10 junho 2013

COMENDADOR MANUEL SIMÕES BENTO

Primogénito de nove irmãos e de família pobre.
Aos oito anos trabalhava ao lado de seu pai como carpinteiro da construção civil para ajudar na criação dos irmãos e irmãs mais jovens. Num dos novos bairros lisboetas dos anos 40 do século passado, o Bairro da Encarnação, emana uma áurea de sacrifício e dor de uma criança que partiu uma perna pela primeira vez, entre várias vezes, ao longo do trabalho duro na sua vida.
Aos dezoito anos casa. É nesta altura que, pela primeira vez, calça um par de sapatos.
Aos vinte anos é pai pela primeira vez e aos vinte e dois é internado no Hospital do Desterro durante nove meses com uma meningite tuberculose.
Aos trinta e três anos entra nos quadros da FIMA/Vaqueiro. É um auto-didacta. Aos trinta e cinco prepara-se, ele próprio, para fazer, como externo, o exame da 4ª classe. Aos trinta e sete ajuda, generosamente, a preparar e leva várias pessoas, vizinhos/as, à mesma prova com sucesso.
Durante vários anos contribuiu para o ingresso de muitas pessoas, como trabalhadoras, no complexo da Unilever (Fima, Lever e Olá) em Sacavém, Santa Iria de Azóia e Lisboa.
Aos 45 anos matricula-se na Escola Industrial Machado de Castro para fazer o curso de mestre- -de-obras. Faz o 2º ano. É obrigado a desistir por motivos associados aos vários acidentes de trabalho tidos durante a sua vida e que o levam a perder progressivamente a sua mobilidade. Mesmo assim, e até ao fim da sua vida, com duas canadianas como apoio, nunca deixou de trabalhar, de se mexer, de viver com garra. Uma semana antes de falecer ainda conduzia o seu automóvel.
Construiu, praticamente sozinho, três casas para a sua família. Todo o recheio das casas era construído por si. Grande carpinteiro/marceneiro. Um artista de grande sensibilidade estética!
Foi um excelente pai que, como muitos outros, quis o melhor para os seus filhos. E deu-lhes o que eles quiseram e ele pôde.
Morreu a 04 de Abril deste ano de 2013. Faria a 23 de Agosto próximo 84 anos.
Este Senhor é o Comendador Manuel Simões Bento.
Este Senhor é o meu Comendador.
Este Senhor é o meu PAI.



09 junho 2013

                          A BANALIZAÇÃO DA MEDALHA OU DA CONDECORAÇÃO


Numa peça de teatro de Catherine Dasté, “O Eucalipto Feiticeiro, Jerónimo e a Tartaruga”, há um quadro que se chama “o país dos medalhosos”. A fábula é a de que o medo que têm pelo Eucalipto Feiticeiro leva aqueles cidadãos a portarem-se bem. Por isso têm medalhas. País cinzento este que atribuiu medalhas cinzentas a cidadãos cinzentos.

O nosso país também se tornou um país de medalhados. Não por causa do medo, mas porque continuamos ainda cinzentos, herança de um regime cinzento. Por tudo e por nada é-se medalhado, condecorado. Se tivéssemos um Rei seríamos um país de duques e baronesas. Como temos a República temos imensos comendadores e medalhados.

A banalização das condecorações tanto a nível nacional como a nível local, alterou o significado do feito que leva alguém a ser distinguido. Não basta ser um bom ou exímio trabalhador na sua área, é pago para isso; não basta ter uma ideia brilhante; não basta mostrar que se está nos lugares públicos. De facto, a dimensão de se viver apenas, não deveria ser razão para distinções. É preciso fazer-se algo de diferente. Em prol da Ciência, da Arte, da Cultura, pois claro. Mas também, e sobretudo, fazer alguma coisa de diferente pelos outros, pela comunidade e pelo país, através da abnegação, da solidariedade, da generosidade, dos afectos…

Temos muitos(as) comendadores(as) e medalhados(as) no âmbito nacional e local. Algumas dessas pessoas merecem essa distinção, mas a maioria tem-na porque o processo não está desvinculado dos interesses de grupos, de partidos, de lobbies, etc.

Era interessante que se reencontrasse a dimensão que singulariza o acto de se ser condecorado ou medalhado. Afinal deve-se distinguir o(s) melhor(es), caso sejam pessoas individualmente, organizações ou colectivos.