16 outubro 2007

DIA DE ANOS



Faço aqui, hoje, a propósito do meu dia de anos, uma homenagem ao poeta João de Deus, em cuja cartilha aprendi as letras que me permitem comunicar com o meu semelhante. A ironia do poeta sobre o dia de anos ou sobre a festa que o sustenta, projecta-nos para a ambivalência da vontade de fazer anos. Por um lado, a expectativa da prenda. Por outro, a certeza de mais saber, porque mais experiência, corolário de um vivido.O paradoxo de quem faz anos, e começa a fazer já muitos, é a certeza de que se projecta no futuro, o qual não tem a certeza de agarrar. Por isso recusa a prenda, porque lhe lembra o amanhã. Mas também recusa a festa, o dia de anos, porque o coração teima docemente olhar para ontem.
DIA DE ANOS
I
Com que então caiu na asneira
de fazer na quinta-feira
vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse…
mas fazê-los não parece
de quem tem muito miolo.
II
Não sei quem foi que me disse
que fez a mesma tolice
aqui o ano passado…
no que vem, agora, aposto,
como lhe tomou o gosto,
que faz o mesmo? Coitado!
III
Não faça tal: porque os anos
que nos trazem? Desenganos
que fazem a gente velho:
faça outra coisa; que em suma
não fazer coisa nenhuma,
também lhe não aconselho.
IV
Mas anos não caia nessa.
Olhe que a gente começa
às vezes por brincadeira,
mas depois, se se habitua,
já não tem vontade sua,
e fá-los, queira ou não queira!