30 junho 2008

O Forum da Rede Iberoamericana de Animação Sociocultural

O meu post desta semana, excepcionalmente longo, será preenchido pelo conteúdo da minha participação no Forum da RIA (Rede Iberoamericana de Animação Sociocultural) que decorreu no seu site até 6ª Feira passada. Foi um espaço interessante de reflexão e testemunho à escala global. Apenas gostaria de referir, e de lamentar, a pouca participação dos portugueses, sobretudo quando neste país já se formaram muitas centenas de animadores socioculturais. O espaço da reflexão e de partilha de experiências a esta escala é um momento único de vivência.

Sobre um dos textos em discussão: o do Prof. José Merino Feernandes
Vou iniciar a minha participação no Forum da RIA, desta feita, debruçando-me sobre o texto, aliás bastante interessante, de José Merino Fernandes (JMF). Considero-o uma reflexão profunda e paradigmática. Na sua essência e/ou filosofia estou em total concordância com o autor, mas já não estarei tanto quanto à sua conceptualização. Entendo esta reflexão teórica, porque é disso que se trata, como um caminho da utopia a ser pretensamente percorrido por JMF. Vejo-a, facilmente, como uma etapa de crescimento e maturidade do autor. Dificilmente, no contexto contemporâneo das Nações e dos Estados, essa utopia, ou esse caminho, que nos leva à conquista da utopia, alguma vez será trilhado em conjunto pela Humanidade.

Partir para uma ideia harmoniosa do mundo, trabalhando dois conceitos de cidadania, “cidadania participativa local com projecção universal ou cidadania universal” que, afinal, são duas formas de encarar o papel do cidadão no local e no global, é delinear uma esperança e um optimismo para uma nova ordem mundial. Este pensamento é próprio de pessoas generosas e solidárias, como creio ser José Merino Fernandes, pelo que escreve e pelo pouco que lhe conheço do contacto que tivemos em Bordeaux.

Enquadrar a Animação Sociocultural (ASC) na concretização dos dois conceitos de cidadania atrás referidos, trata-se, a meu ver, o encarar, de duas formas, o papel do cidadão no lugar e no global, sendo que, em ambos, o cidadão tem níveis de participação absolutamente diferentes. No primeiro, no local, é porventura a constatação do seu potencial, de criativo e de criador, ao serviço de uma proximidade que lhe é querida, afectiva e com a qual se identifica. Afinal de onde emerge a sua natureza. No segundo, no global, o cidadão apesar de poder estar “sobre o acontecimento ou o evento” a sua consciência colectiva, enquanto humanidade, perde-se em função de variáveis que se disseminam e tornam confusa a realidade e a forma de ver o mundo, o global. Aqui, uma vez mais, ele procurará aquilo com que mais se identifica criando afinal o seu local no global.

Vejo como percurso normal e evolutivo uma cidadania participativa local com projecção universal, pelas razões acima referidas, mas vejo já como uma enorme utopia, e só utopia, a concretização de uma cidadania universal. Se observarmos o contexto actual e a ordem mundial de hoje, tentar exercer uma cidadania universal activa é conquistar um passaporte para a morte. Se não vejamos alguns exemplos: o escritor Salman Rushdie esteve condenado à morte vários anos pelo islamismo radical, a propósito dos seus Versículos Satânicos; uma senhora de um Estado norte-americano, desconhecida, só porque, no seu blog, começou a defender a emancipação da mulher num país africano, a propósito de algumas práticas culturais, nomeadamente a da mutilação genital feminina, está condenada à morte por um ou mais países africanos; um jovem jornalista italiano que ousou escrever um livro sobre a Camorra e a Máfia tem também a vida em risco. São muitos e muitos os exemplos com esta amplitude, quando alguém ousa assumir o exercício de uma cidadania universal. É possível exercê-la num quadro mundial de maior compreensão entre as Nações e de uma mais profunda coexistência pacífica entre os povos. O papel da ASC aqui é de impotência se, porventura, os países não traçarem metas de desenvolvimento harmonioso e de maior justiça social universal. Já no plano do exercício da cidadania participativa local e com projecção universal vejo o papel da ASC como um dos privilegiados, mas a ser exercido numa perspectiva transversal, pluridisciplinar e intercultural.

