27 março 2009

VIVA O TEATRO. VÁ AO TEATRO - 27 DE MARÇO

No passado dia 16 de Março o Albino Viveiros festejou antecipadamente, por vontade própria, o Dia Mundial do Teatro de 2009, publicando a mensagem alusiva à efeméride da autoria de Augusto Boal.

A iniciativa do meu amigo madeirense fez-me voltar atrás quase trinta anos, quando eu iniciava o exercício final de interpretação do meu 3º para o 4º ano da Escola Superior de Teatro do Conservatório Nacional. Era meu professor/director desse exercício académico Augusto Boal.

Revi na mensagem agora escrita por Boal, para o Dia Mundial do Teatro de 2009, a mesma coerência e o mesmo espírito militante e solidário para com os desfavorecidos, assim como a mesma truculência e ironia para com os opressores. Afinal, aquilo que fez dele um criador teatral universal. Para Augusto Boal o primado da criação artística está no carácter e no exercício de uma função social da Arte em geral e do Teatro em particular. Por isso foi singular aquele caminho percorrido conjuntamente com Paulo Freire em torno dos oprimidos. São estas preocupações sócio-políticas que o levam a criar, escrever e praticar o Teatro do Oprimido.

Iniciávamos um exercício de Interpretação muito ao seu jeito, abrindo caminho para pôr em cena um dos seus textos dramáticos, “As Mulheres de Atenas”. A proposta era aliciante porque iria envolver, ao vivo, o cantor Chico Buarque d’Hollanda, seu amigo e compadre. Recordo que, inspirado pela peça de Boal, Chico Buarque, ele próprio, fez também uma bela canção sobre a mesma temática e com o mesmo nome. Porém este momento não veio a acontecer no espectáculo por razões que desconheço, já que eu próprio, a meio do projecto, me ausentei do elenco rumando a Paris com uma bolsa da Gulbenkian por um ano.

A lembrança que tenho de Boal é absolutamente marcante. Para além do grande criador, lembro-me do homem solidário com a Humanidade.

O seu nome está projectado em todos os cantos do Mundo. Recordo a intensidade de afectos que os meus colegas e companheiros das artes e da animação sociocultural da América Latina manifestam quando se referem a ele.

Lembro de me sentir orgulhoso junto dos meus colegas de mestrado da Universidade de Montréal no Canadá quando, dando exemplos da prática teatral de Boal, eles me apelidavam de sortudo por ter tido a oportunidade de trabalhar com o mestre.

De facto foi um enorme prazer ter conhecido Augusto Boal e ler agora, trinta anos depois, a sua mensagem do Dia Mundial do Teatro.

Obrigado mestre. SARAVÁ aí para o Brasil que tanto ama.

VIVA O TEATRO. VÁ AO TEATRO
Mensagem do Dia Mundial do Teatro em 2009 por Augusto Boal
Verdade Escondida
Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida! Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de ideias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro!
Não só casamentos e funerais são espectáculos, mas também os rituais quotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática – tudo é teatro!
Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espectáculos da vida diária onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a plateia e a plateia, o palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver, tão habituados estamos apenas a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida quotidiana.
Verdade escondida.
Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo seguro, apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós, em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da bolsa quando fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.
Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre: no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espectáculo, eu dizia aos meus atores: "Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida".
Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, géneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.
Actores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!
Augusto Boal