25 maio 2008

MEMÓRIAS DE ÁFRICA

Falar em cinco minutos sobre África? É impossível!
Justificar porque estou aqui já é possível.
Na primeira iniciativa dos estudantes africanos do Instituto Politécnico de Portalegre (IPP), realizada o ano passado por esta altura, estávamos presentes, não estou a mentir, apenas meia dúzia de europeus… ou europeus de origem africana!
Lembro-me de ter dito, no final do evento, que de África e dos estudantes africanos aqui de Portalegre, eu e os outros amigos esperávamos mais qualquer coisa. Talvez por ter sido a primeira experiência organizativa destes estudantes, o resultado foi um défice na forma e nos conteúdos.
Este ano reflectiram. E organizaram-se de forma a mostrarem a sua capacidade de expressar os seus sentimentos e a sua cultura, numa desejada partilha com toda a comunidade do IPP.

Na altura ofereci-me para ler um poema sobre África, continente que me corre, nos corre, a todos, nas veias. Pensem bem. Na minha emoção dizia na altura, parafraseando o poeta brasileiro Vinicius de Morais, ser naquele momento o branco mais preto da festa. E dizia-o com muito sentimento e muita verdade. Foi, talvez, essa verdade que transpareceu junto das nossas amigas e amigos africanos e que os levaram a convidar-me a estar presente, este ano, com um testemunho e um poema sobre África.

O meu conhecimento sobre África, não sendo profundo, é pelo menos grande, como acontece a todos nós, pelos laços de uma História conjunta. Mas está limitado ao território da Guiné-Bissau pela circunstância de pertencer a uma geração e a um período da História, desencontrados de uma realidade da altura. Era a emergência da auto-determinação e independência dos povos africanos de expressão portuguesa. Já outros povos tinham conseguido, há muito tempo, esse direito inalienável.

Fui então para a guerra. Apaixonei-me perdidamente pela terra, pelas pessoas e pela cultura! Este interesse e esta paixão foram a minha guerra e a minha liberdade interior. Sim, porque a outra liberdade, a exterior, a da universalidade, deveria chegar só três anos mais tarde.

A Guiné foi e continua a ser um dos países mais pobres de África. Só tenho pena que a solidariedade e a partilha existentes entre os movimentos de libertação, na altura do colonialismo, não tenham a mesma correspondência hoje entre os Estados: os mais ricos a apoiarem os mais pobres.

Mas de África, da Guiné-Bissau, não consigo esquecer os odores, a manga, a mancarra. Não esqueço aquele calor e humidade tão telúricos que nos colocam o corpo como um elemento natural da paisagem; não esqueço o cacimbo da noite e da madrugada onde, sob a sua guarida, escrevia por saudades aqueles a quem amava. Tão intensas como as que sinto hoje em relação à Guiné.

Lembro-me do ronco de choro na tabanca quando morria um(a) jovem;
Está presente na minha memória o ronco de festa quando morria um(a) velho(a) na aldeia;
Recordo-me das horas intermináveis a ouvir os Homens Grandes a contar histórias da sua História de país, de culturas e do mundo;
Meu Deus, que saberes tão profundos. E que mundividência! De Homens que conheciam, porque viajavam, quase toda a África e muitas vezes a Europa;
Mas também me lembro do agricultor de arroz, de pá longa ao ombro, calcorreando os estreitos caminhos da bolanha;
Não esqueço as bajudas em dia de festa do Fanado (cerimónia simbólica, a mutilação genital há muito que está ausente da sua cultura), envergando os seus trajes coloridos dançando ritmos em filas intermináveis;
Tenho ainda na memória as mulheres grandes e as bajudas, desnudadas, no leito do rio Mansoa, quais estátuas de bronze, apanhando com as suas redes camarões e caranguejos para as suas refeições, mas também para venda.

África é ainda muito mais!
Tem mais odores, outras gentes e mais culturas.
Possui outras faunas e outras floras, mais matos e outras selvas.
Contém outros gostos e outros frutos, outros sonhos e mais vidas.

É a Mãe do Mundo! O centro da maternidade!
Por isso, como amo a minha mãe, amo também a minha ancestralidade.

É por isso que amo África.