09 dezembro 2007

O TEATRO MUDOU A VIDA DELES

O conceito que as pessoas têm de Teatro, de uma maneira geral, é bastante restritivo. A ausência de políticas culturais e educativas concretas que institucionalizem formas da sociedade se relacionar com o Teatro e, por sua vez, deste se envolver com as comunidades através da criação de hábitos e de práticas culturais permanentes, leva a que o conceito seja reenviado quase exclusivamente para a prática teatral versus espectáculo de teatro.

Mas o Teatro, nas suas duas componentes Arte Dramática e Expressão Dramática, conceitos fundamentados pelo autor deste texto e deste blog em sede de doutoramento e cuja tese está publicada em livro com o título: Teatro e Animação - outros percursos do desenvolvimento sócio-cultural no Alto Alentejo; Colibri, Lisboa, 2003”, amplia toda uma praxis da acção teatral que vai da terapia à intervenção social, da educação à animação comunitária, da formação artística à produção do espectáculo, enfim, da assumpção das capacidades de expressão e comunicação individual e colectiva à criação da obra de arte tout court.

A minha experiência em redor do Teatro tem-se traduzido progressivamente, no espaço e no tempo, pela minha formação académica como actor/encenador, pela minha prática como actor/encenador numa estrutura normal de produção artística profissional, pela minha experiência de formador e animador teatral (formação de actores, bailarinos, professores e educadores, animadores socioculturais) e, finalmente, pelo meu percurso de quarenta anos como animador: cultural, comunitário, social, artístico e educativo.

Este percurso permitiu-me passar por todas as formas de abordar o Teatro, tal como refiro no 2º parágrafo deste texto. A experiência terapêutica, aquela que recordo profundamente, está associada à minha condição de ex-combatente na guerra colonial. Num primeiro momento, o período da comissão na Guiné propriamente dito, todo o esforço emocional, físico e psicológico, vivido em situações difíceis, foram ultrapassáveis graças aos momentos dedicados à prática teatral como actor/encenador e como animador teatral em plena campanha no mato. No segundo momento, o retorno à vida civil, todo o processo associado ao stress pós-traumático de guerra foi paulatinamente resolvido a partir da minha formação no Conservatório Nacional e da minha experiência como actor no Centro Cultural de Évora, hoje CENDREV.

A partir daqui a minha relação com o Teatro tem assumido essencialmente duas formas: a da formação artística, como artista e pedagogo, e da animação sociocultural, como animador, que utiliza o Teatro como um elemento fundamental na afirmação e socialização comunitárias e no desenvolvimento sociocultural local.

A razão desta minha reflexão está associada a um pequeno artigo publicado na Revista TVMais de 30 de Novembro e que diz respeito ao trabalho que um actor brasileiro tem vindo a desenvolver num bairro social em Lisboa. Aqui, os problemas da juventude são tantos, que a melhor forma de os consciencializar para a sua resolução foi envolvê-los, através do Teatro, numa maior participação social que valorizasse, em todos os sentidos, a dimensão colectiva e comunitária mas, sobretudo, que aumentasse a auto-estima individual capaz de determinar a acção e a mudança social.

Experiências desta natureza, isto é, a utilização do Teatro na intervenção social e comunitária, levadas a cabo por actores profissionais em Portugal são pouco significativas. Exceptuando algumas companhias de Teatro residentes fora de Lisboa, que o fazem mas que têm em vista a produção do próximo espectáculo, exceptuando algumas associações socioculturais despertas para esta questão, como a Crinabel por exemplo, que contratam actores profissionais para o desempenho dessas funções, exceptuando também alguns professores de Teatro dispersos pelo país que leccionam a disciplina de Expressão Dramática e Teatro no secundário, exceptuando enfim estes três grupos, pouco significativo é o papel do actor profissional que, envolvido na redoma de vidro da sua criação artística, esquece que há um mundo real cá fora que precisa também da sua outra forma de envolvimento. Porventura mais militante, porventura mais voluntariosa e, porventura, também um pouco mais generosa.