27 maio 2006

TEXTOS MAIO 2006

De vez em quando surgem ideias geniais por parte dos partidos que vão estando no governo deste país. Muitas dessas ideias são de tal ordem geniais que a sua realização e/ou execução se tornam complexas. É uma complexidade que afecta, a maioria das vezes, aqueles que fazem trabalhar a máquina da administração do Estado.

Se é verdade que o actual governo do PS tenta, a todo o custo, mexer nessa máquina infernal, burocrática, morosa e despesista, ensaiando novas dinâmicas e novas respostas da administração pública, nem que para isso muitos dos funcionários públicos sejam dispensados, sobretudo os que “estão a mais”, nós acreditamos que estão mal distribuídos, também é verdade que muitas das decisões a esta mudança não podem passar por pôr em causa estatutos profissionais, direitos adquiridos e políticas democráticas que regem os princípios da coexistência pacífica, onde os valores têm uma dimensão universal.

Nos últimos governos do PSD/CDS, o Ministério da Educação quis “lavar as mãos” de responsabilidades, que só a ele competia, na questão da colocação dos professores. Tentou que esta responsabilidade passasse para as autarquias. Ainda bem que o movimento sindical de todas as tendências o impediu, e também muitas autarquias, que reconheceram ser esta uma tarefa do poder central. Podemos imaginar, que em muitos concelhos onde ainda impera o caciquismo local (uma prática salazarenta ainda em vigor em muitos locais) e onde o compadrio político se faz sentir com muita acutilância, muitas injustiças e arbitrariedades iriam decorrer desta nova competência do poder local.Felizmente que esta intenção não seguiu em frente.

Com este governo do PS, já aqui nos manifestámos, colocaram-se professores em locais que estão fora das suas competências profissionais, nomeadamente em museus, companhias de produção artística, centros culturais, etc., justificando assim o emprego total (falso) dos professores e fazendo cair o emprego de novas profissões vocacionadas para esses lugares, como são por exemplo os animadores socioculturais.

Também com este governo PS estão a pôr-se em causa as competências dos professores, quando têm de fazer substituições em áreas que não são as suas e têm de prolongar um horário que não traz mais valias à função educativa. Mais um espaço vocacionado para a intervenção dos animadores socioculturais nas escolas que está ser perdido.

Finalmente, ainda com este governo PS, a última medida anunciada sobre a Escola, cai sobre a interferência dos pais na avaliação dos professores. É uma medida surrealista. Afinal que competências têm os pais, e que o digam os pais-professores, para haver uma promiscuidade na função? Estamos completamente de acordo que se façam provas públicas de competências para progressão nas carreiras, não só com os professores, como também com toda a administração pública. A questão aqui é saber quem deve estar no juízo dessa avaliação. Naturalmente os pares, que são os que sabem da poda. Pensamos todavia que os júris deverão ser constituídos por elementos internos e externos às organizações.

Esta medida a ser realizada, leva-nos moralmente a avaliar-nos uns aos outros, independentemente das competências. Eu, como pai, professor e cidadão quero começar a avaliar os juízes, os médicos…e por aí fora!





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Portugal, enquanto país, tem seguramente muitas dívidas de gratidão para com muitos portugueses e estrangeiros que, nas suas áreas e actividades, têm contribuído para o desenvolvimento e evolução do país.

No plano da Educação e da Cultura gostaria de realçar dois nomes com quem muita gente da minha geração se cruzou numa área comum, o Teatro (nas suas duas componentes Expressão Dramática / ExDra e Arte Dramática / ArtDram), através das aprendizagens transmitidas por estas individualidades de excelência: GISÈLE BARRET, Professora Jubilada da Universidade da Sorbonne (França) e da Universidade de Montréal (Canadá) e JOÃO MOTA, Professor Jubilado da Escola Superior de Teatro e de Cinema (Portugal). Um e outro souberam e quiseram, durante os últimos trinta anos, contribuir para a integração plena desta área na educação, nomeadamente na formação de professores e de educadores de infância. Os seus discípulos e, posteriormente colegas, não esquecerão, seguramente, o perfil de artistas e de pedagogos que lhes foi dado como referência e, portanto, como herança.

