02 outubro 2009

A IRONIA E A CULTURA

Ontem no programa Gato Fedorento o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, ironizava sobre Cultura. Dizia ele que a Cultura é uma área da esquerda e que só ela tem ideias e legitimidade para a promover. Com esta ironia Rui Rio escamoteava a sua inoperância quanto às políticas culturais na cidade do Porto e justificava assim, matreiramente, a sua incapacidade de definir um projecto cultural para a cidade.
É verdade que a Cultura tem sido, a partir de finais da década de 60, um baluarte da esquerda em toda a Europa, nomeadamente pela afirmação de uma ideia de democratização cultural emergente nesse período. Reivindicada e legitimada pela mesma esquerda.
O mito até aos nossos dias é que, de facto, existe uma cultura de esquerda e não uma cultura de direita e, claro está, os verdadeiros herdeiros deste princípio são os partidos políticos de esquerda.
Historicamente, é um facto, a esquerda tem assumido o protagonismo de incentivar e apelar à democracia cultural e à democratização da cultura através da proliferação das práticas e hábitos culturais das populações contribuindo, com isto, para uma maior autonomia das comunidades, para um maior sentido crítico das populações e para uma maior educação estética e artística das pessoas. E a direita não.
Historicamente a esquerda delineou uma estratégia e definiu uma política cultural de emancipação dos povos com esta atitude. E a direita não.
A questão que hoje se insiste em discutir, é a de saber se a Cultura é de esquerda ou de direita. Com os princípios acima enunciados a Cultura é de esquerda, porque tem sido essa a sua praxis. A direita não tem uma praxis sobre a Cultura. É errática e não tem uma filosofia que a suporte.
Paradoxalmente, e não é um mero quadro conceptual, com a esquerda, conceitos como “cultura erudita, cultura cultivada”, “cultura popular”, “cultura de massas” e por aí fora, estão bem presentes nas abordagens e nas vontades políticas, criando ou não as oportunidades ou as diferenças de acesso à Cultura. Estes conceitos estratificam, seja em que plano for, de direita ou de esquerda, as igualdades de acesso. Tem que se estar atento para corrigir as praxis.
Do meu ponto de vista, não faz sentido discutir-se hoje, se a Cultura é de esquerda ou de direita. Os princípios na sua utilização é que poderão definir esses quadrantes, tanto através dos conteúdos, como das estratégias ou dos objectivos. Tivemos em Portugal um bom ministro da cultura, que era de direita, Francisco Lucas Pires e acabámos de constatar um mau ministro da cultura, que é de esquerda, António Pinto Ribeiro, do partido socialista e do governo agora em fim de legislatura.
Este modelo é extensivo às Autarquias. É verdade que durante muitos anos, após o início do Poder Local, as práticas culturais realizavam-se quase maioritariamente nas câmaras da CDU. Paulatinamente esta realidade foi-se alterando, chegando ao ponto de termos câmaras de esquerda com um mau trabalho e más políticas culturais e câmaras de direita com um razoável trabalho e razoáveis políticas culturais.
Houve evolução conceptual, houve modernização, assim como retrocesso de mentalidades. Apenas não tem havido visão, futuro e modernidade ao serviço das pessoas e com as pessoas.