07 dezembro 2008

O RENDER DOS HERÓIS

O conceito de Herói está, ainda hoje, bastante associado ao conceito clássico:

- o que se distingue no campo de batalha;
- o que pertence ao grupo dos mártires (da pátria, da religião, das causas...);
- o que arrisca a vida para salvar o Outro.

Juntou-se a este conceito, coexistindo ambos, aquele outro moderno, fruto da sociedade capitalista, que se traduz pela atribuição de títulos, de prémios e de benesses aqueles que se diferenciam nos mais diversificados campos do saber e do conhecimento, da Ciência e da Arte e, muito pontualmente, da Vida.

Vigorou, ainda vigorará, nas denominadas sociedades socialistas, aquele de inspiração soviética e maoísta: o Herói do Povo. Também este se distinguia nos campos do saber e do conhecimento, da arte e da revolução.

Em todos os conceitos o princípio que os sustenta é o da distinção e da singularidade e o facto de se pertencer a uma categoria minoritária.

Hoje, quando nos referimos ao herói teremos de falar no plural, quer dizer, nos heróis. A distinção, nos seus processos de heroicidade, não é considerada. É comum a todos e todas. A singularidade homogeneizou-se, isto é, todos e todas são singulares e comuns ao mesmo tempo. Finalmente pertencem, literalmente, à maioria.

Se é verdade que no conceito clássico e nos conceitos capitalista e socialista o herói se torna público e adorado, neste novo paradigma de heroicidade o acto é privado e indiferente, por isso, os heróis vivem lugares comuns: o quotidiano onde buscam o saber e o conhecimento, quando existem as mesmas oportunidades; onde lutam e conquistam, ou não, a dignidade humana; onde gerem o espaço e o tempo das diferenças e da multiculturalidade; onde os bons procuram ser melhores e os maus reconsideram a sua humanidade; enfim onde a estratificação social se faz através dos conflitos, que vão do individual ao colectivo e do local ao global. Estes heróis, isto é, a maioria da humanidade, precisa de ser admirada e amada pelos governantes. Precisa de olhar também para o interior de si própria, apostando num novo modelo de Mundo. O novo conceito de herói deveria tornar-se uma referência: a humanidade seria muito mais justa e mais equilibrada. Seria também capaz de admirar, sem conflitos, os mais capazes e os mais competentes, mas também as diferenças e a diversidade. O novo conceito de herói deveria estruturar-se filosoficamente pela sua dimensão plural e universal.

Esta minha reflexão não altera os princípios filosóficos do conceito de herói, pelo contrário amplia-o. É com este sentido que pretendo encontrar essa finalidade do acto heróico praticado de uma forma colectiva, anónima e quotidiana, como do acto heróico onde a singularidade é a própria originalidade.

Poderia nomear muitos heróis, aqui e agora. Mas, pelo que disse, a lista seria interminável. Convém não nos esquecermos deles, de nós, diariamente.

Mas também podemos lembrar-nos de outros que caminham ao nosso lado e, fazem eles próprios, percursos diferentes. Democratizemos então o conceito.

Gostaria de lembrar os 145 anos que fará amanhã, dia 08 de Dezembro de 2008, o Internato Distrital de Nossa Senhora da Conceição que, em Portalegre, tem vindo a demonstrar ser uma instituição, também ela heroína, cuja função de acolhimento de crianças e jovens em risco tem sido admirada e estimada por toda a comunidade. Fruto de muita solidariedade ao longo de todo este tempo de vida, mas também das responsabilidades institucionais e políticas e das equipas profissionais que nele sempre investiram.

Gostaria de lembrar as heroínas de ontem e de hoje: as crianças e jovens do sexo feminino que, ao longo deste quase século e meio de vida da Instituição, têm sido elas heroínas da sua própria existência, aprendendo a viver com dignidade, conquistando oportunidades e futuros sucessos de mais vida para além daquela institucionalizada.

Finalmente, a par de muitos idosos, anónimos, que trabalham até ao fim dos seus limites, quiçá da vida, nas suas áreas, nos seus campos, nos seus projectos de vida, gostaria de me lembrar deles através do centésimo aniversário que será feito a 11 de Dezembro por Manoel de Oliveira que, em plena vida e lucidez, continua a trabalhar naquilo que mais ama e sabe. O Cinema.