14 dezembro 2008

HÁ SEMPRE UM MOMENTO PARA A MUDANÇA

Não é apenas por não ser natural de Portalegre.
É também porque me sinto portalegrense.
É esta a razão que não me leva a comungar de um certo discurso e cultura provinciana existentes em muitas cabeças pensantes ou pseudo-pensantes, mas existentes também nalgumas organizações e meios de comunicação social, sobre a praxis de uma gratuita “cultura de apreciação”.

Poderia dar alguns exemplos que ilustrariam esta minha crítica e que assentam fundamentalmente num culto aos “filhos da terra”. Acredito que qualquer terra se sinta orgulhosa dos filhos que tenham sucesso dentro e fora dos seus limites geográficos. Não aceito é que se escamoteie, ignore ou simplesmente se descrimine a actividade, com mais ou menos sucesso, daqueles que não sendo portalegrenses, isto é, filhos da terra, mas que cá vivem, contribuem para o engrandecimento e desenvolvimento de Portalegre.

É uma prática muito provinciana, associada a uma ideia de comunidade hermética e selectiva: grupos de amigos, tertúlias de interesses, correligionários de partido e por aí fora. A riqueza das terras e dos lugares faz-se com a dedicação e admiração que se tem por esses lugares e territórios: nestes encontramos a natureza que nos envolve e as pessoas com as quais partilhamos os projectos, os afectos, o respeito e a admiração e, simultaneamente, a emergência de um espírito comunitário constitutivo de uma qualidade de vida colectiva.

Focaria apenas dois exemplos, distantes um do outro, e que são reveladores desta fragilidade cultural. O primeiro, há muito tempo, referia-se à saída de um portalegrense, isto é, de um “filho da terra” “rumo ao doutoramento”. Era assim a parangona em título de caixa alta num dos jornais locais. Afinal, depois de tantos portalegrenses, filhos de outras terras, terem também rumado ao doutoramento e terem voltado com o mesmo concluído. O que não aconteceu àquele outro, objecto de tão importante notícia.

O outro exemplo, mais recente. A atribuição do Prémio Pessoa ao Arquitecto Carrilho da Graça, portalegrense, digo, filha da terra. Nestes anos todos que vivo em Portalegre não tenho memória de ouvir falar muito, e publicamente, do arquitecto, a não ser há pouco tempo a propósito da reconstrução da Igreja de Santo António e agora com a notícia sobre o Prémio Pessoa. Quando porventura ouvia falar dele era como um arquitecto normal e, provavelmente, comunista. Mas valha-nos o Prémio para lhe perdoarmos o ser comunista, nem sei se o é de facto, e reabraçá-lo como um filho da terra, mas ilustre.

Tenho bastantes exemplos ao longo destes anos que vivo e trabalho em Portalegre e que me têm causado alguma perplexidade. De facto o que é preciso fazer-se, que ainda não se tenha feito e, porventura, ainda não se fez de facto, para que as mentalidades mudem e se tornem abertas ao mundo, isto é, para que se deixe definitivamente o patamar do retrógrado, do discriminatório e do chauvinismo.

Meus amigos, hoje, em Portalegre, temos portalegrenses, filhos da terra, como sempre houve tenho a certeza, que merecem este epíteto, porque foram e são cidadãos de referência nas suas áreas, porque são humildes na sua afirmação e porque são pessoas com uma visão cultural mais universal.

Temos também, e isto é importante para a aceitação de uma ideia de universalidade e de diferenças, portalegrenses, filhos de outras terras, algumas delas muito longínquas, que partilham exactamente este percurso de ser cidadão e pessoa em Portalegre, contribuindo desta forma, e sempre, para o engrandecimento da cidade, da região e do país.