02 janeiro 2009

LOUVOR DO NOVO

Os começos são sempre belos. Mesmo sendo apenas um acidente de calendário, acendem outra vez, por um momento, a trémula chama da esperança. A esperança tem má fama. Rafael Alberti chama-a de “puta”; e, nos idos de 60, Geraldo Vandré cantava que “esperar não é saber,/quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. É verdade que a esperança desvia os homens da acção, mas eu acho que sem esperança nenhuma acção tem sentido. Antigamente, nas passagens de ano deitavam-se os trastes velhos fora, simbolizando o desejo de ruptura e de recomeço, e a ideia de recomeço é estruturante de todos os grandes sonhos mobilizadores, incluindo o cristianismo. O ano que hoje começa não será diverso, senão para pior, do anterior, mas, “pálido e setemesinho”, é Novo e, por um dia, chega. Porque o novo é, como diz João Cabral de Melo e Neto, “belo como um sim/numa sala negativa”, uma insegura porta “abrindo-se em mais saídas”. Belo como “a coisa nova/na prateleira então vazia”, ou “como o caderno novo/quando a gente o principia”, mesmo se não fazemos a mínima ideia, e justamente por isso, do que será escrito nele.

Manuel António Pina “Por outras palavras” in: Jornal de Notícias, 01 de Janeiro de 2009.