Felizmente a gratidão e o reconhecimento a estes grandes senhores já se faz sentir. Acaba de ser publicada uma monografia, e aqui louvo a coragem e a competência da Eugénia Vasques que a elaborou, sobre João Mota enquanto pedagogo teatral. Ao mesmo tempo, um conjunto de ex-alunos de Gisèle Barret, a maioria professores no ensino superior, fez chegar ao conselho científico de uma universidade portuguesa um dossier, ainda a completar-se, no sentido de lhe ser outorgado o título de doutor honnoris causa. Penso também que o João Mota mereceria este grau académico. Fica aqui lançado o repto a qualquer uma das universidades portuguesas, nomeadamente a todas as que têm cursos de teatro.

Gostaria apenas de transcrever uma pequena nota introdutória do livro da Eugénia Vasques sobre João Mota, que revela afinal a dimensão humana, artística e pedagógica deste actor, encenador, professor e pedagogo:“Para João Mota, a ideia de biografia não é uma ideia produtiva. Sensível, quase até à obsessão, pelo fazer e ter projectos, pela interrogação e pelos desafios, enumerar coisas já feitas constitui para esta criatura enérgica e estuante de vida não só uma concessão ao narcisismo como um princípio de enclausuramento próximo de morte anunciada. (…) este professor entende a Pedagogia como um modo de ser simples, de estar atento e gostar dos outros, depois de gostar de si e um modo de, mudando-se a si mesmo e ajudando os outros a aceitar a mudança e a diferença, intervir objectivamente na sociedade.”





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“ Fomos convidado a escrever para a Revista Riso e Riscos Nº 1 do Internato de Nossa Senhora da Conceição, em Portalegre. O tema geral da Revista está subordinado ao tema «Sombras no Olhar». Pelo facto da revista ter uma divulgação apenas local, tomei a liberdade de publicar no meu blog, com a respectiva concordância da directora, a minha colaboração na revista.”



A CULTURA ESPREITA AS SOMBRAS…

Quando escrevo tenho consciência de duas dimensões que podem interferir nos conteúdos que quero partilhar. Por excesso, o não conseguir desligar-me da dimensão científica que se apresenta no meu quotidiano, na Escola e em casa, mas também no tempo e no espaço que as separa. Por defeito, o pessoalizar de tal forma a intenção da escrita, que deixo de definir a linha entre a emoção e a razão. De qualquer modo, em ambas as dimensões tenho consciência de não perder, ainda, a noção da realidade, mesmo quando ela se (nos) apresenta em (por) metáforas.“Sombras no Olhar”! É a metáfora que nos conduz, no limite, à consciencialização dessa linha que separa a emoção da razão. Compreendemo-la enquanto leitmotiv que pressiona os processos de legitimação da cidadania e, enunciá-la desta forma, referindo-se a pessoas, neste caso a crianças e jovens institucionalizadas, é apresentar permanentemente as razões da solidariedade.

A solidariedade constrói-se a partir daquilo que se dá, mas também através da forma como se vive. Os valores que levam à prática da solidariedade, capazes de eliminar as tais sombras no olhar, são extensos, plurais, intensos, diferentes, diversos e tudo o mais que constitua a satisfação, individual e colectiva, de fazermos o melhor pelos outros.

Não se trata de incluir nesta dádiva uma ideia exclusivamente material da solidariedade mas, pelo contrário, trata-se de reforçar o sentido da solidariedade como uma dimensão absoluta onde predominam os valores e as crenças, a cidadania e a democracia, o conhecimento e o saber, o humor e o amor. Trata-se afinal de entender a solidariedade como um acto cultural, uma forma de vida individual e colectiva, um projecto de sociedade. Falamos assim de cultura e dos seus processos de socialização.

