11 fevereiro 2008

SE HOUVESSE O ENCONTRO QUE PROPONHO, ACREDITO QUE EXISTIRIAM MUDANÇAS

Certamente que as pessoas que não me conhecem, já se aperceberam, pelas “Crónicas de Hoje” que mantenho regularmente na Rádio Portalegre, que o meu objecto de reflexão permanente é a Cultura, a Arte e a Educação. Tem a ver com dois caminhos que tenho vindo a percorrer ao longo da minha já média existência: a profissional e a académica. A minha insistência na reflexão sobre esta problemática surge apenas porque entendo que, quer do ponto de vista institucional, quer do ponto de vista individual e colectivo, Portalegre tem algumas condições, salvaguardo aqui a referência a outras inexistentes enunciadas na minha última “Crónica de Hoje”, para se afirmar como uma cidade e concelho eminentemente cultural, envolvendo o potencial e as vontades da sua população de origem, mas também daqueles que fazem da cidade e da região a sua terra.

Gostaria de referir a insistência de algumas mentalidades que reivindicam sistematicamente a emergência das oportunidades para os portalegrenses, referindo-se exclusivamente aos “filhos da terra”, expressão aliás bastante usada. Não estendo nem generalizo à população no seu conjunto este meu sentir, esta minha frequente constatação. Está muito mais centrada naqueles que têm o privilégio do espaço e do debate público. É uma afirmação provinciana com laivos de algum chauvinismo. Afinal, os portalegrenses somos todos nós, os que nasceram cá, os que não sendo de cá, vivem e trabalham em Portalegre e, naturalmente, a diáspora. Esta observação, apesar de relativizá-la, não deixa de evidenciar alguma discriminação e desencontros entre todos aqueles que, de uma forma ou de outra, querem ver a cidade, o concelho e a região evoluir.

Assim, a este propósito, gostaria de lembrar que no espaço de pouco mais de um mês saíram do prelo três livros produzidos em Portalegre: Crónicas Lagóias - Um auto-retrato e Outros Instantâneos de António Martinó de Azevedo Coutinho, editado pelo Instituto Politécnico de Portalegre (IPP); Jornadas Sobre Investigação - Comunicações e Posters, resultantes de um Encontro sobre Investigação concretizado o ano passado pelo IPP, a propósito de investigações levadas a cabo por um considerável número de professores de todas as suas Escolas Superiores. Uma edição também do Instituto Politécnico de Portalegre; finalmente, no sábado, 26 de Janeiro de 2008, foi lançado um livro de poesia, ou melhor dizendo, de não-poemas segundo o autor Carlos Garcia de Castro, com o título Gloria Victis - Não-Poemas, editado pelas Edições Sempre-em-pé.

O lançamento, com sessão de autógrafos pelo autor, realizado no Instituto Português de Juventude, foi um momento muito interessante porque permitiu uma ponte entre duas áreas artística: a música e a poesia. O projecto musical de António Eustáquio e dos seus companheiros, que num momento simbólico permitiu homenagear o nome de Carlos Paredes a propósito da presença de Luísa Amaro, teve o mérito de criar uma atmosfera de conversa informal, do autor com amigos e conhecidos aí presentes, assim como permitiu leituras poéticas ao vivo. A sessão foi interessante também pelo discurso informal de Carlos Garcia de Castro, todavia um pouco longo, a propósito da relação da vida com a morte e da interacção do autor com os outros, por vezes truculenta, que lhe advém do seu estatuto de senador. Citando o autor: “A minha idade é já de senador. Classicamente quer dizer, sou velho.”

Este momento, quer pela articulação das duas linguagens, a música e a poesia, quer por algumas afirmações de Garcia de Castro, a propósito de um conjunto de pessoas, nomeadamente de jovens, que se empenharam na organização do evento, valeu por algumas ilações que eu gostaria de tirar.
A um determinado momento Carlos Garcia de Castro nomeou um conjunto de pessoas de Portalegre que, como ele, têm percorrido um caminho na vida cultural desta cidade. O nome que registei particularmente foi o de Nicolau Saião, por ser uma personalidade que marca, com muita pena minha, uma ausência constante nestes pontuais momentos da vida cultural de Portalegre.

Num dos últimos post do ano de 2007 editei, neste blogue, uma Carta Aberta a Nicolau Saião procurando saber o que era feito de si, da sua obra e da sua presença. Fi-lo porque conheço um pouco a sua obra de poeta, de ensaísta e de pintor e também porque li, e leio regularmente, uma Revista Electrónica que vem do Brasil chamada AGULHA, local onde se encontram alguns dos seus ensaios, bastante interessantes, sobre literatura e arte. A resposta não se fez esperar. Viva, inteligente e acutilante. Manifestou-se desinteressado por uma presença sua na cidade, por considerar esta um pólo de interesses particularizados, restritivos e discriminatórios. Deu para perceber existirem algumas desilusões e desencontros.

Era aqui que eu queria chegar. Numa população que vai ficando cada vez mais senadora, nas palavras de Garcia de Castro, valerá a pena existirmos cada um de per si, em percursos e projectos cada vez mais isolados, construídos apenas para o nosso ego ou eventualmente só para o exterior? Não chegou o momento de fazermos contas do que vai ser o nosso futuro colectivo e comunitário, trabalhando por uma causa que constitui o paradigma de um novo desenvolvimento local e em que todos nós temos o compromisso de sermos protagonistas dessa mudança? Não terá o nosso exemplo um efeito negativo que leva os mais jovens a não estarem presentes ou simplesmente a emigrarem ou imigrar?

Se o evento de sábado, 26 de Janeiro de 2008, juntou áreas da arte e da cultura, como a música e a poesia; se outros exemplos esporádicos vão surgindo, lembro um projecto profundamente comunitário e cultural, o Flautista, levado a cabo há uns anos pela Companhia de Teatro de Portalegre e que envolveu toda uma população e todos os grupos culturais da cidade e do concelho, então é porque existe latente uma vontade colectiva de nos empenharmos na mudança e na criação de novas oportunidades para a afirmação cultural e artística de Portalegre, cidade e concelho, mas também da região.
Falta-nos naturalmente pontes de interacção e, seguramente, pontos de contacto. É aqui que a ausência de uma política cultural se faz sentir.

Os responsáveis de Grupos, de Associações Culturais e Artísticas, de índole profissional e amador, e pessoas, individualmente, que já afirmem projectos ou que gostariam de ter oportunidade de o fazer, deveriam estar disponíveis para um espaço da reflexão, de debate, mas também de reconciliação. Acredito que um Encontro sobre “Que cultura para Portalegre?” envolvendo os elementos acima referidos, mas também responsáveis de organizações como o IPP, o Conservatório, a Câmara Municipal, assim como personalidades disponíveis para esta reflexão, permitirá que, olhos-nos-olhos, se discuta o que é urgente fazer em matéria de desenvolvimento cultural para a cidade e concelho de Portalegre. Estou seguro também que, o estarmos de costas voltadas uns para os outros, não nos permite ser cidadãos de referência e, muito menos, nos permite entender e consciencializar uma cidadania plena de que não devemos abdicar.