11 março 2009

A CULTURA DO TURISMO TRÁGICO

Os povos, desde a Antiguidade, sempre viajaram pelo circuito dos mártires e dos heróis. Quilómetros e quilómetros eram percorridos com o intuito de se venerar o seu santo ou o seu herói.

Hoje está na moda viajar para ver lugares que foram espaços de tragédia, horror e miséria humanas. Espaços associados aos flagelos provocados pela Natureza e, mais grave ainda, provocados pelo Homem ao seu semelhante. Aqueles outros espaços que indiciam a barbárie, existente ainda, na Humanidade ou parte da dela.

Chamam a este hobby, turismo trágico.

Gostaria de reflectir sobre esta questão com duas hipóteses, isto é, gostaria de saber quais as motivações que levam as pessoas para estes itinerários:

a) - pela vontade de observar in loco estes espaços ou estes territórios podendo configurar apenas um espírito de voyeur com tudo o que este conceito poderá implicar?

b) - pela decisão de visitar estes lugares estando implícita a ideia de aprofundar a(s) memória(s) face às tragédias vividas pelos nossos semelhantes, ao mesmo tempo que consideram esse momento um tempo e um espaço de recolhimento, de solidariedade e de homenagem?

Do ponto de vista da prática turística ou da venda de produtos turísticos, estas duas dimensões estarão absolutamente identificadas? Será que a primeira hipótese a realizar-se poderá transformar-se na segunda, face ao sentir das emoções e ao reatar das memórias colectivas?

Não me aflige este tipo de turismo, se ele porventura consciencializa para a memória e para a História longínqua ou recente. Se a experiência da viagem e do contacto com o espaço/território e com os artefactos, elementos da tragédia, estruturam pensamentos capazes de reconstituir a verdade histórica e não a negação desse(s) facto(s).

O que me aflige sim, é a vontade gratuita de ver encenada uma realidade que já não é, a partir da exposição de elementos exteriores ao tempo. O que me aflige é ver esses lugares transformados em espaços de exposição gratuita e folclórica, porventura sem qualquer enquadramento histórico, cultural e sociológico.

Este tipo de turismo não pode ir contra a natureza e a ética humanas. Imagine-se, por hipótese, um grupo de pessoas invadir, mesmo como turistas, um bairro completamente desestruturado, onde a fome e a miséria humanas estão em grande plano. Onde as pessoas desse local são vistas, como se num circo estivessem, e nada é feito por elas, nada é feito para melhorar as suas vidas . Onde está aqui a moral e a ética das pessoas, das organizações e do próprio conceito de viagem e de fruição? Em boa verdade, a menos que o façam com uma missão de solidariedade.

Esta reflexão vem a propósito de um artigo interessante do complemento Fugas do Jornal Público da semana passada. Fiquei a pensar nisto e a desejar visitar alguns dos lugares apontados. Não como turista, tenho a certeza, que viajam à procura da aventura, mas como alguém que conhece e é sensível à História do Mundo e dos Homens e quer problematizar a Cultura, interrogando-se sobre o porquê de tanta maldade. Mas, sobretudo, com a firme determinação de não querer fazer parte daqueles que praticam o negacionismo.