18 dezembro 2007

O MUNDO MARAVILHOSO DAS HISTÓRIAS DE ENCANTAR

Na minha infância ouvir contar histórias era absolutamente normal. Havia sempre uma avó ou uma ama que nos encaminhavam para o mundo do maravilhoso e do fantástico.

Eu tive o privilégio de ter ouvido as duas em contextos diferentes. Em casa da minha avó era o pretexto para a reunião da família, dos mais velhos com os mais novos, e todos cresciam com a essência de uma identidade e de uma cultura comum, aberta para a diversidade e para a universalidade.

Em casa da minha ama, a Mãe Camélia, era o espaço da aprendizagem e da partilha do saber e do conhecimento com os outros meninos e meninas, sentados em almofadas pelo chão ou em banquitos de madeira onde a aprendizagem formal se desenrolava através da individual pedra preta (ardósia) e da pena para a escrita e para o cálculo.

Também neste contexto, na casa da ama, tínhamos o privilégio de ouvir a rádio em períodos diferentes do dia. É interessante recordar a importância que este objecto tinha na nossa cultura do quotidiano. Para a ama, a audição das rádio-novelas e de teatro radiofónico feito por actores portugueses, emitidos pelo Rádio Clube Português e pela Emissora Nacional. Para nós, os outros, a expectativa da hora das histórias narradas e contadas em português, com sotaque, vindas do Brasil, emitidas semanalmente pelos Emissores Associados de Lisboa.

Não havia em Portugal a tradição de se gravar histórias contadas em português sem sotaque, pelo que aquele momento era único e apaixonante. Quando esse espaço faltava nós sentíamo-lo com muita intensidade.

Durante muitos anos o espaço tradicional das histórias esteve centralizado na família, passando para a área da educação quando a Escola se abriu mais à comunidade e ao mundo.

Nos últimos anos a Escola tem cumprido essa tarefa, mas tem vindo a transformá-la num espaço de aprendizagens formais. Com o boom das novas bibliotecas e museus criaram-se as horas do conto com dois objectivos: por um lado, a tentativa de criação de hábitos de leitura e, por outro, a animação pedagógica e lúdica desses espaços a partir de histórias contadas e dramatizadas. A impressão que tenho é a de que o acto de contar foi subalternizado, salvo algumas excepções, pelos momentos que lhe dão continuidade: o jogo, o lúdico, a dramatização e a leitura.

Também neste últimos anos cresceram os profissionais contadores de histórias que têm como objectivo recuperar e manter a tradição oral. São actores, professores, educadores, animadores ou gente que gosta de contar histórias simplesmente: os andarilhos da tradição oral. Este projecto partiu do individual para o colectivo, tendo hoje uma tradução significativa nos encontros de andarilhos anualmente em Beja.

Estas minhas memórias surgiram hoje aqui porquê? Porque achei interessante sobre o modo como as novas tecnologias poderão estar ao serviço do ler e contar histórias do maravilhoso e do fantástico, mas também do romance, do ensaio e por aí fora. Um artigo na Revista Actual do Jornal Expresso de 01 de Dezembro de 2007 dá-nos conta disso. Audiolivro é o novo conceito: “o resultado de uma gravação áudio de um livro, gravação essa apenas a uma só voz. Actores e autores são os principais narradores dos livros que se ouvem, aos quais dão uma interpretação pautada pela capacidade de contar histórias.” Curiosamente, dentro do artigo, há referências à História das histórias contadas e gravadas em disco, justamente com sotaque brasileiro, bastante ouvidas, segundo os autores, na década de 70. Pois é, muito antes, na década de 50, já eu as ouvia nos Emissores Associados de Lisboa.

Vale a pena reconstruir a história e os hábitos saudáveis. Era uma vez…