20 janeiro 2008

QUE CULTURA É ESTA AMIGO?

Mas soube-me a pouco, mas soube-me a pouco!
Parafraseando Sérgio Godinho, para dizer que a cultura que vamos tendo em Portalegre sabe-me efectivamente a pouco. Não tanto porque seja pouca ou inexistente, mas porque é atípica, porque não é estruturante e não faz parte de uma verdadeira e eficaz política de desenvolvimento local. Segundo Lebret* "A finalidade do desenvolvimento não é que os homens tenham mais, senão que sejam mais".

Do meu ponto de vista, não existe uma política cultural para o concelho de Portalegre!

Onde estão os espaços socioculturais comunitários? Literalmente não existem, assim como não existe esforço para preencher esta lacuna.

Onde estão as práticas culturais e artísticas da comunidade? Estão praticamente reduzidas aos grupos que existem de há 20 anos a esta parte.

Onde está o movimento associativo cultural e artístico? Simplesmente ignorado. Ausência absoluta de criação de condições que apele ao surgimento do novos grupos, novos projectos e novas linguagens estéticas, artísticas e culturais.

Onde está o apoio aos artistas e escritores locais. Ignora-se simplesmente a sua existência.

Onde pára um Órgão de consultoria que deveria ser importante na estrutura organizativa de um município, que é exactamente a Comissão Municipal de Cultura. A sua existência poria em causa esta espécie de política cultural local ou, simplesmente, não permitiria a gestão da cultura desta forma.

Onde está uma Rede Cultural intra-região e inter-regiões que permita o intercâmbio de projectos e produtos culturais e artísticos de qualidade e que rentabilize a preços mais económicos a função do Centro de Artes do Espectáculo (CAE). Comprometendo parcerias e mecenato nessa Rede.

Onde estão as dinâmicas culturais, artísticas e pedagógicas traduzidas pela existência de um departamento de animação, pedagogia e arte existente no CAE, capaz de incentivar o aparecimento de novos fazedores de cultura inter-geracional.

Os públicos de cultura não se criam só com a ideia de uma programação “à la carte”. Fazem-se com a vivência da fruição artística e cultural, é verdade, mas também e fundamentalmente se fazem com as vivências da própria experimentação e criação culturais.

Não quero interferir na gestão e programação do CAE, apesar de ser atípica, não estruturante e inacessível. Serve uma minoria da população da cidade e não incentiva, nem cativa a maioria da população do concelho.

Continua a fomentar-se, pelas freguesias do concelho, unicamente, as festas tradicionais de expressão mais popular, assente eternamente no espaço bem português dos “comes e bebes” em detrimento de outras vivências e contactos com objectos culturais diversificados na estética e na linguagem.

Esta reflexão permitiu-me aprofundar a ideia de que os hábitos e as práticas culturais têm uma correlação com a utilização desses potenciais espaços de fruição e criação culturais, contribuindo, assim, para a criação de públicos culturais fruidores e produtores de cultura.

Esta reflexão também me elucida definitivamente sobre a inexistência de compromissos respeitantes à cultura e à arte, entre os responsáveis da cultura da autarquia de Portalegre e as suas populações, apesar de irem ser gastos 500 mil euros no CAE. Esta operação de charme permite iludir os incautos, os bem-intencionados, os indiferentes, os revoltados, os acomodados e os pobres.

Não desvalorizo o financiamento que se irá fazer no CAE e na Quina das Beatas. Apenas recomendo, por um lado, uma maior justiça distributiva para todo o concelho e, por outro lado, uma maior disposição política para estabelecer itinerários de cultura por todo o concelho.

Estes dois princípios acentuam a emergência da construção ou da recuperação de espaços de socialização comunitária capazes de serem, simultaneamente, receptores de objectos de uma maior diversidade de estéticas e de linguagens artísticas e culturais inovadoras e espaços comunitários de experimentação artística e cultural, também inovadora, mas com um sentido claro de expressão local.
* Citado por Ander-Egg (1980): "Metodologia y práctica del Desarrollo de la Comunidad." Buenos Aires, Humánitas.