm formação para o trabalho na formação de públicos e de actores da Cultura (hábitos e práticas culturais); afinal há muito trabalho para se fazer no âmbito dos bairros e das freguesias do concelho;
- não se rentabiliza, nem rentabilizou nunca, a ideia de contrapartidas face à atribuição de subsídios aos agentes culturais. Alterar a ideia de subsídio e partir para o conceito de financiamento de projectos culturais com contrapartidas bem claras. Estas poderiam assentar na obrigatoriedade de uma maior intervenção local quer ao nível da animação, quer ao nível da formação.
Como é que se pode falar de democratização cultural se a afirmação da Cultura em Portalegre, e na maioria dos concelhos em Portugal, passa por projectar e impor gostos e estéticas distantes de vivências, experiências e hábitos das comunidades. Continua a ignorar-se que se vive hoje a realidade da multiculturalidade e que é importante para a coesão social dos locais, das regiões e do país a afirmação de práticas interculturais.
Só poderemos falar da democratização da cultura quando a Cultura for para todos e quando todos, sem excepção, tiverem oportunidades, espaços, formação e educação cultural. Quando todos, confrontados com os objectos culturais, tenham um sentido e gosto estético que lhes permitam tornar-se pessoas críticas, interventivas, inovadoras, criativas.
Isto é um processo. Trinta e seis anos depois da conquista da liberdade, em 25 de Abril de 1974, deveríamos ter avançado mais. Não fomos capazes colectivamente. Pensámos sempre muito individualmente. É imperativo o surgimento de uma nova prática associativa que, retomando o sentido das práticas comunitárias, inove os processos de socialização, ligando a arte à vida, a cultura ao progresso e os valores à humanidade da pessoa, dos grupos e da diversidade.
Aqui a responsabilidade é de todos sem excepção.