A EUROPA (sobre A Declaração de Retorno)
De facto, o caminho que a Europa está a tomar é, no fundo, a renúncia ao seu universalismo. Na altura dos Tratados os mais conservadores referem sempre a importância de se manter a matriz católica da Europa. Já é uma perspectiva egocênctrica e redutora. Juntando agora esta Directiva de Retorno, é a arrogância e a rejeição dos princípios da Europa Humanista e da sua matriz singular. O implemento desta nova Directiva Europeia sobre o Retorno é algo que preocupa todos os emigrantes do mundo, cada um de nós. Somos, fomos ou tivemos alguém que teve necessidade de viver a condição de emigrante. Se por um lado preocupa uns, outros há que devem sentir vergonha da Europa por ter criado esta Lei. O paradoxo está em criar-se uma Directiva de Retorno dos emigrantes ilegais, ou ainda não integrados, no ano em que a própria Europa determina e considera ser o ano da diversidade cultural e da interculturalidade. Não se compreende!

Valeu a pena
Hoje, pelo que me apercebi das palavras do Miguel Blasco, é o último dia do nosso Fórum. Mas, como diz Sérgio Godinho, um cantor português, “ hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas”. Então, se entendermos o hoje como esse primeiro dia do resto das nossas vidas, teremos muito tempo pela frente. Claro, uns mais do que outros. Todavia o testemunho e a mensagem daquilo que nos une, isso, não pára. Porque, como diz também outro cantor português, Rui Veloso, “é muito mais o que nos une do que aquilo que nos separa”. Estivemos em contacto com o mundo, mas um mundo muito concreto. Muitos de nós conhecemo-nos há muito e outros haveremos de conhecer. Talvez no II Congresso da RIA, ou no III e por aí fora. Mas todos os dias vamo-nos encontrando por aí…
Gostaria de me ter envolvido mais nas discussões que decorreram neste Fórum. E foram muitas e ricas. Com substância emotiva, sensível, solidária, lutadora, inteligente, técnica, científica. Enfim valeu a pena “ouvir” o que os outros nos têm para dizer, assim como foi bom termos encontrado um espaço para dizermos também o que nos vai na alma. E há muito para dizer em função das nossas experiências, das nossas culturas (a interculturalidade) e dos nossos países. Uns demonstraram expectativas, ansiedade, desejo. Outros, mais cépticos, manifestaram estranheza, suspeita, revolta. Tudo isto é a essência da ASC; tudo isto é a humanidade do sentir, do constatar e do propor, que deve estar implícito nas competências técnicas e humanas de quem promove e intervêm na ASC. Essa diversidade cultural que, aparentemente, nos separa, aproxima-nos mais intensamente.
O que nos ligou, a nós ibéricos, entre muitas outras coisas, foi a capacidade comum de atravessarmos o Atlântico e de andarmos séculos a dizer que tínhamos descoberto a América. Afinal tínhamo-la achado (achamento), conceito oportuno, adoptado pelos nossos amigos brasileiros. Não descobrimos nada. Estava descoberto, havia lá gente. Sim achámos. Alguém que partiu de um lado e chegou a outro e encontrou…

O que nos ligou, a nós ibéricos, aos nossos companheiros da América Latina, foi esse momento do achamento que, infelizmente, não foi de encantamento. Mas isso é a História do passado. Porque a do presente, e a do futuro, construí-la-emos com a esperança num mundo melhor. No presente, ainda por nós, ao qual se juntam os nossos filhos. No futuro juntar-se-ão os netos… Mas vale a pena. Como dizia Luís de Camões, o nosso poeta maior “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena…
Neste nosso Fórum encontrei nos textos de José Merino Fernadez e de Maria José-Aguilar Idánez um espaço pertinente para o exercício da reflexão teórica. Sempre pensei que haveria mais tempo concentrado sobre estes dois objectos. Tal não aconteceu. A emergência foi mais no sentido de uma exposição sobre as experiências individuais e colectivas. As questões epistemológicas, no que concerne à animação sociocultural e mesmo em relação aos conceitos em discussão, a diversidade cultural e a educação intercultural foram, todavia, pouco debatidas.

Neste último momento gostaria de dizer que os dois textos dos nossos companheiros moderadores, JMF e MJAI, tocam-se nos princípios, diversificam-se com as estratégias, completam-se pelas intenções e definem-se com o Desenvolvimento. Do meu ponto de vista é interessante constatar que a “cidadania participativa local com projecção universal” pode ser alcançada e praticada com a implementação de uma “educação intercultural e minorias étnicastout court. Poderemos dizer que esta estará a montante daquela outra que está a juzante. O processus que as liga deverá implicar simultaneamente responsabilidades dos Estados-Nações, na definição de novas políticas, mas também dos cidadãos naquilo que é, ou pelo menos deveria ser, o despertar a consciência humana para o exercício sobre a diferença, a diversidade e a pluralidade na sociedade e no mundo.

Obrigado à RIA, ao Miguel Blasco e a todos os nossos companheiros espalhados pelo mundo que quiseram, neste Fórum, partilhar o seu saber, a sua experiência e os seus afectos.
Bem Hajam.