Socializando-se pela e com a cultura torna-se mais fácil consciencializar para a cidadania, no que isso implica nos deveres e nos direitos de cada um de nós. É a oportunidade de construirmos o percurso da autonomia que nos há-de conduzir à legitimação dos nossos interesses e à afirmação das nossas necessidades.

Vejo, com este princípio, a oportunidade para que muitas sombras no olhar, em crianças institucionalizadas, se dissipem e se transformem em coisas do olhar vistas com profundidade. Afinal, coisas do olhar vividas em oportunidades permanentes, criadas pelas instituições que acolhem essas crianças e jovens, assim como pelas comunidades envolventes e/ou pela sociedade em geral.

A criação de espaços de afirmação cultural, artística, social e educativa em espaços privados, portanto em casa e/ou em espaços públicos, portanto na comunidade, deve ser uma prioridade, de forma a fomentar nas crianças e nos (as) jovens vontades de crescimento intelectual, apetências para a fruição cultural e autonomias para a participação/criação cultural e artística.
Tal como em casa cabe aos pais criar espaços conjuntos de crescimento e autonomias, nomeadamente aquelas que implicam processos de socialização societária, e que complementam a dimensão educativa partilhada com a escola, também nas instituições de acolhimento de crianças e jovens esta dimensão deve estar presente como uma prioridade absoluta, criando-se paisagens de harmonia, de estética, de reflexão e de experimentação.

A tarefa das instituições, desenvolvida por uma equipa técnica competente, eficaz, sensível, culta e democrática, deve constituir o espaço capaz de fazer a ponte cultural entre a vida privada e a vida pública. Sem reduzir exclusivamente a sua intervenção a uma actividade social e/ou educativa, estas equipas deverão fomentar nas crianças e nos (as) jovens novos interesses e novas necessidades que os (as) ajude a conhecer o mundo e dele possam usufruir o conhecimento e partilhar o saber e a arte. O papel do (a) animador (a) sociocultural é de uma intensa responsabilidade. Cabe, nas suas tarefas internas, criar condições para uma experimentação que envolva as crianças e os (as) jovens em actividades onde o lúdico (o jogo, a socialização e concretização de projectos comuns, mas também diferentes), a expressão artística (nomeadamente através das linguagens teatral, musical e da própria dança), a comunicação oral e verbal e a comunicação não-verbal, mas também o conhecimento literário e a leitura, a tradição e a inovação, sejam objectos de interesses permanentes, autonomizando-as para a procura das questões do sensível e da inteligência e consciencializando-as para as oportunidades surgidas em função dos seus interesses e necessidades.

O trabalho desenvolvido na instituição deve contribuir para a criação de hábitos culturais e artísticos e deve despoletar nas crianças e nos (as) jovens sentimentos para a participação e criação cultural e artística que se projecte para além do seu espaço privado. O espaço público, afinal o espaço da própria integração sociocultural, é um dos anseios absolutos de qualquer ser humano e estes, mais do que ninguém, devem ter a oportunidade de conquistá-lo afirmando a sua igualdade e os seus direitos de cidadania.

Esta tarefa do (a) animador (a) iniciando-se em casa, isto é, na instituição acolhedora, cria assim nas crianças e nos (as) jovens um substrato cultural que lhes permite entender melhor o mundo, ao mesmo tempo que as desafia a experimentar a cultura em toda a sua plenitude. Podemos afirmar que a ponte está feita, isto é, as conexões entre as suas vidas privadas e públicas fazem-se naturalmente, sem constrangimentos e com a plena consciência do direito de igualdade de oportunidades. Mas a tarefa ficará muito mais completa se se comprometer também a comunidade envolvente, neste projecto comum, de crescimento das crianças e jovens. A instituição e o (a) animador (a) deverão manter contactos permanentes com as organizações locais, regionais e nacionais, de âmbito cultural e artístico, de forma que o envolvimento destas crianças e jovens se faça de um modo natural, isto é, progressivo e democrático. A vida pública, recheada de diversidade, permite a cada um (a) destes (as) jovens e crianças, fazerem as suas opções socioculturais. A fruição e/ou criação culturais e artísticas estarão ao mesmo nível de acesso que a escola, a família e os amigos e isso dá-lhes coragem para reivindicarem a legitimidade de experimentarem e construírem novos projectos de vida.Voltando à metáfora sombras no olhar. Relacionando-a com a cultura e com a arte entendemos que, através da vivência destas, as sombras no olhar produzirão progressivamente uma teia de cores que corresponderão à afirmação do direito de cada um a estar no mundo, seguramente melhor preparado para enfrentar todas as intempéries.





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Por se gostar de arte ou apenas porque se é romântico, muitas pessoas, num determinado momento das suas vidas, tiveram o sonho ou o desejo de se fazer à estrada, integrando uma caravana de circo, qual saltimbanco, para explorar a ilusão voadora no trapézio ou encontrar a felicidade no riso do palhaço.
Na memória de muitos de nós, sobretudo dos mais velhos, daqueles que não foram educados em tempo e época de globalização, perpassa a nostalgia de uma cultura popular, traduzida por afectos e proximidades e vivida intensamente em comunidade.
Entre essas culturas populares o Circo estava muito presente. Situado entre artes mágicas e técnicas de arrojo, o Circo envolvia-nos no seu chapiteau como um manto que nos protegia, por algum tempo, da crueldade do mundo e, lá dentro, denunciava-as.
O Circo, arte ancestral, capaz de conciliar a tradição e a inovação está, apesar disso, secundarizado no interesse das pessoas que, por sua vez, encontram novas atracções sob o chapiteau do mundo. Por isso está esquecido ou preterido. Faltam-lhe os afectos e a partilha que imperavam numa relação saudável, autêntica e humilde com o público. Falta-lhe sobretudo a dialéctica na relação.
De repente a Televisão fez-se amiga do Circo! Com o intuito de aumentar o share em horário nobre fez um reality show passado no circo. Não se discute aqui o conceito de reality show nem sequer a performance dos candidatos ao prémio final. Diremos apenas que, através desses candidatos, o Circo mostrou a arte nobre que o envolve: o sentido de grupo, a preserverança, a coragem, o saber e a humildade. O Circo mostrou que os homens e as mulheres, que o constituem, são dotados de uma enorme capacidade de se apropriarem das artes e técnicas circenses, de as viverem intensamente e de as transmitir de uma forma natural e responsável aos aprendizes. São uns pedagogos natos. O saber e o fazer andam de mãos dadas até à perfeição.Faltava-nos afinal saber mais sobre como se vive no e para o circo. A Televisão foi amiga do Circo e mostrou-nos. O Circo tornou-se de novo popular e desejado.





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É importante que dos encontros sobre Animação Sociocultural que vão proliferando pelo país, saiam documentos que traduzam o espaço da reflexão existente e que, todos juntos, possam configurar e justificar o(s) modelo(s) de animação que queremos implementar tanto na formação (técnica e superior) como nos campo da intervenção.
No caso das 3ªs Jornadas em Chaves saiu o livro final de todas as comunicações. Documento importante que nos alerta para a prioridade de se definir epistemilogicamente o conceito de Animação Sociocultural, embora se perspectivem duas abordagens à formação: uma, que configura uma formação geral e específica e que parte da ideia mais geral de uma Animação Profissional tout court; outra que se perspectiva a partir do trabalhador social também tout court e finalmente uma outra que emerge claramente da Pedagogia Social ou das Ciências da Educação. Só a definição de Bolonha, em toda a Europa irá definir o(s) modelo(s) definitivo(s).


No caso do I Fórum em Portalegre, que decorreu o ano passado, todo o seu conteúdo será publicado na Revista Aprender Nº 30, de Dezembro de 2005, e sairá justamente no primeiro dia do II Fórum que terá início a 17 de Maio de 2006. Seguramente também daqui sairão os documentos inerentes.

II FÓRUM DE ANIMAÇAO EDUCATIVA E SOCIOCULTURAL: SABERES E EXPERIÊNCIAS
17 E 18 DE MAIO
AUDITÓRIO DA ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE PORTALEGRE